HUGO NAVARRO

Dr. Hugo como é comummente chamado é feirense, nascido em 29 de abril de 1929, formado em Direito pela Universidade Federal da Bahia - UFBA, em 1956, tendo escolhido sua especialidade em Direito Penal, embora seja brilhante em qualquer outra área que resolva atuar. Definir Hugo Navarro é muito difícil, pois os melhores adjetivos dizem pouco para expressar o tamanho da importância que este cidadão tem para sua terra. Talvez quem melhor tenha adjetivado o intelectual feirense, tenha sido Elsimar Pondé, na lide da entrevista que realizou com Hugo por conta de um projeto do Portal FS On-line, onde afirma: "Uma verdadeira lenda viva do direito e do jornalismo de Feira de Santana. Assim, podemos descrever, de forma resumida, o perfil do advogado, ex-vereador e ex-deputado estadual Hugo Navarro Silva,". O âncora da "Folha do Norte" pertence a uma família de benfeitores (talvez seja mais correto dizer "construtores") de Feira de Santana, que participaram da vida cultural, artística e política de Feira, tendo Dálvaro (Pai) e Raul Silva (Tio) uma maior ligação com a vida cultural, artística e jornalística de Feira e Arnold Silva (Tio) que foi um dos políticos mais importantes de toda a história feirense. Hugo, fiel aos seus princípios em defesa do bem comum, pertenceu aos partidos políticos, UDN, ARENA, PDS, sempre em uma postura coerente com os seus princípios. Na iniciativa privada e em cargos executivos foi: Diretor Regional da Secretaria de Assuntos Municipais, 1967-1971; chefe do serviço jurídico da empresa Irmãos Curvello Veículo Feira S/A, 1976; vice-diretor do Centro Educacional Assis Chateaubriand, 1977-1979 e diretor do BANEB-Serad S/A, 1983-1986. Como político foi eleito vereador pela União Democrática Nacional-UDN, 1963-1967 e reeleito 1969-1970, em Feira de Santana; Deputado estadual pela Aliança Renovadora Nacional-ARENA, 1979-1983; Suplente de deputado estadual pelo Partido Democrático Social-PDS, 1983-1987. Na Câmara Municipal de Feira de Santana foi Líder da Bancada da UDN, secretário da Mesa Diretora. Na Assembléia Legislativa, foi vice-presidente da Comissão de Redação Final (1979-1980); titular das Comissões: Redação Final (1981-1982), Finanças e Orçamento (1979-1982, 1986); suplente das Comissões: Agricultura e Incentivo Rural (1979), Educação, Saúde e Serviços Públicos (1980-1981), Constituição e Justiça (1986), Saúde e Saneamento (1986), Educação e Serviços Públicos (1982).
A história de Hugo é rica e aqui citamos apenas algumas de suas atividades das mais notórias, mas um livro seria pouco para falar deste feirense, que é motivo de orgulho para seus conterrâneos, que como ele também amam esta cidade e querem vê-la como afirma o hino, "formosa e bendita". Por este prisma, entenderemos um pouco a sua "pena" (caneta) severa e irônica, com os que desrespeitam e maltratam nossa princesa e, justa com os que a ela se dedicam e a constroem, como fez ele e sua família desde que temos notícias. Hoje, com uma advocacia filtrada e seletiva, pois não deixará nunca de ser advogado, o que sempre fez por uma vocação natural, dedica a maior parte de seu tempo ao jornal centenário que sua família e ele próprio mantém por mais de cem anos em nossa cidade, a "Folha do Norte", onde publica suas crônicas semanais.
O Viva Feira se orgulha de ter recebido autorização pessoal de Hugo Navarro para transcrever as crônicas semanais publicadas na Folha do Norte, pois sabemos que estaremos enriquecendo culturalmente nossos visitantes e seguidores e, contribuindo para que o talento de Hugo possa chegar aos fãs dos seus trabalhos, aqueles que estão longe de Feira e, possibilitar que seu estilo brilhante e inconfundível possa vir a ser conhecido em outras plagas. Em resumo, estaremos dividindo com o mundo, através da internet, o que temos de melhor entre as mentes brilhantes de nossa terra - Feira de Santana.

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CORRUPÇÃO, A MÚSICA DA ATUALIDADE

O noticiário, nem sempre empolgante, nunca deixa de estar prenhe de novidades que mostram a realidade destes pagos. Às vezes se revestem de humor, do humor inglês, que antigamente diziam despertar riso, aquele que apenas transparece no canto da boca, ou o de provocar gargalhadas de platéias de Oscarito, astro das chanchadas nacionais. O humor, portanto, desperta manifestações de ordem diversa. Há o riso, forma discreta de aceitação ou de crítica; o sorriso, muito usado, em tempos idos, na antiga e superada fase inicial do namoro, e a gargalhada aberta, escancarada, ruidosa, debochada, às vezes irreprimível, ótima, há quem diga, para oxigenar o sangue, melhorar a circulação e estimular o bom funcionamento do fígado como certos remédios que servem para todos os males, até para mulher parida, que voltaram, com força, às luzes da publicidade, explorando doces esperanças que nunca faltaram ao povo. Há, também, o riso de alegria, de decepção, de desconfiança e o sardônico, que certos literatos provocam ao apresentar produção destinadas a correr terras e alcançar imortalidade.
É possível que a auspiciosa notícia, divulgada no começo da semana, pelos jornais, de que a Corregedoria do Tribunal de Justiça mostra-se disposta a investigar caso de corrupção em cartório (no singular) tenha provocado gargalhadas, risos ou sorrisos, a depender do ânimo e do estado de espírito de cada um, porque o combate à corrupção, feito sempre através de medidas rigorosas, segundo a consagrada linguagem oficial, não passa de piada que sempre provoca jocosidade porque a corrupção transformou-se em respeitável catecismo nacional e hábito mais a merecer ditirambos do que CPIs, censura e o rigor de inquéritos. A primavera, que anda a varrer e convulsionar o Oriente Médio, ainda está longe do paraíso dos mentirosos e trapaceiros que é o nosso amado Brasil, sempre à espera de providências salvadoras que somente o povo legitimamente pode adotar quando estivar vacinado contra os messias de esquina.
Vai daí que as notícias da política perderam interesse, principalmente se oriundas do baixo clero, dos que fingem comandar e resolver. Felizmente há outras, como a anuncia os novos lançamentos da “Fundação Senhor dos Passos”, entidade que sem alarde e sem foguetório se vem empenhando no trabalho de preservar a história, as melhores tradições e a cultura de Feira de Santana.
A“Senhor dos Passos” anunciou a realização, nesta cidade, do “Primeiro Festival de Filarmônicas”, que certamente fará reviver a esplendorosa fase das bandas de música desta terra, em época que vai ficando distante, quando Feira de Santana não tinha os recursos de que hoje dispõe.
A nota provocou manifestações populares. Houve até quem atribuísse o desaparecimento das nossas filarmônicas ao descaso e falta de amparo do poder público, o que não é verdade. Uma filarmônica, que mereça tal nome, não pode ser formada de menos de trinta músicos, sob pena de ser havida por zabumba ou terno de barbeiros. A Prefeitura sempre ajudou, dando emprego a músicos oriundos principalmente do Recôncavo, acolitando esforços não pequenos de empresários e fazendeiros. A “Folha do Norte”, por exemplo, sempre contou, entre seus gráficos, de três a quatro músicos da “25 de Março”. As dificuldades e despesas criadas pelo progresso na admissão e manutenção de funcionários e empregados puseram a pá de cal sobre as bandas, com a colaboração do disco, do hi-fie dos modernos aparelhos de som, que conduzem a inevitáveis comparações.
Uma filarmônica, hoje, demandaria, nesta cidade, despesas e responsabilidades de empresa de médio porte. As escolas de música, antes mantidas pelas bandas, é que deveriam sobreviver e se multiplicar, por iniciativa do poder público, porque significam educação e, no mínimo, possibilidade de honesto e respeitável meio de vida.
A música da corrupção é que não pode tomar todos os ouvidos.

GASTÃO E FORMIGA

Gastão Guimarães, cujo 57º. aniversário de falecimento passou, no dia 24 do corrente, era mais do que destacado e respeitado médico, intelectual e professor de literatura da língua portuguesa. Entrosado com a sociedade em que vivia, Gastão Guimarães tornou-se parte do povo, partícipe de iniciativas cívicas e culturais, ligado ao esporte e aficionado da equitação, do remo e do futebol a que deu sua colaboração durante muitos anos.
Afastado, pela idade, das disputas esportivas, Gastão Guimarães passou a árbitro de partidas de futebol. Deve ter começado no Estádio Leolindo Ramos, situado na Avenida do Senhor dos Passos e chegou a arbitrar jogos no Estádio Irmãos Andrade, que ocupava a área onde hoje existe a Praça Dr. Jackson do Amaury.
A arbitragem, naqueles tempos, era diferente da que hoje conhecemos. O juiz podia permanecer sentado, à beira do campo, à mesa da cronometragem, apitando de longe. Na mesa ficavam o cronometrista, a súmula do jogo, o representante da entidade patrocinadora e outras autoridades. O cronometrista determinava o inicio e o fim do primeiro meio-tempo e do segundo meio-tempo, de acordo com a lição do jornalista Antônio Garcia, que afirmava que o tempo de jogo é um só, embora dividido ao meio.
A arbitragem de Gastão Guimarães, com a ajuda dos fiscais de linha, sempre era garantia de ordem na competição e de respeito dos atletas e do público.
Gastão Guimarães, sisudo, cultor das letras, estudioso incansável, amante da natureza, em tempos de calor não dispensava animada prosa sob a marquise do Cine-Sant’Ana, algumas vezes sob árvores da praça João Pedreira ou, ao cair da tarde, em banco da Praça do Padre Ovídio, geralmente em companhia, entre outros, do também médico, o poliglota Honorato Bonfim, para se deliciar com o por do sol, que naquele tempo ainda podia ser visto nesta cidade.
A fama de poeta e de intelectual atraía a atenção de todos aqueles ligados ao cultivo das letras que por aqui passavam. Certo dia Clóvis Amorim apresentou-lhe, no consultório, o afamado poeta nordestino Eurícledes Formiga. Conversa vai, conversa vem, Formiga insistiu em conhecer produção poética de Gastão, que relutante concordou em lhe mostrar poema que acabara de concluir. Formiga passou rapidamente os olhos no papel, dobrou-o e recitou todo o poema, como se fosse velho conhecido seu, para grande espanto e vexame de Gastão, que somente se acalmou quando Formiga recitou o poema de baixo para cima, sem perder uma só palavra. Formiga era um gênio. Tinha memória fotográfica. Deu, depois, espetáculo de sua incrível habilidade no Colégio Santanópolis, para estupefação e assombro dos presentes.

A REPETIÇÃO NA HISTÓRIA

O cangaço deu trabalho à polícia por largo período. Começou no século XIX e só terminou em 1940, com a morte de Corisco, companheiro de Lampião, quando já havia perdido força e quase não mais assustava. Banditismo promovido por saqueadores e assassinos, que desafiava a lei e as autoridades, o cangaço chegou a ser apontado, na época em que despertava entusiasmo, no Brasil, a interpretação dos fatos sociais conforme o marxismo-leninismo, como resultado do latifúndio, do coronelismo, da exploração da mão de obra, do fanatismo religioso, da falta de educação e da completa ausênciade governo, salvo para prender, processar e meter na cadeia. Diziam, também, com base em Nina Rodrigues, que o banditismo sertanejo resultava de atavismos étnicos, estigmas degenerativos da mestiçagem brasileira, que levam ao delito. Um dos quefalavam das influências biológicas, Lourenço Filho, autor de livro sobre Joazeiro e o Padre Cícero, apontava, entretanto, como remédios para o cangaço, liberdade política, justiça e educação. Falasse sobre o banditismo de hoje, certamente haveria de incluir a assistência à saúde como essencial, também, à paz e à harmonia da sociedade.
A verdade é que o total abandono em que viviam nordestinos, a omissão dos governos, a dificuldade de comunicação e o fanatismo religioso, unidos, deram lugar a fenômenos assustadores, mas cheios de heroísmos, insânia e demonstrações de grandeza humana, de que são exemplos maiores Lampião e seu bando, Antônio Silvino, o arraial de Canudos, o Cariri do Padre Cícero com o incrível Floro Bartolomeu e a campanha contra o governo do Ceará.
Feira de Santana passou sustos com Lampião. Mais de uma vez, em época de comunicações precárias, a cidade alarmou-se com boatos de possível ataque do cangaceiro, que se deslocava com incrível rapidez e facilidade na caatinga. A amplitude de suas ações, que levou o chefe do PCB, Luiz Carlos Prestes, em documento publicado depois da queda da União Soviética, a comunicar a Moscou, que a revolução proletária havia começado no Brasil, dificultava, em certas ocasiões, a localização do bando. Mas, dos tempos do cangaço, apenas tivemos aqui fugitivos de Lampião, como certo pretor, que deixou cargo e cidade e resolveu mudar-se para Feira, temendo pela segurança da família, e o Cel-PM, Artur Santos, que aqui foi político atuante e vereador à Câmara. Praça em volante, durante combate com o bando de Lampião recebeu tiro que lhe varou o peito. Não morreu, conforme contava, porque a bala de fuzil atravessou-lhe o corpo sem atingir órgão ou vaso de importância, além de cauterizar o ferimento.
Há quem tente incluir Lucas da Feira no rol dos cangaceiros nordestinos. Poucas semelhanças existem, entretanto. Lucas formou pequeno bando que assaltava de emboscada nas estradas próximas, praticando, além de outros, crimes sexuais. Lampião tinha veleidades e táticas de chefe militar, mantendo disciplina e rigidez moral na sua tropa. Chegou a atacar vilarejos e cidades de cujo comércio e destacamentos policiais recolhia armas e munições. Fez questão de receber, do Padre Cícero, diploma de capitão em trocade prometido combate à Coluna Prestes.
O cangaço, além de deixar vasto material de estudo e exemplo para os governantes cheios apenas de prosápia, foi motivo de vasta produção de literatura de cordel. Uma dessas obras, atribuídas ao cego Sinfrônio, de Jabutí, Ceará, divulgada por Leonardo Mota, narra a disputa entre o cangaceiro Vilela e alferes, delegado de polícia. O seguinte trecho dá a ideia do que era um cangaceiro: “Seu alfere delegado,/ largue de tanto zum-zum/ que home que mata cem/pode interá cento e um./ Eu hoje ainda não comi,/ seu alfere,/ Com você quebro o jejum!”
Extinto o cangaço, o crime generalizou-se, atingindo sertão e cidade de forma implacável embora sem lances de valentia e sem versos. Outras mudanças houve. O rifle de repetição foi substituído pela pistola semi-automática. O cavalo, pela motocicleta.

