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AO ENCONTRO DO TEMPO: (RE)VISITANDO CECÍLIA MEIRELES

(Entrevista publicada na Tribuna Cultural, em novembro de 2003)
Publicado em: 24/08/2014 - 20:08:02
Fonte: Raymundo Luiz


"A poesia de Cecília, tecida de silêncio e solidão, de lirismo e nacionalismo, compõe o arcabouço da qual se constitui a poeta para construir uma das mais consistentes e ricas obras literárias de nosso país. A poeta, diversa e múltipla, e a sedução que exerce sobre o imaginário do outro constituem elementos que são debatidos nesta entrevista concedida a Tribuna Cultural (novembro,2003) pelo professor e poeta Raymundo Luiz Lopes".

TRIBUNA CULTURAL - Você poderia fazer uma síntese biográfica de Cecília Meireles?
RAYMUNDO LUIZ - Bem, que tal lembrarmos que Cecília nasceu no Rio de Janeiro, em 7 de novembro de 1901, e faleceu, na mesma cidade, em 9 de novembro de 1964, aos 63 anos de idade? Este ano, então, comemoram-se 102 anos de seu nascimento. Cecília, ainda garota, vê chegar a primeira grande guerra e, já adulta, a segunda guerra. [Não viu, felizmente, as tristes conseqüências da ditadura militar no Brasil, pelo menos deste lado da vida...].

T.C. - E quando foi que Cecília apareceu como escritora?
R.L. - Em 1919, ela estréia com sua primeira obra, "Espectros", onde reuniu 17 sonetos ao modo parnasiano. Nessa obra, uma grande parte dos poemas gira em torno de personalidades históricas, como na estrofe final de "Noite de Coimbra": "E onde uma fonte escorre, num gemido/ De alguém a relembrar mortos amores,/ D.Pedro beija a boca a Inês de Castro." Mas sua presença no universo da literatura brasileira está registrada, segundo estudiosos, em 1922, quando foi apresentada e divulgada na revista "Árvore Nova" por alguns escritores católicos. Pretendiam eles uma renovação das letras, com base espiritualista, determinada pelo "pensamento filosófico", "tradição" e "universalidade", tudo muito ligado, numa proposta diferente da do grupo modernista de Klaxon. Possivelmente, aquela turma que criou, também, a revista "Festa", viu, em Cecília, alguém que estaria representando a pretendida renovação, face ao seu estilo, o gosto pela tradição e o forte caráter místico de sua personalidade.

T.C. - No caso, entre uma concepção e outra, como caracterizar a poetisa?
R.L. - Com respeito a Cecília, muitas têm sido as opiniões. Ela que teve presença visível a partir da aurora do Modernismo, deste, soube manter uma certa distância, sem arroubos, intrigas, brigas, premeditações. Seguiu seu próprio caminho, quem sabe, extraindo de todas as árvores a seiva necessária para consolidar o seu projeto de vida. Foi muito feliz nisso. Não se prendeu a nenhuma corrente e nem a modismos. Estabeleceu, autoconsciente, critérios de bom gosto e fidelidade à vida - de mistérios e clarezas - projetando a sua visão de mundo numa rica produção literária. Ela foi fiel a si mesma. Disse, certa feita, Afrânio Coutinho, que Cecília nos oferta um "canto puro de vaga musicalidade e densa espiritualidade" e que na fidelidade a si mesma está "o segredo de sua grandeza como artista". Interessante, lembranças, lembranças... escute esta maravilha: "Um poeta é sempre irmão do vento e da água:/ deixa seu ritmo por onde passa." O que dizer mais?

T.C. - Você poderia comentar a passagem de Cecília pela Índia?
R.L. - Desde a adolescência, fascinada pelo Oriente, passou, então, a estudar a vida do povo daquela região. Ensinou, algum tempo, Literatura Oriental. Estar na Índia, terra multicolorida, de muitos falares e contradições e de uma profusão de deuses, para alguém como Cecília, irresistivelmente transcendental, foi de uma emoção que somente ela poderia revelar. O seu olhar percorreu tudo o que podia ver e, mais além, pela janela da intuição e da imaginação construiu pérolas. Aprecie estas: "E muito longe o nosso pensamento em serpentes se eleva/ na aérea música azul que a flauta ondula."(Som da Índia). "Eis o sono da rainha adorada:/ longo sono sob mil arcos, de eco em eco./ ("Fuga das vozes, livres de lábios, independentes, continuando-se...") (Taj-Mahal). Ler esses versos, recitá-los mentalmente, aconchegar no âmago as imagens, sentindo a sonoridade, o ritmo e pronto. Repetindo-os, repetindo-os, como um mantra e, assim, pôr-se em meditação.

T.C. - O que mais lhe sensibiliza em Cecília ou em sua obra e qual o poema de que mais gosta?
R.L. - Sem dúvida, a atmosfera ceciliana é como um véu de acalanto e de surpresas. Há sempre algo para todas as idades. A sua mensagem pontua o social, o transcendental, ora, ora, a própria vida que transcorre irremediavelmente. Não é fácil dizer o que mais me toca; algumas produções mais que algumas outras, possivelmente sim. Contudo, sem restrição no valor de cada uma delas, uma questão de afinidade pessoal. A imagem de Cecília me fascina. O seu jeito suave, sem abdicar de seus pontos de vista, sem ferir ninguém, consciente de seu papel no mundo. Tanto isso é verdade, que ela disse: "Aprendi essas relações entre o Efêmero e o Eterno...". E acrescenta: "Em toda a vida, nunca me esforcei por ganhar nem me espantei por perder". Isso me sensibiliza visceralmente. Para não deixar de responder, acrescento alguns versos que me agradam, dentre tantos outros, do poema "Motivo", já conhecido: Eu canto porque o instante existe/ e a minha vida está completa./ Não sou alegre nem sou triste:/ sou poeta. Ou, então: "Aqui está minha dor - este coral quebrado,/ sobrevivendo ao seu patético momento.(Apresentação).

T.C. - Você se diz arrebatado pela imagem de Cecília, em especial por algumas de suas fotos. O que mais te chama atenção na autora?
R.L. - Pois bem, gosto muito de fotografar e de ver fotos. Aquele instante do clique e, pronto, marca-se um tempo que não se repete. As fotos de Cecília têm algo de misterioso [... me exercito de forma, talvez, Zen.]. Assim, deixo-me levar por elas, numa leveza de nuvem, porque são de uma beleza que hipnotiza. No seu rosto há algo de diáfano, olhar sereno, receptivo e de busca, sorriso leve, silêncio lançado no infinito, toda a figura projetando-se para acolher o outro. Permita-me, finalizando, citar um pequeno trecho de nossa homenageada: "Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas para mim: silêncio e solidão".



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