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A RUA DOS DESEJOS E DA ALEGRIA

Da série : Verdades e Mentiras sobre Feira de Santana
Publicado em: 08/08/2014 - 01:08:30
Fonte: Emanoel Freitas


    Com nome de um santo, que de certa forma tem uma representação de pureza, pavimentada com um calçamento rudimentar, péssimo para o tráfego de bêbedos, e com olhos d´água que brotavam de forma insistente entre as pedras do calçamento rústico, a ladeira do Minadouro (Rua São José) abrigava um cem número de bordéis, que vieram pouco a pouco se instalando nesta região empurrados pelo comércio que crescia e tomava conta da "Rua do Meio" (atual Sales Barbosa), onde antigamente ficavam concentrados, praticamente, a quase totalidade das casas de tolerâncias de Feira, com exceção daquelas existentes no "Beco da Energia"  e no "Beco do Mocó". A noite era iluminada e animada com músicas transbordando da maioria das casas, que ostentavam as tradicionais lâmpadas vermelhas na entrada, indicação de que famílias deviam evitá-las, pois tratavam-se de "casas de frequência", "bordéis", "castelos",  "prostíbulos", locais onde não era recomendável que pessoas de família frequentassem.
    Engraçado como a cidade olhava para o outro lado. Para as famílias tradicionais era como se o Minadouro não existisse, quando senão, admitiam sua existência, apenas para atender aos viajantes que por aqui pernoitavam, e que eram muitos, face a característica de Feira como forte entroncamento rodoviário. Admitir seus filhos, irmãos ou maridos frequentando aqueles lugares horríveis, nenhuma boa esposa ou mãe da família feirense iria admitir, mas a verdade era bem outra.
    Uma vida noturna pujante e animada tomava conta daquela ladeira, se estendendo até o início das Baraúnas, onde haviam ainda as "7 casas", que eram populares e os bordéis de Donana e de Nilzete, que recebiam clientes mais refinados e exigentes. É bem certo que haviam ainda, fora da área do Minadouro outras casas que eram menos populares, e que normalmente tinham sido instaladas com  investimentos mais pretensiosos para o ramo, visando atrair os clientes com melhor poder aquisitivo, como é o caso do "Sonho Azul", que foi instalado na Queimadinha, com uma estrutura que permitia o veículo do freguês ficar dentro da área interna, protegida por muros, ou seja, mais discreto. O Sonho Azul chegou até a realizar alguns stripteases, que na época, era o máximo em show  erótico, que se podia esperar em uma cidade do interior da Bahia.
    Outras casas de tolerância foram abertas em outros locais, mas o "Minadouro" era o mais frequentado, popular e que oferecia uma maior quantidade de opções e de diversão. A "Boite Apache" brilhava e resplandecia entre as opções do local, com música ao vivo, de qualidade, diga-se de passagem, pois mantinha uma banda com bons músicos, e inclusive com metais que enriqueciam as canções de origem latinas, serestas e músicas românticas que predominavam na época. Era comum também as canjas, inclusive proporcionadas por prostitutas talentosas, que em uma época de fraca comunicação nunca chegariam a se profissionalizar, e assim satisfaziam o ego e o desejo de cantar dando canjas nos bordéis. Algumas se tornavam muito populares e passavam, inclusive, a ser solicitadas pelos clientes mas contumazes.
    O movimento era realmente muito grande, até porque era onde um grande número (a maioria) de jovens da época escolhiam para terminar a noite, após, naturalmente ter feito o aquecimento com as namoradas, em época que o amor livre era palavrão, e que poderia provocar até atos de violência com pais de famílias mais sisudos.
    Subíamos e descíamos a rua visitando todas as casas, era como um vício, uns para ver se havia alguma novidade (uma nova dama da noite), outros por um hábito que terminavam por adquirir em acompanhar os amigos mais viciados e frequentes aos bordéis. As músicas que emanavam das casas invadiam a rua, o que proporcionava uma mudança de ritmos e estilos a todo instante, mas sempre prevalecendo a seresta e as músicas românticas, onde Waldick Soriano, Altemar Dutra, Silvinho, Orlando Dias e muitos outros brilhavam com suas canções carregadas com dor de cotovelo, afinal "Quem é que não chora uma grande dor" (verso de uma canção interpretada por Silvinho e muito comum no velho Minadouro).
    Waldick Soriano, nesta época, era uma espécie de prata da casa, era comum encontrá-lo em bares do Minadouro e arredores, com amigos e até, muitas vezes, cantando ao som do violão, algumas de suas músicas que já faziam um tremendo sucesso na região, e por isso era muito adulado pelos frequentadores da "zona". Onde ele passava era comum o lugar ficar cheio. Era um tipo de ídolo muito querido e gozava da simpatia da maioria dos boêmios.
    Entre as subidas e as descidas, era agradável ser chamado, de forma um tanto quanto melosa, de "paínho", e ouvir: "vem cá vamos fazer um neném"; que hoje certamente seria uma ofensa ou uma agressão, naqueles tempos era uma espécie de elogio, estávamos sendo escolhido por uma "dama da noite", o que nos permitia aceitar ou rejeitar, mas de qualquer modo alentava o ego, e no mínimo estimulava a continuarmos na noite, nas jornada tantas vezes repetidas até encontrar uma escolhida, ou simplesmente voltar para casa com o orgulho dos louros colhidos na noite. Pouco importava se havia interesse comercial nos assédios, o que realmente importava era o que ouvíamos, a verdade era a noite, as luzes, e aquele cheiro de perfume barato que tomava conta do ar.
    E enquanto isso, a música de Waldick ia ecoando madrugada a dentro, até surgirem os primeiros raios da manhã:
"Minha querida, saudações
Escrevo esta carta
Mas não repare os senões
Para dizer-te o que sinto
Longe de ti
Amargurado na saudade
Das horas vividas com felicidade..."
    Se para alguns ou até para maioria a ressaca do álcool não chegava a incomodar, por outro lado, a ressaca do amor, quando batia era terrível. Em tempo de doenças venéreas fatais é até difícil acreditar que houve um tempo, no qual, o médico da rapaziada era Marcelino, debochadamente apelidado de "Dr. p*", que atendia em uma casinha localizada em uma vila do centro da cidade, e que recebia a todos com um jeito jocoso e brincalhão. Estava sempre a amolar uma pequena faca, e não poupava os coitados que lá apareciam aos montes, com a possibilidade de cortar o mal pela raiz, ou quando não, pedia que trouxessem um banco para que o coitado subisse e pulasse, se órgão não caísse, ainda teria cura. Alguns iniciantes, que não conheciam o humor de Mercelino, ficavam desesperados. Um grande amigo meu que não conhecia o brincalhão, foi visitá-lo, por indicação da rapaziada, e por ter adquirido uma blenoragia (gonorréia) que se agravava, em sua visão, de forma galopante, e quando olhou pela janela e viu Marcelino amolando a faca e dizendo para um menino se aproximar, correu dali em uma velocidade impressionante, e até hoje, se lembrar a ele a existência de "Dr.p*", sente calafrios.



GLOSSÁRIO:
Blenorragia: doença sexualmente transmissível, provocada por bactéria Gram-negativa da espécie Neisseria gonorrhea, no homem, ger. caracterizada por uretrite, na mulher, por corrimento mucoso e nos recém-nascidos, por oftalmia gonocócica; gonorréia, gonococcia, gonococia (Dicionário Houaiss)
 

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