PACTOS E ALIANÇAS

O primeiro pacto deste mundo teria ocorrido entre Deus e o casal que deu início à vida humana na Terra. Ditatorial, porque estabelecia proibições, mas chamado de aliança. Esse contrato,de conteúdo um tanto ou quanto leonino, repetiu-se, segundo as Escrituras, com Abraão, estabelecendo cláusula que provoca arrepios, a da circuncisão obrigatória, por certo decorrente mais da sabedoria do patriarca do que de exigência divina, porque dirigida à saúde pública, que apresenta poucas ligações com a salvação da alma. Outros pactos, segundo as Escrituras, teria havido, de somenos importância, mas que teriam sido responsáveis pelo uso generalizado do contrato, nas suas diversas modalidades e feições, hoje presente na vida em sociedade como imprescindível instrumento dos negócios, política e formação da família.
Símbolo do contrato, nas relações de família, é o anel que tem o nome de aliança, usado no noivado e casamento, mas cuja origem ninguém sabe ao certo. Teria aparecido na misteriosa Índia, de onde passou para a Grécia. Existia a crença, entre os romanos, de que no quarto dedo da mão esquerda passava a veia do amor, ligada, diretamente, ao coração, o que teria levado a Igreja a adotar, nas uniões conjugais, o uso do anel. Em passado mais distante teria sido usado para indicar a compra da noiva.
O anel dos bispos indica o casamento entre os prelados e a Igreja.
Em termos gerais aliança, no casamento ou noivado, evidencia a determinação de união e fidelidade sem fim. A escolha da forma para expressar esse simbolismo resultou, quem sabe, da idéia de infinito que o anel representa.
Anel, na lenda, costuma aparecer com poderes mágicos. Giges tinha anel que lhe conferia o dom de invisibilidade em virtude do qual tornou-se rei da Lídia. Há referências ao fabuloso anel de Giges em Heródoto, Platão, Théophile Gautier e outros autores. Na tragédia de Frederic Hebbel o anel da invisibilidade dá a Giges a mulher do rei Candule e o próprio trono. Dizem que a tragédia serviu de inspiração a H.G. Wells no romance “O Homem Invisível”.
Ainda há o caso do anel de Polícrates, que aparece em várias histórias, narrado por Heródoto. Tirano sanguinário de Samos, Polícrates, tantas maldades praticou, que um amigo, o rei do Egito, temendo desgraças, aconselhou-o a se livrar de objeto valioso para quebrar a corrente do mal que o cercava. Polícrates atirou valioso anel ao mar. Dias depois recebeu de presente peixe em cujo bucho estava o anel. Morreu, pouco depois, crucificado.
Em certa época os imperadores mandavam que doutores e professores usassem anel que os distinguisse dos demais. De simples aros de metal os anéis evoluíram para ostentar pedras preciosas e inscrições. Já estiveram em uso anéis com sinetes de autoridades ou de titulares da nobreza.
Quando se fez a via asfaltada que circundava a cidade,deram-lhe nome de “anel de contorno”. Circunscrevia a cidade e se destinava – era o que se dizia – a desviar, do centro, o pesado tráfego de caminhões que se destinavam a outras paragens. A cidade, entretanto, cresceu e engoliu o “anel”, que hoje tem nome de avenida, criando mais problemas do que soluções, vítima, entretanto, de tantas e quantas promessas de duplicação e outros melhoramentos na boca de políticos irresponsáveis.
Ultimamente, entretanto, foi alvo de incrível demonstração de amor. Documento de magna importância foi assinado, na área federal, para a apuração de delitos contra os cofres públicos. A assinatura, relevante, foi suprimida, retirada, revogada.
O que justificou a assinatura, disse o subscritor, foi o seu amor a Feira de Santana, que assim respondia a quantos prometeram a reforma do “Anel de Contorno” e desertaram as promessas.
A tal assinatura, entretanto, foi rapidamente retirada. Por amor a quem é o que todos gostariam de saber.

À BUSCA DO TURISMO

A realização do I Fórum Regional de Turismo, iniciativa da Associação Comercial em busca de meios para desenvolver a importante indústria em Feira de Santana, ganhou as atenções da mídia, a presença do Secretário Nacional, Colbert Martins Filho, e a do Secretário Municipal da debatida e pouco entendida área.
O Secretário Municipal, justiça se lhe faça,saiu na frente na tarefa de promover o turismo em Feira, buscando e rebuscando, em todos os cantos da sede e dos distritos, que vem meticulosamente escarafunchando e esgaravatando, com lentes de detetive, paciência e método, sinais, pistas e indícios de atrações turísticas, que deverão figurar em futuro e promissor Guia Turístico, que poderá trazer, a esta cidade, pessoas até do Uzbesquistão e de Ngorongoro, para admirar nossas atrações e aqui deixar parte de seu patrimônio. O secretário declarou, em entrevista radiofônica, que já encontrou algumas dessas atrações no Distrito de N.S. dos Humildes, havendo a esperança do descobrimento de muitas mais em outras e insólitas paragens. Chegou a citar o Distrito de São José das Itapororocas, onde existe morro promissor e possibilidades ainda não exploradas porque completamente desconhecidas. Criou expectativas louváveis sob todos os aspectos. Quem sabe, por aí afora, nas brenhas municipais, não se escondem milenares construções,inscrições em rongorongo, ritos de candomblé e movimentos de capoeira ainda não estudados? As iniciativas do Secretário no decorrer do I Fórum infelizmente esmaeceram e perderam força quando ficou dito, e não somente ali, como alhures, o que pode ser resumido da seguinte forma: o turismo de Feira não estaria aqui, mas na heroica cidade da Cachoeira, onde há monumentos seculares, com destaque para os religiosos, que vale a pena visitar. Lamentamos tenha ficado no esquecimento a cidade de Pedrão, de onde saíram os “Encourados” para fazer concorrência ao heroísmo de Maria Quitéria na terrível Guerra de Independência de que resultaram muitas mortes em célebre poema de Castro Alves.
A pretendida apropriação das riquezas turísticas de outras paragens poderia, entretanto, correr o riscode sofrer acusações de imperialismo cultural, o também chamado culturicídio ou etnocídio, combatido em todos os tempos e que neste país assumiu destaque na luta contra a influência norte-americana.
O turismo, nas suas variadas formas e vertentes, ninguém duvida,amplia horizontes, educa, aproxima povos, movimenta riqueza, mas, principalmente, lança luz sobre determinados assuntos sobre os quais pesam dúvidas ou ignorância.
Deputados à Assembleia Legislativa da Bahia, recentemente reunidos em Comissão Extraordinária, dirigiram-se a Pernambuco na tentativa de buscar subsídios para a pendenga que se estabeleceu em torno da pretendida privatização dos cartórios extrajudiciais, que neste Estado estão a levar a extremos a paciência do povo.
Na capital pernambucana devem ter visitado a Ponte Buarque de Macedo, a que levava à Casa do Agra, mas, depois de muito suar, descobriram o que ninguém sabia, nem aqui, nem acolá: os cartórios da velha Bahia são os piores do país.
Mas, enquanto deputados viajam (já estiveram em outras capitais com o mesmo objetivo, em trabalho que causaria inveja a Marcel Proust) em busca do cartório perdido, o povo é prejudicado, humilhado em filas que se formam nas madrugadas à porta do Forum Des. Filinto Bastos, quando há expectativa de trabalho naquela casa, às vezes em busca de simples reconhecimento de firma.
Segundo Tertuliano, ao cortar a orelha de Malco, empregado do sumo sacerdote, São Pedro feriu a paciência de Cristo, o que é discutível. São Pedro era humano como a população desta cidade. À proporção que paciência falta ao povo, cresce-lhe o desejo de cortar orelhas.

A NOVIDADE DA PROCISSÃO

A recém-criada e amplamente festejada região metropolitana a cuja cabeça este Município foi guindado com euforias quase carnavalescas e enormes esperanças de obras e progressos que podem dar, ao povo, vida mansa e confortável, muito superior à dos presidiários da Noruega, começou a produzir, ao que tudo indica, frutos opimos (como já foi costume dizer), com surpreendente novidade acrescentada à solene e tradicional procissão que marcou o encerramento das festividades dedicadas à Padroeira, N. S. Sant’Ana, a avó do Salvador.
A novidade não ficou a cargo do policiamento, jamais visto em semelhantes manifestações religiosas, a que faltaram, entretanto, cercas metálicas e equipamentos de detecção de metais, o que pode ser remediado em futuros eventos. A posição de total insegurança vivida, atualmente, pelo povo desta cidade, justifica as medidas de prevenção adotadas, que deram resultado, no particular, já que não se registraram incidentes, embora inócuas no contexto geral da segurança no cotidiano da população.
Aprocissão, em si própria, pouco mudou, na verdade, no decorrer dos anos. Enorme multidão de fieis contritos, respeitosos; políticos loucos por dar a impressão de bons sujeitos, tementes a Deus; andores caprichosamente arranjados, em número crescente, e muita demonstração de fé. Mudou, talvez, a indumentária de alguns. Há muito tempo desapareceu o costume da roupa e do sapato novo para as Festas de Sant’Ana. Um político, vereador em diversas legislaturas à Câmara local, ajudou a quebrar o costume carregando andor, durante muitos anos, com o mesmo paletó de cores berrantes, de longe reconhecido e apontado como parte integrante do cortejo e dele inseparável.
Poucos, mais ligados à tradição e aos antigos costumes, poderão ter sentido a falta das bandas de música, que todas, garbosas e afinadas, enquanto existiram nunca deixaram em engalanar a Procissão, o que de vez em quando provocava tumultos, rixas e correrias a que nem sempre estiveram ausentes sustos, bofetadas, pipocar de armas de fogo e amassados de instrumentos musicais, tudo decorrente da intensa rivalidade existente entre as filarmônicas, que sempre lutavam por lugar de maior destaque na Procissão e, após o encerramento, na triunfal saída da Praça de Matriz. Nada havia de lúdico em tais acontecimentos, que acirravam partidarismos e provocavam comentários, às vezes jocosos, que tomavam conta da cidade durante algum tempo.
A novidade deste ano deveu-se à barulhenta presença de invento relativamente novo, um helicóptero, instrumento utilíssimo em tarefas de paz e de socorro, mas, inegavelmente, lembrado com mais força como eficaz arma de destruição e de guerra, mimo do governo do Estado, que além de criar novo tipo de aeronave, o helicóptero de procissão, prestigiou o evento, resultado, segundo muitos, da posição de Feira como Município sede da nova região metropolitana.
Não há dúvida de que o helicóptero é invenção de Leonardo da Vince, rei dos inventores, pelo menos até o enriquecimento da China, que lhe tomou coroa e cetro, mas somente apareceu como máquina de certa utilidade no começo do século XX e se desenvolveu, como produto industrial viável, nos anos quarenta, assumindo vital importância nos conflitos que têm ensanguentado o mundo, para o que construtores souberam usar, com sucesso, a terceira lei de Newton, a da ação e reação. O cientista, entretanto, não é culpado da prática de delitos contra a humanidade. Seja como for, o helicóptero, sofisticada mostra do que deve resultar a região metropolitana, simples cortesia, cuidado com a segurança ou tentativa de renovar o culto, mecanizando-o, preocupa na medida em que pode ser a mais importante e ruidosa realização do Estado em Feira de Santana.

MUDANÇAS

A imobilidade, às vezes respeitosa, diante de autoridades, luto e símbolos nacionais, como tudo neste mundo, teve uma origem. Pesquisas sobre o assunto revelaram que o hábito nasceu de certo sacerdote romano, o Flamen Dialis, votado a Júpiter, diante do qual toda atividade cessava. Precedia-o, nas ruas, arauto anunciando a sua presença e tudo parava respeitosamente: trabalho, trânsito, conversas, brincadeiras. Era dogma inventado por Numa Pompílio, rei de Roma, criador das primeiras organizações de trabalhadores, que desenvolveu o sentido sagrado do Direito. Mereceu biografia de Plutarco em “Vidas Paralelas”.
Essa espécie de respeitosa imobilidade, de cunho religioso, possivelmente (quem sabe?) tenha se propagado à crença, durante muito tempo inabalável, da paralisia da Terra, cuja negação custou, a Galileu, processo, pena perpétua de prisão domiciliar, a vergonha de se retratar e, provavelmente, morte prematura, tudo para se livrar da fogueira a que eram destinados os hereges.
O movimento é permanente no universo, que vive perpetua e constantemente a se modificar e a se mover ninguém sabe, exatamente, para que e muito menos para aonde.
A Terra move-se, regularmente, por fora e por dentro, como todo ser vivo. Modifica-se. A vida no Cosmos ou no corpo humano sofre constante metamorfose, permanente mudança que o povo, com aguda intuição, desde cedo percebeu e usou para tentar forçar o banimento de quem considerava indesejável. Em certas regiões brasileiras existiam as “mudanças”, farranchos, bandos de mascarados fazendo soar instrumentos musicais, cantando e dançando, carregando toda sorte de inutilidades e trastes, que eram atirados à porta de algum vivente, com certeza pouco querido da comunidade, o que não deixava de representar grave afronta. O hábito assumiu aspectos gravíssimos, nos sertões baianos, inclusive nesta cidade, onde os objetos deixados à porta da vítima implicavam em ofensas de ordem moral, ora por obra da política, que já abusou de tais excessos, ora por simples e criminoso intuito de ofender. Médico, homem culto e respeitável, pai de baiano célebre, passou vexame quando derramaram, na calada da noite, à frente de sua morada, carroças de chifres bovinos. A política às vezes tem inadmissíveis crueldades.
As “mudanças” podem ter dado origem ao bloco carnavalesco de Salvador, “A Mudança do Garcia”, que durante anos vem atirando desaforos e críticas às autoridades.
Movimento, portanto, é a regra. A imobilidade é que faz a exceção. Da mudança dos ventos, durante séculos, dependeu a navegação. Muda o homem, com o passar dos anos e, com ele, o mundo. Antigos diziam que mudanças transformam cordeiro em leão e inocente em Herodes.
O poder costuma produzir mudanças radicais. Agamenon, bondoso e querido cidadão, transformado em general dos Gregos, tornou-se um tirano. Cícero, talvez por isso, temia mudanças na República Romana, as novidades que poderiam dar rumos perigosos ao governo e aos interesses do povo.
As muitas mudanças ocorridas e prometidas na política do Município, recentemente, como se muda de camisa, não deixam de assustar a todos os que se acostumaram com o rumo de seriedade e trabalho que tem impulsionado o progresso desta terra.
Se o universo é de eternas mudanças, algumas obedecendo a leis, que o homem decifrou, outras debitadas ao acaso, não poucas podem ter resultados catastróficos.
É preciso não esquecer velho ditado português, embora alguns considerem ditados como velharias imprestáveis: “muda-te e mudar-se-á tua fortuna”. Em que direção é o que ninguém pode saber

A NOVA FACE DE FEIRA

A morte de senhora, vítima de assaltantes, no centro da cidade, poderia ser a tal gota d’água capaz de mover as autoridades a tentar, pelo menos, moderar a ação da criminalidade que se transforma em real perigo para o progresso desta cidade na medida em que se mostra capaz de aterrorizar toda a população, afastando a possibilidade de negócios e de empreendimentos, os mais importantes sustentáculos do crescimento de Feira de Santana.
Fato lamentável é que nossas ruas não oferecem segurança e tranquilidade ao cidadão. Já existem o trânsito, confuso, concentrado em pontos de crônicos estrangulamentos, claros convites a discórdias e brigas; vias que nenhum pedestre se arrisca a atravessar, sob pena de morte ou graves lesões corporais, o número alarmante de assassinatos e o constante e perpétuo perigo do assalto, na maioria das vezes à mão armada. A cidade, agora, entra no ciclo das mortes por balas perdidas, sua nova face, até agora apanágio das capitais de grande porte. Bandidos, ao fugir atirando de local de assalto, na quarta-feira última, mataram infeliz comerciária e conseguiram desaparecer, sem deixar vestígios, restando à polícia, segundo as notícias, a esperança de identificá-los ao lançar mão de gravações de câmaras instaladas em casas comerciais das proximidades do local do crime. O comércio tenta defender-se, vigiando as ruas, enquanto o Estado, responsável pela segurança pública, deixa claro o seu recado a quem vive e trabalha nesta terra: cada um por si e Deus por todos. Há indisfarçável desprezo pela situação do nosso povo, enquanto cresce, diariamente, o número das vítimas da violência, geralmente atiradas à conta de traficantes, seres invisíveis, inalcançáveis, inacessíveis, misteriosos, fora de controle dos chamados braços da lei. E os crimes se vão sucedendo, vertiginosamente, sempre ampliando o rol dos insolúveis.
Não há dia em que não se anunciem miraculosas operações que vão e voltam, aparecem e desaparecem, com os eventuais encômios, capazes de conter a criminalidade e resolver, pelo menos em parte, o grave drama vivido pelo povo. Tudo balela, conversa fiada em que se estão especializando os responsáveis pela segurança pública diante da própria impotência.
Vários sistemas de combate ao crime têm sido sugeridos ou postos em prática no mundo, alguns com resultados parcialmente positivos, mesmo porque o crime jamais desaparecerá da Terra enquanto existir a raça humana. Mas, os excessos, de alguma forma têm que ser contidos, controlados e punidos. Há quem entenda que o delinquente é indivíduo que não aceita o Estado, portanto não se pode beneficiar das garantias processuais e das prerrogativas de cidadão. Deve ser submetido a penas severas, desproporcionais à gravidade dos delitos. É o chamado Direito Penal do Inimigo, surgido em 1985, na Alemanha, defendido por muita gente do povo e até por juristas.
Não queremos chegar a tanto, nem podemos louvar a repressão violenta legal ou ilegalmente conduzida. Há solução mais simples, paliativa, como todas as outras, que está ao alcance do Estado da Bahia, sem fugir à lei, a de colocar policiais nas ruas, dia e noite, com veículos, combustível, sistema de comunicação e demais equipamentos compatíveis com moderno e eficiente policiamento, sem esquecer o salário compensador de quem exerce ofício de alto risco.
A dificuldade está em implantar policiamento caro somente para perseguir e prender “mulas” de traficantes, ladrões de celulares, batedores de carteiras e quejandos, enquanto grandes delinquentes têm mais do que abrigo no país, por obra de um presidente, que transformou a República em “pensão familiar à beira mar” para bandidos, afrontando a comunidade internacional, dando força e incentivo à classe dos delinquentes poderosos que vivem dentro ou fora de governo.

A FÉ NO NOTICIÁRIO

Há notícias que passam na mídia como gato por cima de brasas. Aparecem por descuido e tomam chá de sumiço. As que abordam fatos negativos ligados, embora remotamente, a crença religiosa, em nosso meio causam pavor aos responsáveis pelo noticiário porque a importância da religião assume proporções gigantescas embora crie interessante contradição, que se fortalece desmesuradamente, a de que quanto mais crescem a fé na divindade e devoção ao culto, diminui, míngua e se apouca a obediência aos mandamentos. É como se Deus, na sua infinita providência, tudo resolvesse em favor do indivíduo: saúde, amores, dinheiro, lazeres, felicidade e largo crediário no comércio e ao mesmo tempo tudo permitisse sem nenhuma possibilidade de restrição ou castigo. A crença religiosa aproxima-se do que se pratica na política: muitas culpas e nenhuma punição.
Durante muito tempo o Diabo, para o qual os dicionários registram cerca de quarenta denominações e o folclore quase uma centena, encarregado de cobrar as contas dos pecados, o chefe dos Infernos e perverso carcereiro-mor dos condenados por faltas graves, fez muita gente tremer de pavor. Quase ninguém, entretanto, fala hoje em gradação de pecados e dos castigos correspondentes, que incluíam irrecorríveis e eternos tormentos. Desapareceu até o Purgatório, espécie de regime semiaberto para o cumprimento de pena de pecados de menor poder ofensivo, mas que não deixava de assustar adultos e crianças.
Satanás desmoralizou-se. Sua figura mais comum, que assumiu formas quase humanas na concepção de desenhistas, com sua cara comprida, chifres, cabeleira em ponta sobre enrugada testa, cavanhaque, capa, nariz aquilino, rabo terminado em seta, pés de bode, aspecto rubicundo e ameaçador, embora às vezesa pareça como morcego, porco, mosca e bode, não mais assusta. Ganhou os palcos, o picadeiro de circo, lugar na comédia, nos contos infantis, nos desafios nordestinos e na música popular como no samba de Moreira da Silva, que fala do “cheirinho de alcatrão” do diabão, o Chico Tintureiro, o Zé Carneiro, ao fugir diante do sinal da cruz. Resultado: ninguém mais lhe sente o fedor de enxofre. Perdeu, totalmente, o prestígio. Deixou de ser apavorante. Tornou-se ridículo.
O Diabo, há quem diga, é criação das lendas judaico-cristãs, única saída para explicar a existência do mal na Terra. No Brasil é português. Quem estudou o assunto, como Luiz da Câmara Cascudo, diz que não o encontrou entre os indígenas e os escravos, que apenas ajudaram os colonizadores brancos a difundir a imagem e os malefícios do Diabo, o que de certa forma é corroborado por Konrad Preuss, que viveu durante algum tempo entre índios da Colômbia. Os índios, segundo Preuss, atribuíam o mal a eventos da natureza, como as tempestades, que procuravam afugentar por meio de danças e outras manifestações.
Os antigos gregos enfrentaram o grande problema da existência do mal com a eventual iracúndia, cólera ou safadeza de algumas divindades. A Terra teria saído do caos original ao receber o sopro divino, que lhe deu alma, não a individual, a que se separa do corpo do defunto para fazer visagens, mas alma com o sentido de ordem e harmonia, que deveria gerir e orientar todo o Planeta. Representava o bem. O mal ficou por conta da Terra, seus deuses e habitantes.
O que realmente aconteceu com o matutino “Bando Anunciador” das festas da Padroeira do último domingo, cuja notícia passou com a rapidez de raio, apenas componentes do farrancho podem narrar. Dizer que apenas houve desavença entre participantes do “Bando” e pessoas de Igreja Protestante, entretanto, é querer abusar de eufemismo. Não foi, entretanto, encontro a merecer louvores. Já existe violência suficiente nas ruas e Feira não se pode transformar em outra Faixa de Gaza.

OS PERCALÇOS DO NAMORO


Em tempos primitivos a união matrimonial geralmente resultava de dois fatores principais, que seriam a atração sexual e a divisão de trabalho. Evidente que a preocupação com o pão de cada dia evoluiu, no seio de certos extratos sociais, para a defesa, conservação e até a possível conquista ou aumento de patrimônio e consequente poder social e político. Ultimamente passou a se distanciar das expectativas de permanência e descendência, apesar da sempre presente possibilidade de dissolução, de fato ou de direito, embora com o risco de discórdias e enrascadas nem sempre incruentas.
O casamento, herdado dos romanos, segundo a célebre definição do Digesto, a união do homem e da mulher, por toda a vida, conforme o direito divino e humano, que figurou na lei brasileira até recentemente, do dia para a noite transformou-se e impôs verdadeira revolução no conceito de família, que se multiplicou e se complicou com a constitucional aceitação da chamada união estável e outros tipos de bodas, dando, como resultado, que não há mais direito de família, mas direito de famílias, tal a multiplicidade de formas abarcadas pela lei para o que já foi a célula-mater da sociedade.
O resultado dessa transformação, que de fato acolheu situações pré-existentes, secularmente relegadas à marginalização e mantidas nas sombras da hipocrisia, não modifica a semântica de certas palavras votadas aos escaninhos quase proibidos da linguagem como barregã, amásia, caso, concubina e manceba,mas valoriza a condição social de certas pessoas, que já vinha ocorrendo, faz tempo, por força da televisão ao chamar de casamento a união, nem sempre legal, de artistas do vídeo.
O namoro é que sofreu a mais profunda modificação de sentido e assumiu jamais imaginada importância jurídica e patrimonial. Antes, nos relacionamentos amorosos, tirante o casamento, apenas o noivado continha a ameaça de repercussão capaz de bulir no bolso. Rompido sem causa podia resultar em indenizações, inclusive a de lesão moral. E ainda pode. O noivado, entretanto, perdeu importância e significado diante da rápida ascensão do namoro, que adquiriu diversos sentidos, entre os quais o de noivado, coabitação, “ficância” (com exclusividade ou sem ela) e casamento.
Em outros tempo o namoro, tórrido drama com pinceladas de comédia, começava com olhares e gestos. Evoluía para rápidos, esquivos, inocentes e emocionantes encontros em festas, igrejas, esquinas, segredos temperados de ciúmes e dúvidas atrozes, que assoberbavam os amargurados dias do sujeito,forçado a recorrer a bilhetinhos e “comadres” para aliviar paixões sempre avassaladoras. A emoção era intensa quando o pretendente, admitido ao portão da casa da amada, via-se obrigado a redobrados cuidados com a indumentária, o lustro dos sapatos e a brilhantina do cabelo. Convidado, lá um dia, ao sofá da sala de visitas, sofria vertigens. A nova situação exigia cuidados, delicadezas e rapapés. O futuro sogro nunca aparecia. Somente a futura sogra, com sorrisos, fatia de bolo e copo de refrigerante. Conversa amena, cerimoniosa, desejos contidos. A pesada solenidade do momento somente era quebrada quando a futura sogra, para mostrar as prendas da filha, mandava-a ao piano para tocar sabe-se lá o que, tormento suportado por quem andava doido por outro tipo de música. Muitos casamentos nasceram desta forma com algumas variações sobre o tema.
Assim era, geralmente, o namoro, que rapidamente, assumiu proporções capazes de desabar sobre o patrimônio de vivos e mortos, porque se confunde com a união estável, que se formaliza ainda que os envolvidos não vivam sob a mesmo teto. Namorar deixou de ser salada de maneirismos e salamaleques, sustos e emoções. Pode criar responsabilidades e ônus financeiros de que apenas previdente e bom contrato pode livrar.

FEIRA PODERÁ IR PELOS ÁRES

Não estamos a imaginar um onze de setembro nesta cidade onde pouco há para atrair a atenção de terroristas alucinados pela religião, nem estamos a prever grande desastre causado pela dinamite, notável invenção de Alfred Nobel, o mesmo que dá nome as famosas e ricas premiações aos que se destacam em diversos ramos da atividade humana, inclusive o da luta pela paz, vastamente usada na Bahia, por ladrões, para arrebentar cofres bancários e caixas eletrônicos com grande eficiência e respeito às tradições. Novidades, apenas as caixas. Tampouco há o temor de que algumas das novas lideranças políticas, pela desenvoltura com que se movem e falam, estariam a prenunciar hecatombes municipais.
Longe de tudo isto, graças ao bom Deus, não cuidamos de desgraças, desastres e calamidades públicas, mas, simplesmente, de voar, ganhar os ares, dominá-los pelo bem do povo e maior glória da pátria, o que nada mais será do que seguir inclinação, tendência natural do povo brasileiro, a partir do padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão, que andou a fazer experiências com objetos voadores, balões (todos pegaram fogo), pelo que recebeu o apelido de “padre voador”. O mais famoso balão do padre, “A Passarola”, tornou-se conhecido de todo o mundo.
O inventor, hoje, seria preso, processado em virtude de lei que proíbe os balões, e transformado em notícia do Sr. Aldo de Matos. Nasceu em Santos, em 1685. Duramente perseguido, apontado como sócio de indústria de Satanás, embora tenha exibido seus inventos aos reis de Portugal, foi denunciado ao Tribunal do Santo Ofício, acusado de conluio com o demônio e adesão ao Maometismo, crença, segundo alguns, de que não esteve muito distante. Fugiu para a Espanha. Morreu em Toledo, pobre e abandonado. Mereceu, entretanto, soneto de Olavo Bilac: “Em Toledo. Lá fora a vida tumultua/ E canta. A multidão em festa se atropela.../ E o pobre, que o suor da agonia enregela,/ Cuida o seu nome ouvir na aclamação da rua.”
Foi o primeiro brasileiro, talvez o primeiro indivíduo, em todo o mundo, a tentar conquistar os ares, no que foi seguido por outro brasileiro, Santos Dumont, que divide a fama com os irmãos Wright, enquanto o padre Bartolomeu de Gusmão tem suas tentativas ofuscadas pelos experimentos dos irmãos Montgolfier.
Pouco importa quem inventou as geringonças voadoras. Esta cidade sempre manifestou vontade de ir pelos ares. Deve-se a Assis Chateaubriand, diretor dos “Diários Associados”, a criação do Aero Clube de Feira de Santana, ao qual doou três aviões. O primeiro presidente do Aero Clube foi o Dr. Áureo Filho, fundador do Colégio Santanópolis, pelo que a simpática entidade ganhou, do povo, a denominação de “Áureo Clube”.
O Aero Clube teve existência frutuosa e cheia de interessantes episódios que passaram, ampliados e melhorados, para o anedotário popular. Tinha, como instrutor, um oficial de Aeronáutica, e chegou a brevetar pelo menos uma turma de orgulhosos pilotos civis entre os quais Antonio Alves Barreto, Carlos Marques, Antonio Santos (Antonio de Bartolomeu), José Torres Ferreira (Zé Petitinga) e Joaquim Oliveira (Juca de Aurinho).
Essa tendência de Feira de Santana, a de ir pelos ares, transformou-se, ultimamente, em urgente, imperiosa necessidade, para o que providências estão sendo adotadas no campo de aviação local, que segundo a imprensa, está sofrendo obras com a restauração da pista e de outros equipamentos que lhe vão permitir o pouso e a decolagem de aeronaves. O que ninguém sabe é se as obras estão obedecendo às normas técnicas em vigor, principalmente as da pista, que poderá se transformar em novíssimo matadouro municipal.
As obras são inadiáveis. Em breve, todos sabem, Feira e toda a região sertaneja estarão isolados com a paulatina obstrução e destruição da BR-324, acelerada com a privatização. A única saída para a cidade será a de ir pelos ares. Se vai merecer soneto é o que ninguém sabe.

REPUBLICAÇÃO A PROPÓSITO DA ÉPOCA:

SÃO JOÃO, HÁBITOS E COSTUMES

Os costumes mudam, transformam-se, como hábitos e usos, no decorrer do tempo e ao influxo dos acontecimentos que atingem a sociedade. Embora se diga que hábito prende-se à atividade individual de cada um, sem juízo de valor, como o hábito, que abrange uma comunidade, o costume, ao contrário de hábito o uso, tem que ter um certo conteúdo moral, decorrente da religião, da política ou da tradição.
Há, no costume, processo de imitação coletiva, forma específica de ordem existencial de grupo, sob a influência, principalmente, de dois fatores essenciais: as formas estabelecidas e a opinião pública, que ora se manifesta como forças conservadoras, ora como inovações ou tentativas inovadoras ditadas pelas transformações sociais.
As festas de junho, nordestinas, que abarcam todo o interior da Bahia, podem ser apontadas como costumes, que já gozam de enorme prestígio entre o nosso povo, destacando-se os tributados a São João, que assumiram cunho nitidamente popular com suas fogueiras e foguetórios, mas sem perder a influência religiosa.
As fogueiras, os fogos de artifício, as quadrilhas caracterizaram a festa durante séculos, tiveram tal importância que criariam, em certa época, ciclos de músicas juninas, como acontecia no carnaval, cantando as lendas que o povo desenvolveu em torno do santo casamenteiro, Santo Antônio, de São Pedro, que tem a guarda das chaves do céu e de São João, que dorme, durante a noite de sua festa, por determinação de Nossa Senhora, porque, se acordado ficasse, diante da beleza das comemorações, poderia fraquejar, perder o juízo e entrar na folia. Hoje, provavelmente, cairia no forró.
O São João já foi festa doméstica. Cada família tinha fogueira, mesa de canjica, milho assado, amendoim e bolos de puba, de aipim e de milho. Licores de todo gênero, mas, principalmente, de jenipapo, fogos conforme as posses e os entusiasmos de cada um. Pessoas se reuniam para comer, beber, pular fogueira e namorar. Não foram poucos os casamentos que surgiram de festas de São João.
As fogueiras, nesta cidade, tomavam as ruas, cheias de denso fumaceiro da queima de madeira e dos fogos. De tal sorte se desenvolveram que a Prefeitura certa ocasião determinou que se protegesse o calçamento usando camada de areia no local das fogueiras, determinação a que ninguém obedeceu.
O automóvel expulsou as fogueiras para sítios, fazendas e chácaras. As chácaras já foram moda e já deram status nesta cidade. Praticamente desapareceram depois de provocar a quebra de muita gente. Sumiram, também, as manifestações domésticas. Ninguém vai abrir as portas da casa, para festas, sem a certeza de sofrer dissabores, assaltos e, provavelmente, morte violenta.
Os céus, cheios de balões, inspiradores de inúmeros poetas e sonhadores, como os fogos de artifício, foram incluídos no rol das coisas perigosas e eliminados. Os foguetórios ainda existem, mas somente no futebol e na política.
O São João conserva modelo antigo, em parte, em fazendas e sítios afastados. Não apenas mudou. Foi extinto no meio urbano, resistindo, apenas, como festas oficiais, forrobolizadas, em raros locais, sob o influxo dos novos tempos e das bandas, em que o uso do licor, como das demais bebidas alcoólicas, quase assume as virtudes da santidade.

 

GUARDAS, NOVIDADES E BATALHAS

Quem depara, nos jornais, ultimamente, fotos da Guarda Municipal, pode imaginar que está vendo tropas destinadas à guerra no Afeganistão.
Constata-se, pelas fotos, a enorme evolução que vem ocorrendo na Guarda e a importância que a corporação passa a assumir entre os instrumentos legais na batalha que a sociedade trava contra criminalidade cada vez mais tonante e trovejante às barbas do que chamamos de lei, mas seguindo fortes exemplos, que vêm de cima, em que a política, cansada de acariciar criminosos brasileiros, abre as portas do país para aconchego e homizio de bandidos internacionais.
Ganhamos, é inquestionável, com a modernização da Guarda, que enfrenta graves limitações de ordem constitucional e legal, como útil e necessário auxiliar na defesa do patrimônio, instituições e serviços do Município, que não podem ficar à mercê dos predadores que infestam todos os setores da vida feirense, com especial destaque para as escolas, alvos de desordeiros e traficantes ultimamente crescidos em número e audácia, apavorando estudantes e professores.
Com a Guarda, necessário esclarecer, o Município exerce o seu poder de polícia, que não pode ir além da “faculdade, que possui o Município, para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais visando quer à satisfação da coletividade, quer a do próprio Município”. É poder de polícia administrativo, conforme definição do Código Tributário Nacional, e não pode ser confundido com o poder judiciário de polícia, destinado a enfrentar a criminalidade, prerrogativa e função do Estado, a que o poder público municipal pode dar ajuda e suporte, ampliando o contingente anticrime para zelar pelo respeito à lei.
Infelizmente, como acentua o prof. Antonio Henrique Suxberg, baseado em Joaquim Herrera Flores, há um abismo entre as prescrições normativas postas em garantia aos direitos humanos e a realidade que insiste em negá-los, fato que sempre ocorreu, mas se vem acentuando, ultimamente, a ponto de fazer do cidadão verdadeiro refém dos delinqüentes.
A Guarda Municipal começou como Guarda Noturna do Comércio, entidade mantida pelo Município e grupo de negociantes quando houve, nesta cidade, alguns arrombamentos de estabelecimentos comerciais.
Recentemente a Guarda cresceu de importância. Dispõe até de automóveis, três, para serviços que abarcam todo o território do Município, enquanto a Câmara, que trabalha dentro de prédio relativamente pequeno e anexo pegado, desfruta de cinco, injustiça que deve ser reparada sem tardança.
O noticiário da Guarda, dando conta de suas reivindicações e lutas, entretanto, desapareceu, cedendo lugar às novidades do circo político, sempre ativo em suas promoções e grandes novidades. Esquecido ficou, também, o velho Campo de Aviação, apelidado de aeroporto, que despertou curiosidade, discussões e expectativas entre o povo. A atração principal, agora, é a da Região Administrativa, projeto de respeitável ancianidade, criação de Colbert Martins Filho. O projeto reaparece, capado, como gigantesca obra do governo, mas cuja autoria é ferozmente disputada por vários deputados estaduais, que dele falam com ufanismo semelhante ao de Colombo ao dar a notícia da descoberta da América aos reis católicos de Espanha. O fabuloso projeto ainda não chegou à Assembléia Legislativa. Por ora está, apenas, no Centro Cultural Amélio Amorim, para ser preliminarmente discutido e servir de bandeira na batalha eleitoral, já deflagrada nesta cidade, embora o Centro seja o lugar ideal para enterrar idéias e intenções. O povo sabe: o que não se fez até hoje não será feito por força de região administrativa.

ELEIÇÕES E MANDATOS

O atual sistema eleitoral brasileiro, que estabeleceu a realização de eleições de dois em dois anos, longe de fortalecer a democracia e servir para educar povo e políticos para o pleno exercício do regime, está a mostrar a armadilha que inconscientemente, talvez, o constituinte de 88 tenha preparado para o futuro do país.
Normalmente elegemos representantes não para dar emprego ou boa vida a determinados indivíduos, mas para que cuidem, cada um por seu turno, do cumprimento de tarefas e trabalhos, nem sempre fáceis, de mandatários do povo.
O mandato popular, aquele outorgado através do voto, não se distingue muito do que é regulado na lei civil no que diz respeito às obrigações dos mandatários, em que a representação é parte essencial ao ato. Ao ser eleito o político passa a representar a população que o elegeu. Fala e age em nome do povo cuja vontade busca realizar.
Assim como no mandato civil, a nomeação do mandatário político se faz, teoricamente, por escolha dos melhores, examinados requisitos pessoais em que devem estar incluídos os da competência, honradez, capacidade de trabalho e fidelidade a princípios que representem o pensamento da maioria dos mandantes.
Se na lei civil muitas vezes o mandato é unilateral quando estabelece obrigações apenas para uma das partes, o mandato político sempre é bilateral e oneroso, porque além de outorgar, ao mandatário, poderes para o exercício de encargos e obrigações, o mandante assume o pesado ônus de lhe pagar salários e polpudos achegos, às vezes escandalosamente exagerados como os das verbas de gabinete, cartões corporativos, telefones, correios, ressarcimento de despesas, auxílio moradia, gasolina, automóveis, apartamentos, passagens de avião e, em certos casos, comida, bebida, criadagem e roupa lavada e engomada. Uma festa, abuso que o povo vem tolerando com certa dose de paciência. É como dizia velho filósofo da rua Sales Barbosa: Sai na “orina”.
Ao eleger representante, o povo, que sempre paga as despesas do pleito, apenas faz transferência de poderes e encargos, implícitos pela própria natureza do mandato ou claramente expressos nas famígeras promessas de campanha, as antigamente famosas plataformas de que não mais se fala.
Quando eleitos, entretanto, os político sem grande parte costumam incorrer em excesso, raramente falam a verdade ao prestar contas de seus atos e usam o mandato como se outorgado em causa própria, abandonando suas obrigações para fazer apenas os jogos da política a que se dedicam inteiramente como se lutassem, permanentemente, para sobreviver a naufrágio.
É verdade que na vitoriosa e imperial repúblicabrasileira o Executivo tudo controla, a partir dos cofres públicos, que o transformam em superpoder, amado, querido e desejado a ponto de conduzir à crença de que a simples proximidade é a única via possível de sucesso na vida política.
Decorre, daí, que em semelhante sistema a oposição, necessária ao correto funcionamento da democracia, aos poucos vai desaparecendo, fazendo surgir uma ditadura de partido, em cujo seio, na impossibilidade de aquinhoar a todos, com o passar do tempo aparecem inevitáveis descontentamentos e dissidências, que um dia irão arruinar toda a estrutura de governo geralmente corroída e minada pela roubalheira e pelos desmandos. A derrubada pode ser traumática. Já aconteceu no Brasil.
Eleições de dois em dois anos e a supervalorização do Executivo conduzem os políticos menos cautos a abandonar as obrigações para viver em eterna campanha, muitas vezes sem medir consequência e sem cuidar das responsabilidades do mandato que receberam do povo.
Aí mora o perigo.

UM PROJETO LOUVÁVEL

A política nem sempre é fonte de decepções, frustração e desenganos. Tem os seus momentos de grandeza,superação e esperanças, que podem levar à acaciana certeza de que nem tudo está perdido. A notícia é alentadora. Está no blog do Jair Onofre e vem provocando euforia. Não trata da metafísica recuperação do aeroporto, muito menos do aero-trem, destinado a ingressar no anedotário político como o eterno e caro metrô da capital do Estado, ou de hospitais que funcionam pela metade. Não fala de greve na educação, dos ridículos salários dos professores, da insegurança pública, da carga tributária, que onera, impiedosamente, o bolso do assalariado, da fortuna do Palocci e das privatizações realizadas ou prometidas, veementemente combatidas em passado recente, mas entraram na moda como solução para as terríveis encrencas em que governos resolveram se meter para salvar o povo, como a da desnecessária demolição do Estádio da Fonte Nova e prometido erguimento de moderníssima arena, que pelo andar da carruagem e mistérios envolvidos poderá abrigar alguma Copa do Mundo dos anos três mil.
Não! A notícia do blog cuida de assunto de comovente conteúdo social, capaz de fazer chorar monge de pedra e de provocar ciúmes de vereadores, desses que à falta de coisa melhor andam a transformar sessões em comédias de baixo nível, embora encontrem quem lhes deseje cortar férias e ampliar tempo para sessões verdadeiramente ordinárias.
O blog destaca projeto de lei, apresentado à Assembléia Legislativa por deputado feirense, que torna obrigatória a colocação de placas com informações anagliptográficas, isto é, usando o método do sr. Braille em todos os sítios e equipamentos de uso público, ruas e praças, veículos do transporte coletivo e prédios como nosocômios, postos de saúde e congêneres, para orientar pessoas portadoras de certo tipo de deficiência.
O meritório projeto, entretanto, não determina o tamanho dos tais “warnings”, nem o local em que devem ser afixados em prédios, portas, portões, mesas, estacionamentos, postes, orelhões, ônibus, bancos de jardins e motos do transporte coletivo, o que pode ser facilmente corrigido por meio de emenda, igualmente simplória, em que se faça verdadeira justiça social contemplando outras categorias de deficientes.
Ninguém é perfeito. Nem aos deuses antigos a perfeição era permitida. A humanidade existe, desde a origem, cheia de defeitos e carências geradoras de pecados porque não é possível admitir Inferno vazio, que se tornaria inútil e perderia importância e força de marketing.
Cada vivente, portanto, carrega deficiências em virtude das quais pode sofrer discriminação, duramente combatida e jamais vencida. Nem todos os deficientes visuais conhecem o sistema Braille, como nem todos os brasileiros têm intimidade com as vogais e consoantes, não importa o grau de instrução se de primeiro, segundo ou terceiro grau.
A feia palavra – analfabeto – está desaparecendo dos escritos públicos e da mídia. Os analfabetos, entretanto, apesar de ignorados, existem em quantidade maior do que se possa imaginar, o que nos remete a Juracy Camargo e seu “Deus lhe Pague”, em outros tempos cartilha dos reformadores do mundo, em que um dos figurantes pergunta a outro se sabe ler. Diante da resposta cheia de empáfia: “Sou bacharel em direito”, simplesmente insiste: “Não. Estou perguntando se sabe ler”.
O projeto é louvável, mas incompleto. Beneficia apenas uma reduzida categoria dos deficientes. Há outros, que tendo dois bons olhos, em situação, portanto, superior à de Camões, que era caolho, são incapazes de enxergar. Merecem ser contemplados, também, com algum tipo de plaqueta orientadora.

A REDEMOCRATIZAÇÃO DE 1945

O Estado Novo, resultado do golpe de 10 de novembro de 1937,implicou, neste Município, caótica sucessão de prefeitos entre aquele ano e o de1948. Nada menos de onze prefeitos estiveram no comando do governo municipal no curto período: Theódulo Bastos de Carvalho, Heráclito Carvalho, José Berbert Tavares, Fróes da Mota, por duas vezes Augusto Graça (secretário municipal), Alibert do Amaral Baptista (juiz de direito), Acioly Vieira de Andrade, Carlos Valadares, João Barbosa de Carvalho, Edelvito Campello d’Araújo e Francisco Barbosa Caribé. A rápida sucessão de governantes, alguns completamente estranhosà fauna local, só terminou com a posse de Aguinaldo Soares Boaventura, eleito, cuja investidura ocorreu em maio de 1948.
Nenhum dos prefeitos da ditadura, devido à exiguidade de tempo e à intranquilidade que se estabeleceu na época, em que falar em partido, liberdade, voto e eleição poderia resultar em cadeia, teve condições de realizar alguma coisa. O que aqui se fez (Currais Modelo- atual Museu de Arte Contemporânea - a Fazenda Mocó e a Usina de Algodão) foi por diligência da interventoria estadual. Alguns prefeitos tornaram-se vítimas de críticas mordazes. De Berbert, dizia-se que aqui estava em gozo de férias a promover farras até dentro da Prefeitura. A Francisco Caribé, comerciante de tecidos, dono da loja “A Violeta”, não poupou a musa satírica: “Não passe o sapateiro dos sapatos,/ nem o Chico das sedas a retalho,/ para que não se torne D. Paspalho/ em outra ocupação, outro trabalho”. Nem Carlos Valadares escapou da peçonhenta verve: “Pacato atrás do pataco,/ viveu a vida até que,/ atiraram-no no saco,/ de gatos que é o PSD”. Havia gozação e crítica, forma de protesto, talvez, contra a repressão. Hoje, a liberdade é tão ampla que representante do povo recentemente declarou, em pronunciamento na Câmara, segundo a imprensa, que “vereador não invade espaço público”, isto a respeito de acusações de que o edil teria invadido a UTI do Hospital da Mulher. UTI de hospital público, portanto, seria igual a qualquer pensão do mangue.
Afastada a ditadura, lançou-se mão ao trabalho da restauração democrática. Em Feira os principais partidos eram o PSD a UDN e o PTB,mas sobreviveram métodos e costumes políticos da República Velha, principalmente o do uso da polícia como arma partidária e deilimitadas formas de fraude eleitoral.
Carlos Valadares, cujo centenário de nascimento acaba de ser lembrado lembrado com sessão especial da Câmara Municipal e palestra da escritora Lélia Fernandes, foi uma das principais figuras do PSD. Era comedido, de poucas palavras, voz abafada e aspecto de alheamento, que lhe valeu a fama de surdo. Advogado meticuloso, respeitado, culto, sempre muito bem ancorado em doutrina, linguagem escorreita e jurisprudência atualizada, o que não era fácil em época de precários meios de comunicação, manteve-se incólume, sobrevivendo à tormenta das lutas partidárias sem se envolver nos lodaçais a que a política ás vezes conduz.
Elaborava a lápis suas petições e arrazoados em longas laudas, que funcionário da Câmara datilografava com destaques em vermelho, na época distinta novidade. O funcionário, delegado de polícia e fiscal do PSD,no Forum, que funcionava no andar superior da Prefeitura, em certa apuração eleitoral sacou revólver para atirar em membro da Esquerda Democrática da UDN, o que provocou correria e troca, na mesa apuradora, de alguns maços de cédulas. Difícil foi encontrar o juiz. Estava debaixo da mesa de onde saiu, zangado, determinando rigorosa revista em todos os que desejassem participar da apuração, para o que requisitou tropas do II-18-RI. Deu azar. O primeiro a aparecer foi o chefe do PSD, que recentemente havia assumido cadeira, na Câmara Federal, na condição de suplente. O juiz teve que engolir desaforos, no Tabelionato do 1º. Ofício, em frente à Igreja do Senhor dos Passos, para aonde, intimado, teve que apressadamente se deslocar.

CAMELÔS E OUTRAS LAMBANÇAS

A notícia da saída dos camelôs do passeio da Igreja do Senhor dos Passos, que empolgou os meios de comunicação da cidade, só perdeu força com a chegada de acontecimento mais sensacional, o da conquista do campeonato bahiano de futebol pela Associação Desportiva Bahia, que ressuscitou com força e desbancou um dos falsos grandes da Capital sob aplausos gerais da imprensa e da comunidade. Aplausos merecidos. Outros, que estão “crescendo como rabo de cavalo”, como dizia, antigamente, conhecida professora a estudantes cujo rendimento escolar desabava para a molecagem, demonstram extrema incapacidade de reação, parecendo destinados, em futuro próximo, à extinção, dizem, por conta do império da politicagem, a exemplo de certas organizações sociais, que de fábricas de vereadores passaram, rapidamente, à condição de massa falida.
Os camelôs da Igreja finalmente saíram do passeio para destinos que livremente escolheram mas que já despertam insatisfações. Toda mudança de hábitos implica em adaptações nem sempre cômodas e aceitáveis. Quando atingem o estômago podem resultar em instabilidade, psicoses e revolta. Não foi a primeira vez e não será, certamente, a última em que os chamados, eufemisticamente, de ambulantes, deixaram o passeio da Igreja.
Uma rápida olhada sobre Feira de Santana mostra cidade ocupada e dominada pelos camelôs. São ruas e praças, becos e vielas tomadas por comerciantes informais, que aos poucos invadem os espaços vendendo toda sorte de mercadorias, atravancando tudo e criando extremas dificuldades ao trânsito de veículos e de pessoas. Tal espécie de comércio, que muitos confundem com subemprego, válvula de escape da miséria, deve resultar em lucro, porque cresce, constantemente, apesar do combate que lhe é movido por sucessivos governos municipais e permanece, impávido, a desafiar a administração pública, embora dela receba, de vez em quando, substancial ajuda como aconteceu com o calçadão da antiga Rua do Meio e parte da Praça Dr. Remédios Monteiro e a criação do atualmente superlotado, famoso e procurado Feiraguai, a única atração turística da cidade, a receber, diariamente, pessoas de toda parte do país e a mostrar, aos dirigentes, o único caminho possível para o desenvolvimento do turismo, nesta cidade, que não será o sexual, nem o das drogas, como ocorre em outras partes, mas o dos negócios ao qual, é impossível evitar, serão necessárias pitadas de tempero dos demais.
Acontece que as comunidades são como os indivíduos. Têm vocação, rumo e tendências geralmente imutáveis, mas cujo desenvolvimento pode fomentar o fortalecimento de todas as formas de manifestação do gênio humano, inclusive das artes, principalmente agora em que tudo é havido por arte. Até certo tipo de música bahiana. Feira tem o nome de comércio, nasceu do comércio e vive dele. Perseguí-lo é praticar suicídio.
Vereador sugeriu, na Câmara, a criação do shopping do camelô. A Prefeitura desapropriaria o Feira Tênis Clube, onde construiria prédio de quatro ou cinco andares para abrigar os camelôs. Não cuidou, entretanto, de determinar área de estacionamento, o maior problema do Feiraguai, e não pensou nas características da cidade. Se a Prefeitura pudesse alojar cinco mil ambulantes em prédio confortável e seguro, em menos de um mês haveria pelo menos dez mil camelôs, com suas barracas e petrechos, a ocupar as vias públicas, inclusive o passeio da Igreja do Senhor dos Passos.
O comércio informal das ruas de Feira, que anda a causar embaraços e criar problemas mas convive, estranha e fraternalmente, com o comércio legalmente estabelecido, tem raízes mais profundas do que se possa imaginar.

OS HERÓIS MODERNOS

Heróis ou demônios, na antiguidade, eram seres, também chamados de anjos, que ocupavam o lugar intermediário entre deuses e homens, entre Céu e Terra. Autores antigos chamavam de heróis os anjos da guarda, pessoas que depois de mortas transformavam-se em gênios ou demônios sob a jurisdição da deusa Juno ou Hira, nome que está, conforme alguns, na origem da palavra anjo. Com o advento da era cristã, heróis passaram a ser os guerreiros, principalmente os príncipes vencedores, e varões de grandes virtudes.
Platão afirmou que os heróis resultavam do amor entre deuses ou deusas com humanos, pelo que os heróis não participariam nem da divindade, nem da humanidade, formando a classe especial dos semideuses. Santo Isidoro proclamava que heróis não passavam de homens de grande merecimento, sublimados no ar, que às vezes frequentavam o Céu.
A palavra herói assumiu, entretanto, nas transformações do mundo, outros significados. Heróisforam os grandes nomes da eloquência, pessoas que moviam povos com o poder da palavra. Ultimamente herói vem servindo para designar quem se destaca no futebol. Jornal de Salvador deu o título de herói a jogador, que no último domingo fez gol, em impedimento, contra o Bahia de Feira.
A antiga Associação Desportiva Bahia, agora ostentando o nome de Bahia de Feira, revive, no fim do atual campeonato baiano, seus grandes e gloriosos feitos, apesar da nova denominação que lhe pespegaram, tão inadequada quanto a do Fluminense de Feira, que, entretanto, pode ser defendida porque o Fluminense F.C., do Rio de Janeiro, era, na época da criação do grêmio feirense, modelo de clube, no Brasil, por sua organização, disciplina e trajetória salpicada de conquistas.
O apêndice, o acréscimo, que resolveram dar ao Bahia feirense, que pelo visto pretende voar alto, ir longe, impõe-lhe fronteiras e limites insuperáveis quanto à conquista de torcedores, adeptos e patrocínios fora deste Município. Condena-o a permanecer, perpetuamente, apenas de Feira, deixando de lado o que poderia crescer, no futuro,na conquista de fama e torcida capazes de empolgar o Estado da Bahia a até de lhe ultrapassar as fronteiras. Com o nome atual nunca deixará de ser time limitado pelo Sobradinho e o Tomba, embora, no próximo domingo, seus dirigentes e jogadores possam transformar-se em heróis de fama transitória.
Da safra atual de heróis existe um, quase anônimo, Alfred Becker, que merece as atenções da pátria, o jurista gaúcho que há tempos vem preparando o maior livro do mundo, que levará o título de “Carnaval Tributário”, com o qual deverá ingressar, vitoriosamente, no “Guinness Book”, porque o seu livro será gigantesco, reunindo o que especialistas chamam de monstruosidade, a legislação tributária da União Federal, vinte e seis estados, um distrito federal e mil, quinhentos e setenta e um municípios. O livro deverá pesar cerca de seis toneladas, terá quase cinco mil páginas, cada uma medindo mais de dois metros de altura por metro e meio de largura. Consta que o autor teve que importar máquinas da China, porque não encontrou, no Brasil, gráficas capazes de imprimir a obra, que esbarra em sério óbice para a sua conclusão: a produção diária, nos três níveis de poder, de normas constitucionais, leis, regulamentos, avisos, decretos, portarias e instruções normativas no setor de tributação que deixa a obra sempre incompleta, além de exaurir e exasperar o contribuinte, que no Brasil gasta mais de três mil horas por ano para cuidar de tributos, inviabilizando empresas e negócios e a muitos empurra para a saída, pouco recomendável, da sonegação e de outras formas de ilicitude, a solução do salve-se quem puder.
Verdadeiros heróis modernos, neste país, portanto, são os empresários, que ainda sobrevivem criando, mantendo empregos e pagando tributos, e os contabilistas todo dia a labutar com o cipoal e a movediça areia da legislação tributária brasileira.

OS FOLIÕES

O padre Antonio Vieira, no sermão do Ss. Sacramento, disse que “nos dias de Carnaval deixam os homens a Deus pelo riso”. O Carnaval, antes de se transformar no que é, hoje, nesta cidade, cortejo de shows ambulantes e ruidosos, cada vez mais caros e cheios de boçalidades havidas por artísticas, já foi a festa do riso, da descontração, em que o povo esquecia as agruras da vida para festejar o Rei Momo e rir dos poderosos, do governo, zombar da ordem e dos políticos. O folião, certa vez definido como “aquele que dança ao som de tambor, pandeiro, etc., fazendo folias que movem a gente a risos”,deu lugar ao surgimento do verbo foliar, que caiu em desuso, e tem o significado de fazer folias.
Feiraconheceu notáveis foliões, alguns aguardados pelo povo, nas ruas ou nos salões, com a mesma ansiedade com que são esperadas, hoje, as estrelas que costumam arrastar multidões do alto olímpico dos trios-elétricos.
E não era somente no Entrudo, no Carnaval ou na Micareta. Os foliões estiveram presentes em todas as festas populares de outros tempos, como as lavagens, levagens dalenha e bandos das festas da Padroeira, extintos por fraqueza do governo municipal e intransigência religiosa.
Não teriam, hoje, os foliões, com a dinâmica elétrica imposta às festas carnavalescas, condições de sobrevivência. Mas que fizeram a alegria do povo e provocaram risos e euforia, durante muitos anos, lá isto é verdade, quando as coisas eram mais amenas e havia brincadeiras sem o temor de violências e dapresença policial cada vez mais forte e mais assustadora.
Jeremias Barbeiro foi um verdadeiro folião. Portador de peluda e robusta compleição,vestia-se de mulher, nos mínimos detalhes, que fazia questão de mostrar a todo mundo, provocando escândalo e galhofada. Quando apareceua marcha carnavalesca da “Mula Manca”, arranjou mula, com defeito em uma das patas, carregada com dois feixes de lenha, que oferecia a todos, o que lhe valeu pesada surra ao perguntar a senhoras sentadas na frente de residência, na Rua Direita: “qué lenha hoje iaiá?” Recebeu, como resposta, vasto festival de murros e pontapés.
Os foliões nem sempre eram tipos que apareciam nas ruas, como Euclides Mascarenhas, sempre com novidades,Zecão, que carregava, debaixo da saia, nas lavagens, facão de 30 polegadas, o Tenente Corró, com pistola 45 na cueca e Armando Madureira, escrivão de polícia, charuto no canto da boca, roupa do tipo “o defunto era menor”,comandando bloco de sujo com violõese bater de panelas e latas de toda natureza, a visitar casas de amigos com muita alegria e canadas do que antigamente era chamada de “santamarense”. Havia os dos salões, participantes dos bailes. O principal era o da “25 de Março”, mas brilhavam, também, outros concorridos bailes como o das “Melindrosas”, na Rua do ABC.
Certa ocasião, plena Micareta, a “Sociedade Vitória”, em gesto de boa vizinhança e cordialidade, convidou sua maior rival, a “25 de Março”, a participar de baile carnavalesco. A “25” preparou comitiva comandada por Oscar Erudilho (orador), da qualfaziam parte Florisvaldo Albuquerque (Flori do Banco da Bahia), Alberto Paim (Betinho de “A Notável”), João Domingues Gonçalves (Doute), e vários outros para a visita destinada a selar a paz entre as duas entidades. Instalados, com todas as honras, comidas e bebidas à vontade, rolava o baile quando Oscar Erudilho,o grande animador das festas da “25”, entrou na dança gritando: animação! animação! Eufórico, no meio da sala, tomou tamanha prise de “Rhodouro Metálico”, querodopiou, descontrolado, derrubando quem estava na frente e foi parar, estatelado, no colo da Rainha da Micareta, que presidia a festa exibindo faixa, coroa e cetro, provocando correria e estupefação. Serenados os ânimos, Maneca Ferreira, diretor da “Vitória”, sem esconder a cólera,intimou os representantes da “25” a se retirar porque estavam tentando bagunçar o baile
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A VOLTA DO QUE SE FOI

Manhã da Sexta-Feira da Paixão. Tempo nublado, choroso. Se fossemos ingressar em algum tipo de chatice poética poderíamos dizer que a natureza carpia, etc. Preferimos lembrar o que é verdadeiro. A espera dos carurus e vatapás é reconfortante,perturbada, apenas, pela saudade do acaçá, geleia de milho branco, água e sal, marmorizada, vendida de porta em porta em palha de banana, que fazia inesquecível e estimulante contraste entre os paladares que herdamosda cozinha africana.O acaçá desapareceu, tragado pela sociedade industrial que estamos criando e um dia nos poderá mandar, a tudo e a todos, para acomodações que ninguém sabe se o Diabo terá tempo de preparar e de que Fukoshima, no Japão, é pequena mostra.
O acaçá saiu da lembrança e da mesa do povo como muitas outras coisas que não voltam mais. Ouvimos, de conhecido noticiarista de rádio, lamentações em torno da Procissão dos Fogaréus. Reclamava, ele, do encolhimento da Procissão e enaltecia o tempo em que o seu percurso era mais longo, saindo da Igreja do Cruzeiro paravencer ladeiras e buracos da Rua Juvêncio Erudilho até alcançar, a duras penas, a Barroquinha e, depois, a Praça da Catedral. Não era Procissão. Era maratona para a qual poucos estariam fisicamente preparados, mas significou, para quem não conhecia os hábitos locais, tentativa de sobrevivência de acontecimento histórico/religioso que em outras paragens assume, a cada ano, novo destaque e importância maior no terreno do turismo.
A primitiva Procissão dos Fogaréus, nesta cidade, saia da Praça da Matriz, passava pela Travessa de Sant’Ana, ingressava na Rua Marechal Deodoro, por onde penetrava na Praça João Pedreira e Avenida do Senhor dos Passos, em cuja Igreja fazia a primeira parada. Retomava a marcha pela Avenida, entrava no Beco do França e parava na Igreja de N.S. dos Remédios, onde, mais uma vez, todos ajoelhados entoavam o “Senhor Deus, pequei Senhor”, pedindo a misericórdia divina “pelas dores de nossa Mãe, Maria Santíssima”. Dalía Procissão chegava à Rua Conselheiro Franco, parando e repetindo a cerimônia na Capela de São Vicente, construída pelo Pe. Ovídio de São Boaventura em terreno pegado ao prédio do Asilo de N.S. de Lourdes, hoje centro empresarial Mandacarú, prosseguindo até a Matriz onde se dissolvia. A procissão revestia-se de grande solenidade.Era quase obrigatória para os homens. Às mulheres proibia-se a presença. Afinal de contasrepresentava a prisão de Jesus Cristo, da qual mulheres não participaram. Na Procissão limitavam-se a espiar das esquinas, janelas e passeios, correndo, desesperadamente, de um ponto de observação a outro, aquela multidão de marmanjos, na semiobscuridade das ruas de então, carregando tochas, a entoar o “ora pro nobis” em marcha apressada. Há notícias de que em tempos remotos as mulheres eram afastadas da Procissão pelos cordões das batinas de frades vermelhões da raça e do vinho.
São coisasapenas para recordar, sem possibilidade de retorno. A história se repete, dizia Marx, somente como tragédia ou farsa. Ao cumprir o cerimonial matutino de ler jornaisdeparamos mistura de tragédia e farsa nas notícias de que bandos armados percorrem a Bahia atacando cidades, fazendo reféns e assaltando bancos,impunemente, o que nos faz lembrar tempos de Lampião e outros cangaceiros, que aterrorizavam os sertões nordestinos matando e roubando. A sensação é a de que vivemos dias de tragédia e farsa. Tragédia para o povo e farsa do governo, reforçada quandoo noticiário denuncia a falência do sistema viário, as carências nas áreas e educação, saúde e segurança pública, a ameaça da inflação, o aumento da carga tributária e a ausência de obras e serviços essenciais para garantir, pelo menos, o nível de progresso que o povo conquistou.

O CANDIDATO AVULSO

Durante a discussão da propalada reforma eleitoral, que o Congresso está preparando com temperos diversos, surgiu, no Senado, por iniciativa do senador Itamar Franco, a genial ideia do candidato sem partido, avulso, que faz lembrar os blocos do eu sozinho de antigos carnavais. A iniciativa de logo contou com o apoio de outro senador, aquele que pelo aspecto geral e empáfia particular faz lembrar a figura do “deputado baiano”, o gaúcho Paulo Paim, que sem perda de tempo pediu à Mesa desarquivamento dePEC de sua autoria já sepultada no instituto nacional do esquecimento. A PEC pretendia alterar a Constituição para permitir candidaturas a cargos eletivos sem o vínculo partidário, afirmando Paim que em grande parte do mundo tal prática é adotada com êxito e grandeza maior do sistema democrático.
Ninguém sabe se a medida, destinada a acabar de vez com o periclitante sistema partidário brasileiro, vai ser aprovada. A iniciativa, entretanto, não é nova. Os constituintes da malograda Carta de 1934, nascida em julho daquele ano e engolida em 10 de novembro de 1937 pela outorga da “Polaca”, criaram os deputados das profissões, que deveriam ser eleitos, segundo o art. 23, na proporção de um quinto da representação popular e sufrágio indireto das associações profissionais, as quais, com os grupos afins respectivos, eram divididas em quatro categorias: as da lavoura e pecuária; indústria; comércio e transportes, e profissões liberais e funcionalismo público.
O tal deputado das profissões assumiu, entre o povo, o nome de deputado classista e serviu para muitas brincadeiras e gozações.Nesta cidade apareceu pelo menos um pré-candidato a deputado classista. Eleições, entretanto, é que não houve durante os quinze anos da ditadura Vargas. Quando houve, como a municipal, de 1936, perderam os efeitos com o golpe de 1937.
A introdução do candidato avulso no sistema eleitoral, não havendo notícia sobre se abrangerá todos os cargos eletivos ou somente os destinados às duras tarefas legislativas, à primeira vista pretende precipitar a decomposição final da organização partidária brasileira, que hoje facilita claras e perigosas tendências para o partido único, principalmente entre os políticos das novas gerações e os que não querem perder o bonde do poder, todos desejando, às pressas, ou entrar para o partido do governo, que ciumentamente não dá espaços, ou fazendo manobras de aproximação através de partidos satélites, buscando ingresso pela porta dos fundos. Poucos, na verdade, são os que se conformam em ficar longe dos empregos, vantagens, facilidades ecofres públicos federais, o que nos conduz a anormal fortalecimento do governo, ao que tudo indica longamente planejado e amadurecido, mas nos está arrastando a uma ditadura disfarçada de legalidade.
A corrente única, a do governo, que vem sendo paulatinamente montada, já é fato inquestionável.Seus idealizadores julgam poder superar os insucessos de tal sistema em outras ocasiões e em outras plagas. O excesso de poder, entretanto, conduz, inexoravelmente, ao que a propaganda nem sempre pode esconder de forma permanente: aos abusos ditatoriais, à roubalheira desenfreada, à demagogia, aos planejamentos mirabolantes, fora da realidade, e às soluções de força. A história não mente.
Há quem diga, entretanto, que as candidaturas avulsas somente serão aceitas, pelo povo, se for aprovado, ao mesmo tempo, o financiamento público de campanha, a bolsa política, que deverá atrair, para o registro de candidaturas, mais de metade dos brasileirose o governo chegará perto de cem por cento de aprovação popular.

A ARMA DE FOGO E A DEFESA

A tragédia da escola do Realengo, no Rio de Janeiro, que assustou toda a sociedade brasileira mostrando que o país cada vez mais engolfa-se em violência que nada respeita, dando panos para as mangas ao noticiário policial, provocou, devido ao ambiente de comoção que tomou o povo brasileiro, o surgimento de salvadores da pátria para sugerir medidas profiláticas e tentar tirar proveito doestado emocional que atinge todo o povo brasileiro.
Não surpreendeu, portanto, notícia da cruzada cívicade José Sarney contra as armas de fogo, com a possibilidade de nova consulta popular sobre a proibição da venda de tais armas, entrando no coro das vozes que neste país, de perpétua seriedade, clamam pelo desarmamento, alimentando, nesse respeitável sentido, campanhas e movimentos, alguns de caráter permanente, com a mesma e humanitáriaintenção, a de acabar com a violência.
Desses aplaudidos movimentos resultam dois tipos fundamentais de campanhas contraas armas de fogo: as eventuais, como a do senador Sarney, que se aproveitam de situações de crise para auferir proveito político, e as permanentes, as que usam símbolos religiosos e palavras de apelo popular para conquistar e manter empregos sem tarefas ou fazer a defesa do bolso.
Está tudo certo. Ninguém é contra, mas tais movimentos incutem, no povo, falsas noções a respeito da violênciareinante no Brasil. A arma de fogo não é causa da violência. A arma é objeto inanimado. O perigo está no ser humano que usa armas para matar. O homem é a verdadeira arma. Mas ninguém agena adoção de medidas para submeter a tratamento os indivíduosportadores de risco.
O grande entrave reside no fato de que asociedade,para isolartodas as pessoas potencialmente perigosas, teria que recolher a hospícios cerca de dois terços dos habitantes o que é impossível porque há doidos de toda espécie, inclusive a dos mansos, aptos, entretanto,sem motivo aparente,a promover chacina a qualquer momento.
Ultimamente surgiram estudos pondo à mostra parte da extensão da violênciaque reside no íntimo do ser humano. O fenômeno do bullying, agravadopela forma cibernética,provocando humilhações, danos físicos, morais a até mortes,nos faz lembrar os perigosos trotes universitários, provas de que a violência desde cedose manifesta. Para combatê-la seria necessário reformular a família, a escola, habilitando pais e professores para a tarefa de detectar possíveiselementos capazes de ações anti-sociais, embora certos portadores de desvio mental aprendam a disfarçar tendências criminosas com tal habilidade que tais tendências podem ou não se manifestar,no decorrer do tempo, e o louco muitas vezes atravessa toda a vida com aura de respeitabilidade, carregando manias e esquisitices por todos plenamente toleradas.
Hoje há enormes entraves para alegal aquisição e porte de arma de fogo. Para a aquisição ilegalexistem, entretanto, todas as facilidades. Os bandidos estão armados até os dentes. Asapreensões policiais não mentem. Mas,é preciso lembrar, antes da arma de fogo já havia guerras e homicídios em profusão. No Brasil, ultimamente, cresce o número de mortes por arma branca. Até o velho machado, poderosa arma de combate em passado distante, voltou a figurar no noticiário policial.
O país deveria combater as organizações criminosas e o contrabando de armas. Já seriam providências eficientes contra a violência. Campanha de desarmamento é picaretagem.

BOMBAS E TRAQUES

O ar quase imperceptivelmente tornava-se pesado, quase irrespirável. Tudo prenunciava tempestade violenta com raios, trovões, desabamentos e mortais enxurradas. A luta política precipitava-se, anormalmente, fora de hora, com o aparecimento de ataques, em que a difamação, a calúnia e outros crimes contra a honra passaram a ocupar lugar de destaque na mídia eletrônica, com reflexos sobre toda a comunidade. A atmosfera dava a impressão de que podia ser cortada a faca, tal a sua densidade, enquanto o povão, quase sempre entusiasmado diante de aleivosias e boatos, dava curso às novidades, que diariamente apareciam, prenunciando o queseria nevitáveldiante das pesadas nuvens que toldavam os horizontes, a tormenta que desabaria sobre Feira de Santana.
Tudo estava pronto e preparado. Cenários, personagens, máscaras, roupagem, direção, script, efeitos especiais, ponto, plateia ansiosa e iluminação.A publicidade, longa e eficientementemanipulada com a divulgação de pequenas partes da peça e promessas de sensacional espetáculo completo dentro de breves dias prendeu atenções e gerou enormes, quase doentias expectativas. Nem os mestres de publicidade da Broadway seriam capazes de tal façanha.
Se a campanha de denúncias começou na Câmara de Vereadores, fomentou maisinteresse ao ter o seu heroico e triunfaldesfecho transferido para hotel desta cidade, o que foi vastamente noticiado como mandam as boas regras publicitárias. A fuga da Câmara, além de gerar mais frisson e curiosidade, talvez tenha sido motivada pela lembrança, não muito distante, de valente vereador, que tentou fazer carreira política usando a tribuna da edilidadepara denuncias quase sempre caluniosas e vazias, em virtude do que perdeu credibilidade e deve estar, hoje, a tentar sobreviver nos terceiros porõesde cafundós não se sabe de que governode esquerda.
Palco pronto, imprensa presente, ávida de notícias escabrosas, povo atento, esperando os documentos largamente prometidos e as provas de fatos criminosos profusamente prometidas. Em resumo, a cidade parou para tomar conhecimento de escândalos jamais registrados nos anais da pátria, bomba de dimensões colossais, de efeitos mais destruidores do que os do tsunami do Japão. Presente, o autor das denúncias, tristemente seguido de atores secundários, acólitos da comédia, não detonou a bomba prometida. Simplesmente soltou pífio e espremido traque, daqueles que nem ao menos são ouvidos, esquecido de que neste mundo, em queSatanás manda, muitos são vítimas de difamação e nem todos podem agir como o cantador Joaquim Francisco de Santana, famoso no nordeste por haver vencido o Diabo em desafioocorrido em Pernambuco, na cidade de Camutanga.
O traque, que não deveria ter som, nem cheiro, revelou sua própria natureza quando o principal acusador declarou que não tinha provas do que estava divulgando, apesar da teatral papelada que apresentou, tanto assim que pretendia encaminhar o calhamaço a órgãos públicos competentes para a devida apuração.
O estrago, entretanto, em boa parte, estava feito. Se o propósito era o de atingir reputações, abalar credibilidades efornecer argumentos a quem de nenhum dispõe para o combate e a crítica, a meta foi atingida, embora com o risco do feitiço virar contra o feiticeiro.
Há documentos e condutas que levantam suspeitas de irregularidades e prática de crimes? Por que não levá-los, imediatamente,aos órgãos destinados á apuração de possíveis ilícitos? O escândalo que se criou com a dramatização de fatos hipotéticos para atingir honra e dignidadede pessoas respeitáveis é que não podemos aplaudir.

MODERNA BABILÔNIA

Babilônia denomina coisas diversas. De morro do Rio de Janeiro a traficante famoso e música popular,casa de pasto e revista, o nome espalhou-se pelo mundo não sem motivos fortes. A Babilônia era, na antiguidade, cidade poderosa, a capital da Suméria, que ocupava território hoje do domínio do Iraque, palco de violências que assustam o mundo.
O povo da Babilônia, avançado em relação a seus vizinhos técnica e culturalmente,cresceu na arquitetura,agricultura e no direito, com o famoso Código de Hamurabi. Suas descobertas na astronomia são famosas eaplicadas até hoje. Dizem que seus astrônomos dividiram o dia em vinte e quatro horas e a hora em sessenta minutos. A Babilônia deixou colossais construções que ainda hoje são motivos de admiração.
Seu governante mais famoso por certo foi Hamurabi, em cujogoverno editou-se famoso Código, que baseado no princípio do “olho por olho e dente por dente”, em muitos de seu aspectos poderia ser aplicado no mundo moderno, ao determinar que tivesse cortadas as mãos o médico que matasse o paciente em intervenção cirúrgica; que, se matasse escravo, teria que substitui-lo por outro e condenava à morte construtor, se a obra desabasse e liquidasse o dono. Fundou o que foi chamado de primeiro império babilônico.
A Babilônia,por seu progresso e avanços, tornou-se famosa principalmente pela difusão da Bíblia no mundo moderno. Dizem que depois de Jerusalém a Babilônia é a cidade mais citada no Livro Sagado.
Babilônia, com sua ciência, palácios, riqueza e progresso, mas, principalmente, por sua religião, cultos e deusesconsiderados exóticos, despertou ódios, rivalidades e emulação de povos da região, principalmente dos judeus. Foi apontada como a “mãe das meretrizes e das abominações da terra”, como a define o Apocalipse. Mas ganhou fama por havergerado a primeira rebelião contra Deus e sua imagem com a Torre de Babel. Imortalizados, também, ficaram o seus jardins suspensos, reconstituídos por artistas diversos e cineastas de Hollywood, havidos por maravilhas do mundo antigo.A famosa Torre de Babel foi construída pelos descendentes de Noé, que pretendiam alcançar o céu e foram castigados por Deus, que os espalhou por todas as partes da terra, lançando-os na confusão. O povo judeu, submetido a inauditos sofrimentos desde o começo dos tempos, inclusive escravidão na Babilônia, em parte é culpado de suas próprias desgraças por não aceitar, no mundo, religiões diferentes da sua, como se Deus pudesse ter dono, prática que passou para o primitivo cristianismo. Da acusação de haver matado Jesus Cristo, que era judeu, lhe resultaram perseguições e sofrimentos que ainda não encontraram fim.
A Torre de Babel, há quem diga no trabalho de interpretar a lenda, teria sido tentativa de unir a raça humana, mas resultou no que Deus havia planejado: raças, povos, crenças, desejos, línguas e sonhos diferentes.
Feira de Santana, na atualidade, é uma nova Babilônia. Grande, forte, progressista, avançada, tem sua Torre da Babel na política partidária depois da dispersão e confusão determinadas pelas iras divinas. Membros da oposição procedem como seapoiassem o governo e elementos do governo fazem as vezes de oposição, provocando espanto e perplexidade aumentados pela confusa linguagem de políticos que enveredam, ao mesmo tempo, por caminhos diferentes e contraditórios. Dir-se-á que são cristãos novos, empolgados com o próprio êxito,que tentam enganar as inquisições, que andam na boca do povo, buscado assumir controles e posições que ninguém nunca alcançou, usando lideranças que não conquistaram e vaidades inconsequentes.
Tamanha confusão pode resultar em descrédito e desastre para Feira de Santana.

PARTIDOS E QUADRILHAS

No começo os grupos politicamente divergentes tinham o nome de facção. A mudança para partido, segundo Giovani Sartori, “foi lenta e tortuosa tanto no domínio das ideias como no dos fatos”. Nas discussões que a mudança provocou, iniciadas no século XVIII,a participação de Voltaire foi importante ao reconhecer que a palavra facção era sempre repulsiva, o que não acontecia com partido.
Facção, desde os romanos, provocava repulsa, assumindo o sentido de movimento sedicioso e danoso. A facção de Cesar, por exemplo, segundo alguns, teriaprovocado a ruina da República.
A palavra facção assumiu o sentido de grupo destinado a ações perigosas, perturbadoras, até chegar, nos dias de hoje, a designar organizações criminosas e figurar, constantemente, no noticiário policial. Fala-se, modernamente, da existência de quadrilhas ou facções, sempre no sentido ou degrupos criminosos, ou de revolucionários envolvidos em atividades ilegais. O termo partido,originário de partir, usado para designar associação política, é relativamente novo. Facção é contemporâneo de seita, cujo significado ficou restrito a grupo religioso, geralmente herético, obscuro e havido por perigoso, capaz de conduzir seus membros ao inferno pelos caminhos mais curtos. Partido assumiu destaque, na política, porque nunca recebeu sentido depreciativo, expulsando, da terminologia política, as palavras facção e seita, embora, durante algum tempo, tenha corrido o riscode assumir acepção de sectarismoreligioso.
Ninguém, atualmente, chamaria partido político de facção ou seita. Na evolução da política, no sistema democrático, os partidos adquiriram fundamental importância, embora tenham sido apontados, algumas vezes, como perigosos para governos e paraa democracia, como fomentadores de discórdias e agitações.Os partidos chegaram a ser proibidos, na França, pelo Código Penal de 1810.
No Brasil a primeira constituição a tratar de partidos políticos foi a de 1946,que reconheceu essas organizações como essenciais à democracia, embora perigosas para as instituições quando livres de limitações e controle.
Dentro da atual selva partidária brasileira anuncia-se a criação de nova agremiação partidária, que recentemente teve as providências iniciais lançadas em Salvador, com enorme repercussão no noticiário desta cidade. Seu mentor principal, o prefeito da capital paulista, Gilberto Kassab, deseja ser candidato a governador de São Paulo e tenta criar partido para satisfazer ambições que não se coadunam com o seu prestígio naquele Estado. Preferiu, para os passos iniciais, a Bahia, onde recebeu importantes adesões, não pela figura do Kassab, nem pelo seu novo partido de velhas ambições, mas pela manifestaintenção de apoio ao governo Wagner, o que significa adesão ao poder, sonho dourado de muitos.
A desculpa comum dos aderentes, para a mudança, é a de que nos partidosa que estão filiados não são ouvidos. Não são consultados. Os dirigentes não lhes dão a atenção que merecem. Por isso buscam o que representa osupremo desejo de alguns,que se consideram líderes, o de comandar, determinar, ordenar e exigir obediência a solícitos, submissos, pacientes emíseros mortais dentro e fora dos muros partidários.
Não sabemos da composição do novo partido em outros rincões. Na Bahiao povo mostra-se curiosos para saber como se consolida partido formado apenas de caciques, certo de que no comando não haverá lugar para todas as ganâncias. Muito menos no governo, que deve ter suas preferências e escolhas.

O FECHA BECO

Adão, o primeiro, recebeu nome diretamente da divindade, providência de certo modo desnecessária diante das circunstâncias, mas, instado por Deus, criou nomes para todos os demais seres vivos. À mulher, que apareceu depois, porque tirada de costela do varão foi dado o nome de virago, que Adão, certamente temendo as consequências, mudou providencialmente para Eva. É que virago desde o começo assumiu o sentido de mulher varonil, animosa, valente, capaz de arruaças, criatura de pelos nas ventas do tipo que quebra botequimaté sem motivo. Bluteau confessa ter encontrado a palavra em Ovídio e no “Dicionário Castelhano/Francês”de CefarOudin, com o sentido de “mulher que faz obra de homem”. Na língua pátria, apenas no “Poema da Destruição de Espanha”, de André da Silva Mascarenhas: “Paracontar o obscuro labirinto/ Dos castigos, que vão no imundo lago,/ No homicida, todo em sangue tinto/ no ladrão, no adultero, e virago”.
Com o passar do tempo o nome civil tornou-se necessidade, para distinguir as pessoas, e exigência legal na defesa dos negócios e interesses jurídicos, embora autores afirmem que povos selvagens, na África, não usavamnome próprio individual. Gregos e romanos normalmente tinham três nomes, com algumas variações, como acontece ainda hoje. Um individual, a que se seguiam os apelidos hereditários, ou decorrentes do casamento, o que não impediaa liberdade na composição do nome, com as limitações do bom senso e da lei.
O nome que identifica a pessoa física é geralmente composto de prenome (o nome de batismo), sobrenome, alcunha ou apelido de família. É um dos direitos da personalidade conforme o Código Civil.
Apelido, que originariamente significa nomear, dar nome, “foiinventado para evitar confusão dos nomes, como distintivo individual de cada pessoa”. Diziam as “Ordenações”, sobre o apelido, que “ninguém pode tomar o que lhe não pertence” e era conferido aos autores de grandes feitos. Bluteau cita alguns dos apelidos encontrados em escrituras antigas: Barriga, Neto e Feo. Assumiu, modernamente, feição faceta, para apontar, entre outras coisas, defeito físico ou eiva de ordem moral. Luiz da Câmara Cascudo em seu “Dicionário”, sobre apelido diz que é costume antigo, dar, circunstancialmente, nome a alguém por seu lugar de origem, por sua profissão, qualidades e defeitos. Surge por brincadeira e às vezes “pega” para o resto da vida. Afirma o folclorista, apoiado em Laura Della Mônica, que nem os santos escapam, apontando Santo Antonio (casamenteiro),São Pedro (chaveiro) e São João (fogueteiro).
Apelidos às vezes provocam zangas e dramáticas reaçõesmas são fontes intermináveis de anedotas como a do juiz de direito, prevenido contra povo de sua nova comarca, que botava apelido em todos mundo. Ao desembarcar, o carregador, que lhe levava a bagagem, explicou a alguém que a mala era do “mão de gengibre” ali atrás. E apontou o juiz, que tinha uma das mãos defeituosa.
Tivemos, aqui, o “Fecha Beco”. Desempenado, conversador, dizia-se comunista e alfaiate. Sua profissão, entretanto, era a do jogo. “Fecha Beco” foi uma das mais distintas figuras do snooker de Fábio Kalile (Fábio Gordo), na parte térrea da “Pensão Universal’, na Rua Direita, enfrentando famosos profissionais do taco como o lendário “Carne Seca” (campeão do nordeste), que aparecia nesta cidade acompanhado de agentes e empresários encarregados das apostas, atraindo vasto número de espectadores. Não se sabe da origem do apelido de “Fecha Beco”. Dele notícia não há de arruaças importantes.
Mas, como os fatos se repetem, ressurgiu, na Câmara Municipal, projeto para fechar o beco denominado de Rua Intendente Ruy e transforma-lo em estacionamento para vereadores.
A Rua Intendente Rui, no conturbado centro de Feira, é via essencialao funcionamento do comércio e ao escoamento do trânsito. Se fechada para maior conforto, regalo, mordomia, comodidade a agasalho dos vereadores, teremos, então, a “Casa do Fecha Beco” em lugar da “Casa da Cidadania”. Será mais apropriado.

SALVEMOS O LEGISLATIVO

Além do fato de que o Brasil não está destinado, de forma perpétua, a ser o paraíso do Sarney, recentes acontecimentos estão a mostrar a urgente necessidade de campanha educativa, de âmbito nacional, envolvendo todas as classes sociais, destinada a salvar o Legislativo do descrédito em que está embarcando, pondo em risco nossos sonhos de democracia e de liberdade.
A escolha de nomes conhecidos do país inteiro por seus deméritos, para figurar em importantes comissões da Câmara dos Deputados, a exemplo da Comissão de Educação, e o destaque que a Câmara deu a envolvidos em processos criminais, estão a impor a necessidade de providências para a salvaguarda de um dos poderes da República que aos poucos, mas inexoravelmente, vai ingressando por caminhos sem volta, beirando o ridículo, a mostrar ao povo o seu desconchavo.
Alguma coisa há que ser feita para restituir, ao Legislativo, a respeitabilidade que vem perdendo, sob pena de retrocesso indesejado. E não nos venham falar de simpósio, seminário ou encontro à beira mar, em locais propícios aos prazeres mais ou menos proibidos, em que costumam se reunir pessoas responsáveis para resolver graves problemas da vida nacional.
Instalada a República em terras brasileiras, quase imediatamente surgiram, por inspiração do movimento positivista, tentativas de legislação social para os servidores públicos, como o projeto que determinava a fixação de salários, divididos em duas partes, uma imutável e outra variável, limitação da jornada a sete horas, férias de 15 dias, direito a salário na enfermidade e nos dias de luto, gala de casamento ou feriado religioso, assegurada a estabilidade após sete anos de serviço, aposentadoria por invalidez ou idade, além de pensão ao cônjuge sobrevivente, filhas solteiras, filhos de menos de 21 anos e regulamentação da admissão de aprendizes. Essas medidas começaram a vigorar, em todo o território nacional, em 1890, quando alguns dos benefícios foram estendidos aos empregados da Central do Brasil e aos “operários e empregados” dos Correios e Telégrafos. Em 1891 decreto regulamentou o trabalho de menores nas fábricas de tecidos do Distrito Federal, mas, outro, revogou legislação imperial que tentava disciplinar o trabalho no campo, tarefa que a República conferiu aos Estados devido às peculiaridades de cada um deles. A regulamentação legal do trabalho, em busca da paz social, gerou legislação variada e vasta discussão nas casas do Congresso, sindicatos, partidos políticos e na imprensa, passando pelo Código Civil de 1916 com a locação de serviços e contratos de empreitada, Revolução de 1930 e Estado Novo, durante muito tempo, até ganhar lugar de honra entre os preceitos constitucionais, legislação complexa e até ramo especializado do Judiciário, excrescência existente apenas no Brasil e no México.
Desde o começo, entretanto, a legislação trabalhista situa-se na órbita do poder federal. Segundo a Constituição de 1988 é da competência exclusiva da União.
Projetos de lei, que aparecem em câmaras municipais tratando de assuntos pertinentes ao trabalho de jovens, velhos ou quem quer que seja, não passam de meras e inúteis manifestações lamentavelmente demagógicas de desconhecimento da legislação vigente, no seio da qual está o Estatuto de Idoso. Essas manifestações só contribuem para aumentar o descrédito, aos olhos do povo, de ramo do poder cujo prestígio e respeito é imprescindível ao correto funcionamento da democracia.
Chega de toque de acolher maluquices frutos damá fé ou da ignorância. Legislativo sério, independente, forte e respeitado, em todos os níveis, significa garantia dos direitos do povo.
Resguardar o Legislativo do ridículo a que está sendo levado é tarefa de todos, mas, principalmente, dos próprios legisladores.

COM O POVO NÃO SE BRINCA

O triste espetáculo de dezenas de pessoas que esperam, na fila, desde que raia a madrugada,a graça de senha com que tentarão, no dia seguinte, chegar perto dos cartórios extrajudiciais, no Forum Des. Filinto Bastos, alimentando a esperanças de conseguir simples reconhecimento de firma ou autenticação de cópia de documento, nos faz lembrar fotos da propaganda anticomunista que costumavam mostrar, na mídia, pessoas desalentadas e desiludidas, nas grandes cidades da Russia, a penar em longas filas do pão, onde só não havia fila para vodka. O regime soviético caiu. Deixou viúvas, é certo, ainda hoje a lhe carpir a queda. Jamais, entretanto, para lhe tecer os antigos e exagerados louvores.
Seria difícil para alguém, que viu a Justiça dos cartórios privatizados, imaginar a lamentável situação de hoje, em que o povo, além de humilhado, é prejudicado em seus interesses. Há pessoas, em desespero,que se deslocam em busca de serviços judiciários inadiáveis em comarcas próximas, como a de São Gonçalo dos Campos, com despesas desnecessárias e riscos, mas levadas a tecer louvores ao transporte clandestino, sempre prestativo, sem o qual os problemas seriam maiores.
Foi grande equívoco a estatização dos cartórios, movidaou pelo interesse do Judiciário nas custas, oupela tendênciae moda da época. E não apenas dos cartórios extra. O equivoco atingiu, também, os cartórios judiciais, com raríssimas e excepcionais exceções, geralmente em comarcas de pequeno ou nenhum movimento. Nas comarcas de grande porte, como é o caso de Feira de Santana, de intensa atividade, há falta de serventuários. Os queexistem, percebendo vencimentos insuficientes, quase ridículos, sentem-se incomodados com a possibilidade de trabalho e reagem ou tratando mal quem procura a repartição, ou virando-lhe as costas na tentativa de banir presenças indesejáveis e inconvenientes, que lhes tentam perturbar a santa paz do magro contracheque.
Tal situação não impede, entretanto, que de vez em quando cartórios fiquem cheios de pessoas jovens, elegantes, de nariz empinado, bem vestidas, que se movimentam graciosamente, passando, entretanto, acerteza de que daquele amontoado de processos, carimbos e papeis não entendem bulhufas. Nada mais são do que emendas piores do que o soneto, tratando a todos os que procuram os cartórios como a“multitudocaballorum” de que falava velho professor de Economia. Em grande parte não é desídia, nem desprezo pelos deveres. Trata-se, simplesmente, de pura, simplese absoluta incompetência.
O povo das filas e os que são mal recebidos nos cartóriosestão, diariamente, a armazenar mágoas e a amontoar ressentimentos, aparentando paciência de que nenhum ser humano é capaz. Mas, poderíamos repetir a célebre indagação de Cícero: até quando?
Atualmente quem está em foco é a figura do prefeito. Não há fato do cotidiano deste Município que não precipite catadupa de insinuações, desconfianças e denúncias contra a administração municipal, não faltandoadministradores, adivinhos, economistas, palpiteiros e juristas para aventar soluções, reforçar intrigas e pedir, em inquéritos, rigorosa apuração de fatos, muitas vezes sem o exato e correto conhecimento do que está ocorrendo.
Em Feira de Santana o povo ultimamente encontra distraçãoe motivos de ira em perigosopantanalde intrigas políticas, como se o Município pudesse viver exclusivamente de fofocas e garimpo de empregos em cujo centro está a administração municipal.
Por ora o Judiciário tem sido poupado. Goza, ainda, de um resto dereceio reverencial, reminiscência dos tempos do “morrerá por isso”. O receio, entretanto, poderá ser rompido a qualquer instante. O povo, quando ameaçado e prejudicado, torna-se perigoso.

“TRABALHAR? EU NÃO, EU NÃO”

Após a criação do homem, estando o mundo aindalivre do pecado, Deus, que teria planos não explicitamente revelados, deu à inocente criatura a obrigação do trabalho. Entregou-lhe o paraíso de que Eva era parte,sob pena de não merecer o nome, impondo-lheo compromisso de cultivar o Jardim e dele cuidar,deixando desde cedoesclarecido que nada é de graça. Ele próprio deu o exemplo de trabalho. Exausto,depois de fazer tudo o que existe de bem e de mal, teve de repousar no sétimo dia.
Após o pecado, o grandeimpulsionador da obra da criação, é que o trabalho surge como pena, castigo pelos deslizes de Adão, que se julgado, hoje, por tribunais humanos, seria absolvido e provavelmente eleito presidente da República como herói, porque o solo, em consequência do crime, foi amaldiçoado, injustamente, e o anátema de ganhar o sustento com o suor do rosto tornou-se desgraça de que todos procuram fugir ainda que tenham que recorrer à política.
Daquele passo em diante o trabalho assumiu aspecto de requisito de sobrevivência, está nas escrituras, como ordem divina e inquestionável obrigação social, conforme escreveu Paulo: “se alguém não quer trabalhar, também não coma”, recomendação de certo modo vazia, como outra que determinava: “aquele quefurta, não furte mais”, transformada em verdadeira heresia nos tempos atuais.
Pierre Jaccard, após ressaltar a antipatia que os povos selvagens têm pelo trabalho, afirma, citando Adriano Thilgher, que “para a alma hebraica, como para a grega, o trabalho se apresentava, essencialmente, como castigo e sofrimento”. Emenciona sindicalista que escreveu: “Seja em que regime for, o homem sente-se, no trabalho,que lhe é imposto, como um animal na jaula. Só pensa em libertar-se”.
O sentimento queprovoca o trabalho como situação humilhante e desprezível cresceu, em regiões em que se desenvolveu a escravidão, como o sul dos Estados Unidos e o Brasil.
Apesar dos louvores ao trabalho nas Escrituras e na cultura em geral,criando ditados como “mais quero estar trabalhando, que chorando!” e “nasceu o homem para trabalhar, como a ave para voar”, o povão e os apaniguados nunca aceitaram o trabalho como obrigação e dever. Prova disso estána música popular, de que foi um dos representantes o malandro carioca, embora com alguns exemplos de reação em favor do “batente”, combate à vadiagem e claros recuos como no samba “Golpe Errado” que Chico Alves gravou por volta de 1929: “Mas que golpe errado eu dei/ Dizendo que ia deixar a vadiagem!/ Com o tal de trabalho não me acostumei/ Nem mesmo por camaradagem.” Chico Alves gravaria, em 1931, com Mário Reis, samba de Ismael Silva, que confessa: “Se eu precisar algum dia/ De ir para o batente,/ Não sei o que será,/ Pois vivo na malandragem/ E vida melhor não há”.
Na época, ressaltam historiadores, havia compositores de música popular que saiam do botequim para bater carteiras após o que voltavam, tranquilamente, à mesa do bar.
O Estado Novo tentou mudar a situação com a censura do DIPe “compra” de compositores encarregados de enaltecer o trabalho, a exemplo do “Bonde de São Januário”, mas não conseguiu impedir o aparecimento de músicas de linguagem nitidamente revolucionária como “Terra Seca”, de Ary Barroso”, de 1943, proibida em Portugal. Liberta de peias a música popular ganhou força para voltar ao velho tema, como no caso do samba “Trabalhar, eu não” e “Falta um zero no meu ordenado”.
Fato é que o trabalho, hoje, assumiu o seu sentido bíblico esua verdadeira função social. Daí não causar espanto vereadores apresentarprojeto que reduz férias da edilidade e amplia tempo de labor. É louvável. O drama está em que tirante a oposição, que ganha espaço para chatear o prefeito, não há muito o que fazer.

NO TEMPO DO ONÇA

Todas as coisas têm seu tempo. É a velha lição do Eclesiastes repetida, de certa forma, no sonho de José, o das vacas gordas e das vacas magras. Mas, sempre houve um tempo melhor, como o dos Afonsinhos, certamente lembrado em virtude da Lei das Sete Partidas de Afonso, o sábio, da época do Rei D. Dinis, ou do primeiro código geral português, as Ordenações Afonsinas, de Afonso V. A locução perdurou, entre os brasileiros, por séculos, como aquela que falava do“tempo do Onça”, dizem quenascida de governador do Rio de Janeiro, Luiz Vahia Monteiro, que tinha, por apelido, o nome do felino.
Hoje, quando os velhos ditados eantigas locuções populares caem no esquecimento, permanece o mesmo sentimento, o de que tempos bons foram os passados. Assim, é possível que ingresse, na linguagem popular, em breve, a expressão “nos tempos do Lula”, contraposta às dificuldades e durezas da situação que o povo estará vivendo, mas que nunca deixaram e jamais deixarão de ser amargas.
A crise, que se estabeleceu a partir de 2.008, embora tenha causado estragos, quase passou despercebida neste país de euforia alimentada por presidentede calculada simplicidade de linguagem, tantas vezes criticada, e seus gastos imoderados a ponto de criar a certeza, nos dias correntes, de que o governo ganhou a batalha das eleições mas perdeu a guerra.
Conforme dito antigo, com dinheiro não se brinca. E agora, depois das vacas gordas, em que verbas passaram a ser exclusiva bandeira de luta e ideologia de partidos e políticos, refinada imitação da “corrida do ouro da Califórnia” com a multiplicação de ministérios, obras faraônicas e inviáveis, que atormentam o novo governo, empregos a granel, bolsas eleitoreiras, poucas realizações de real importância, muita conversa demagógica e natural deterioração da classe política,alcançamos beco sem saída muitas vezes anunciado por economistas independentes que há muito clamam contra ações governamentais consideradas temerárias e perigosas para o equilíbrio financeiro do país e determinaram, como resultado,o reaparecimento do fantasma da inflação a engolir lucros e salários, que já alcança a perigosa cifra dos seis por cento, a exigir remédios que matam mais do que curam, como a restrição ao crédito, aumento de juros e cortes orçamentários.
Não bastassem tais perigos, estouram, na imprensa, escândalos de inominável e inaceitável violência policial nesta cidade e em outros pontos do país, e de enormee sedimentada organização mafiosa dentro dos quadros da polícia civil do Rio de Janeiro. A violência policial e a corrupção, nos quadros da polícia, embora parte importante das mais vetustas tradições nacionais, há muito não apareciam com o destaque dos últimos dias. Jamais abandonaram, entretanto, a nossa amada pátria. Neste ponto o progresso é evidente, reflexo da conduta da classe política, hoje, mais do que nunca, a proceder como boi velhaco,na busca de buraco em cerca que conduza aos verdejantes pastos do governo, sem atentar para o fato de que o governo já tem donos, a defender, ferozmente, seus bunkers, e nem de mísera cadeira de quarto escalão dispõe para os fugitivos.
Todas essas maravilhas brasileiras refletem-se, é inevitável, na população. Daí que não causou espanto, nem correria, a notícia de que kits, com fardamento completo, distribuídos, gratuitamente, aos estudantes da rede municipal, estavam a ser livremente vendidos, mas deve ter levadoa Prefeitura a reavaliar o anunciado propósito de doar bicicletas aos estudantes porque aí é que haveria comércio.

“QUEM VEM NU VOLTA VESTIDO”

O pai da história, Heródoto, lamentou que dentre as penas humanas a mais dolorosa é a de prever muitas coisas e nada poder fazer. Poderia o historiador asseverar, vivesse hoje, que a realidade ultrapassa as previsões com tal força, que a ficção científica já se apresenta com ares saudosistas.Nada mais causa o espanto e a curiosidade provocados por Buck Rogers eFlash Gordon no planeta Mongo, os primeiros astronautasda ficção popular, e as aventuras, no campo científico, do dr. Frankenstein, a famosa criação de Mary Shelley.
As novidades do progresso, as conquistas humanas, por mais mirabolantessão recebidas e assimiladas com tanta naturalidade, que dão a impressão de que o mundo se considera não apenas merecedor, mas credor de todas as conquistas que vem adicionando à sua rotina.Cada vez mais complexas, irresistíveis objetos de desejo destinados a entupir o planetade perigoso lixo industrial, as novidades diariamente se vão atropelando, fazendo surgir maravilhas e forte apelo comercial que comprometem orçamentos esufocam a humanidade que já sente dificuldades em encontrar espaços para respirar e sobreviver.
A indústria do automóvel, por exemplo, está quase a inviabilizar a existência humana nas grandes cidades. A invenção do motor de combustão interna, atribuída a Karl Benz, facilitou o surgimento de veículos cada vez mais atraentes e rápidos, que se espalharamno mundo com a ajuda de Henry Ford, criador da fabricação em série, e provocou intenso desenvolvimento da indústria petrolífera e de outras áreas,como a da pavimentação de ruas e estradas, fazendo surgir as megacidades, sonhos dos construtores, grandes empresas e enormes fortunas, frutos da exploração do petróleo, dos veículos motorizados e de toda a fabulosa gama de produtos e serviços ligados ao transporte automotivo, que reúnem, nos dias atuais, considerável parte da população do mundo. O petróleo, a partir de sua descoberta, no Lobato, tem servido à luta partidária. Ultimamente, deu forte ajuda à campanha da eleição da atual presidente da República.
De todas as grandes conquistas da humanidade, poucas, como ado motor a explosão e a invenção da imprensa têm mais de cem anos. O uso da energia atômica, antibióticos, computadores, transplantes de órgãos, facilidades de comunicação e viagens espaciais são mais novas. O progresso mirabolante, que nos envolve, em diversos setores, é fenômeno principalmente do pós-guerra. Conta pouco mais de meio século de existência.Neste contexto vertiginosonão podemos deixar de incluir a nossa Feira de Santana, que em pouco mais de cinquenta anos deixou de ser bisonha cidade sertaneja para alçar voos jamais imaginados, a ponto de estar a se preparar – segundo o noticiário – para servir de sub-sede da Copa do Mundo de 2.014, o que pressupõe a conquista de aeroporto, hotéis cinco-estrelas (um só não dá), centro de convenções para abrigar central de jornalismo nacional e internacional, CTs com gramados de treinamento construídos conforme as regras da FIFA, modernização da BR-324 além de solução de nossos problemas de trânsito urbano e de outros ligados à saúde e à segurança pública.
Longe estamos da cidade descrita pelo repentista João Afonso:“Esta Feira é terra santa, / vera funda dos quebrado, / quem vem nu volta vestido, / de pés no chão vai calçado, / foi esta a mãe da pobreza, / no tempo dos flagelado./ Gabemos desta maneira / e todos preste atenção / home ou mulhé de Feira, /ambos têm bom coração, / este é um lugar de paz, / que só deseja união”.
A participação de Feira de Santana nos eventos da Copa de Mundo de 2.014 obriga-nos a confessar, parafraseando Machado de Assis: o que julgamos ser simples ilha na verdade é um continente.

UFANISMO E VERDADE

Afonso Celso de Assis Figueiredo Jr. foi singular figura da vida nacional. Filho de visconde,o de Ouro Preto, conde pela Santa Sé, militou na política, no jornalismo e no magistério.Um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras e presidente perpétuo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,defendeu tese de formatura sobre o “Direito de Revolução”. Teve que se haver com uma. Na queda do Império exilou-se na Europa.
Deixou vasta obra literária nunca vista por muito importante, salvo a biografia dopai, de algum valor para a pesquisa da história do império brasileiro.
Um livro do conde, “Por que me ufano de meu país”, entretanto, teve notável sobrevida. Entre elogios, remoques, gozações e críticas mordazesé apontado como progenitor do ufanismo,que sobrevivendo a todas as nuances da vida brasileira permanece imbatível como aliado de governos.
Tudo indica que o conde, ao dar nome a seu livro,forçou a existência do verbo ufanar-se. Bluteau registrao adjetivo ufano, com o sentido de vanglorioso, jactancioso, soberbo, citando versos que falam do “famoso Tejo ufano”. O termo ufanismo talvez tenha nascido da crítica de jornalistas e chargistas ao livro do conde. Mas, o ufanismo, além de ganhar espaço em dicionários,tem servido de base de sustentação e engodo para governos das mais variadas matizes como o da ditadura de Getúlio Vargas, em que a meninada das escolas, além de reverenciar, diariamente, a foto do ditador, exposta em cadasala, tinha que marchar e cantar hinos patrióticos e suportar professores que obrigatoriamente falavam da grandeza nacional, das virtudesdo governo, do excelso futuro a que o país estava destinado e das inesgotáveis riquezas brasileirasescondidas em florestas e no subsolo, tudo representado no verde e amarelo da bandeira, que na verdade herdamos da antiga Casa de Bragança. As mensagens do ufanismo a propaganda oficial, com a ajuda da famigerada “Hora do Brasil”, difundiu com tal intensidade que chegou a convencer grande parte do povo brasileiro.
O ufanismo repetiu-se, sem se consolidarinteiramente, nos tempos de Juscelino Kubitschek, com o seu desenvolvimento de cinquenta anos em cinco, e ganhou força durante o regime de 64 com o “milagre brasileiro”.
Voltou, no governo Lula, com populismo levado a extremos,passando a certeza de que vivemos no melhor dos mundos possíveis, que o Brasil nada de braçadas em prosperidade, descobriu petróleo do pré-sal e a riqueza vai jorrar na casa de todo mundo, novo milagre em virtude do qual o presidente elegeu sucessora, que agora tem que enfrentar a dura realidade do país.
Na campanha presidencial, pelo menos na Bahia, um dos grandes argumentos foi o do programa “Minha Casa, Minha Vida”, em que o paternalista presidente buscavadar morada barata aos necessitados. As casas, na verdade, são vendidas. O conjunto, (quatrocentas e quarenta moradas)inaugurado nesta cidade com grandes festas, discursos e brigas para ingressar no palanque,tão importante mostrou-se que mereceu, de Hélio Gaspari, a denominação de “joia de coroa”. O ufanismo vigente é tão virulento,queas notícias de que mutuários estão a revender os imóveis a preço de banana são recebidas com falso espanto e fingida surpresa. O governo Luiz Viana Filho construiu a “Cidade Nova”. Outros governantes deixaram aqui inúmeros conjuntos populares enormes. Só o Feira X tem cinco mil moradas. Cerca de 50% dos imóveis desses conjuntosou foram revendidos, em pouco tempo, mediante “contratos de gaveta”, imitação dos “flagrantes de gaveta”, que andaram em uso na polícia, ou os mutuários ingressaram na inadimplênciacertos de que algum deputado do governo haveria de eliminar o débito. Nem a inadimplência, nem o “contrato de gaveta” merecem o espanto que estão a despertar.São fatos verdadeiros e sem remédio do Brasil sem fantasias.

AEROPORTO, BREVEMENTE

Enquanto a tragédia do Rio de Janeiro comove todo o país e a Prefeitura da cidade do Salvador vai por água abaixo, o noticiário local, sempre tão empolgante e volumoso, a não ser o dos costumeiros homicídios, agressões e roubos, míngua a olhos vistos. Desvaneceu-se a esperança da vaga de secretaria estadual para Feira de Santana, como a da radical reforma do governo deste Município. A tantas vezes anunciada e demolidora cisão na política local não aconteceu e ameaça transformar-se em folheto de cordel que poderia ter o título de “A Peleja entre Zé Ronaldo e Tarcízio Pimenta”, e levar a assinatura de qualquer discípulo de Cuíca de Santo Amaro.
Os amantes de novidades terão que se conformar com o novo governo Wagner, que não mais pode falar em “herança maldita” porque, doravante, sua única herança será a dos seus primeiros quatro anos de muita conversa e poucas obras, e outros fatos de somenos importância como a do secretário municipal, com sua imitação de Mussoline, a querer fechar peixaria que fizer descamação e evisceração de peixes no Centro de Abastecimento.
O que existe, além disso, é a pífia campanha do desarmamento, que deveria ter assento no Centro das Indústrias, e a notícia de que moradores das proximidades do denominado aeroporto, cerca de cinquenta almas (não as de Gogol), vão ter, brevemente, água encanada.
Tudo, no governo do Estado, será brevemente.
A notícia, entretanto, lembra algo que sempre andou no desejo do povo feirense, o orgulho de contar com um aeroporto, característica dos grandes centros urbanos, equipamento cuja utilidade e necessidade não se discute, mas que nunca tivemos, o que provoca certo complexo de inferioridade, no seio de nossa gente, nem sempre disfarçado porque o que existe não passa de abandonado campo de aviação.
O primeiro campo de aviação da cidade, criado nos tempos do governo de Heráclito Carvalho (Seu Lolô), ocupava espaço, no Campo Limpo, onde hoje está o bairro que recebeu o nome de Jorge Américo, líder de invasões de terras e, por isso mesmo, herói popular. O alheio, para muita gente, tem sabor especial. O Município, dono do terreno, reagiu, mas seus esforços tonaram-se inócuos porque o governador, Waldy Pires, benfeitor da humanidade porque fez discursos, declarou a área como de utilidade pública.
No antigo campo de aviação floresceu o Aero Clube, que formou inúmeros pilotos sob o comando de oficial da Aeronáutica, contando com aviões doados por Assis Chateaubriand. Um daqueles aviões, pilotado por José Torres Ferreira (Zé Petitinga), caiu em mangueira de chácara, no Ponto Central, provocando comoção pública. A notícia chegou ao dono do imóvel, quando dava aula de Francês, no Colégio Santanópolis, o Dr. Pedro Américo de Brito, que saiu, precipitadamente, em direção ao local do desastre, seguido por quase todos os estudantes do Colégio e populares, em desabalada e esbaforida correria. O acontecimento era sensacional e inédito, mas resultou em frustração porque soldados do II, 18º. R.I., armados, já haviam isolado toda a área, não permitindo a aproximação de curiosos. O avião teve danos de pequena monta, o piloto livrou-se incólume para novas aventuras aéreas, que não foram poucas, e o Dr. Pedro Américo, salvo alguns galhos quebrados e umas poucas mangas sacrificadas, não sofreu prejuízos.
Diante da invasão e ocupação desordenada do campo, outro governador, que tinha propriedade rural em Jaíba, resolveu dar, ao Município, novo campo de pouso, com o nome de aeroporto, unindo o útil ao agradável, mas o campo, construído perto de sua fazenda, caiu no abandono. Nem os “Irmãos Metralha” ali permaneceram. Brevemente, entretanto, segundo promessa do governo, será recuperado.

MEA CULPA

Está em São Mateus, que ainda serve para alguma coisa além doferoz e rendoso comércio que criaram em torno da Bíblia e de suas principais figuras: “Não julgueis para que não sejais julgados”, que nos conduz à noção e importância de ser justo, característica, em outros tempos, dos chamados homens bons e parte importante da formação de todos os governos, a começar pelos que têm praticado, no decorrer dos tempos, a justiça preventiva de que foi exemplo, segundo a narrativa de Heródoto e Montaigne, o rei da Pérsia, Cambises II, que um dia, tendo sonhado que seria morto por irmão, que lhe desejava o trono, mandou mata-lo, pouco valendo, ao condenado, os protestos de lealdade e estima. Esse é tipo de justiça largamente usado pelas ditaduras e pelo povo em geral. Poucos serão aqueles que neste mundo não julgaram e condenaram, antes de qualquer prova, parentes, aderentes ou semelhantes de qualquer categoria, com destaque para os que pregam cadeias generalizadas para todos os suspeitos de práticas anti-sociais, o que na prática transformaria o mundo em vasto presídio, espécie de “Casa Verde” do Dr. Bacamarte da novela de Machado de Assis, sem a possibilidade de aplicação da justiça, ainda que falível e imperfeita, às vezes amalucada, que está na lei.
Inquestionável é que a vida impõe,a todos nós, o papel nem sempre cômodo de julgadores. Não é necessário vestir toga nem estar na curul de juiz. O homem comum julga, diariamente, em casa, no trânsito, no trabalho e no lazer condutas e atos de seus semelhantes, próximos ou distantes, às vezes elaborando, perigosamente, sentenças definitivas, irrecorríveis.
Poucos serão os que não se têm que penitenciar desse pecado. Assim, transformou-se em costume generalizado ver, nas câmaras municipais, trapiches de incompetências, vaidades e ganâncias.
As câmaras municipais, quando se tratou de sua real utilidade, foram apontadas por necessárias comoincentivadoras de lideranças, escolas de ética no trato dos negócios públicos, das regras do debate político, da valorização do conhecimento e do respeito às regras de convivência. Na ocasião o parlamento brasileiro, em todos os níveis, despertava curiosidade e reverência, porque debatia, intensamente, temas de interesse do povo. O debate sumiu dos legislativos. Não há mais discussões a não sersobre mesquinharias. O legislador, de todos os níveis, transformou-se, inteiramente, em “arranjador” de verbas e empregos, simples lobista, tarefa que exibe como grandes realizações, quando não se mete nos meandros do Executivo a falar e agir como chefe de governo, com o que confunde, ainda mais, a nem sempre atenta opinião pública.
Uma das causasou consequências desse abastardamento do legislativo é a ausência de oposição, que descaracteriza o regime democrático, dando lugar a campanhas, como a última, para a presidência da República,absolutamente anódinas, insignificantes e irrelevantes, conduzindo à liberdade de que gozou o ex-presidente da República ao afirmar que inaugurou quinze universidades, quando, de fato, deu a grupos escolares o nome de universidade, mas continuam a funcionar como grupos escolares sem nenhum dos requisitos que possam caracterizar verdadeiro centro de ensino superior.
A imprensa noticiou, no início do mês, que a Câmara Federal, em raro momento de lucidez, arquivou projeto de lei destinado a obrigar todos os candidatos a casamento a plantar dez árvores e, como requisito paradivórcio, o dever de plantar vinte e cinco árvores, naturalmente no quintal de sogra complacente.Lá, pelo menos, arquiva-se alguma coisa...
Diante dessa maravilha, o que nos resta é admitir a mea culpa das críticas que andamos a fazer de certos projetos aprovados pela Câmara local, erogar a Deus pela Venezuela em que este país se vai transformando.

CELULARES E GABINETES

Corre, por aí, que já estaria em vigor lei votada pela Câmara Municipal, que proíbe o porte de celulares no interior de agências de bancos, providência julgada necessária pelos legisladores para evitar a modalidade de assalto conhecida pela alcunha de “saidinha bancária”. Com a nova lei a Câmara estaria prestando mais um relevante serviço à sofrida e amedrontada comunidade, acossada, nesta terra, por todo tipo de atividade criminosa sem vislumbre de salvação nos insondáveis horizontes da pátria. O inovador diploma legal, que inibe inviolável e constitucional direito do cidadão, vem provocando queixas. Pessoas constatam que o uso de celulares continua livre e solto dentro e fora dos bancos, o que, convenhamos, facilita negócios, poupa precioso tempo e resolve problemas de muita gente. É utilíssimo, necessário, irreversível.
A correta e exata aplicação da lei anti-celulares, destinada ao esquecimento como tantas outras inexequíveis porque regras estabelecem fora da realidade, resultaria em enormes despesas para o erário municipal, que teria que criar guarda destinada a apreender telefones à porta e dentro dos bancos, tomando-os de homens, mulheres e crianças, e diretoria ou secretaria encarregada de receber e guardar, com os devidos cuidados, os aparelhos apreendidos, e devolve-los, entre outras exigências, mediante petição fundamentada, apresentação de nota-fiscal, folha corrida e parecer da procuradoria. Outra lei poderia ressuscitar o selo de educação e saúde, para a petição, obrigatório, durante longo tempo, em todos os documentos, a ser vendido em postos da secretaria de finanças. Seria notável retrocesso.
A celeuma da semana, entretanto, ficou por conta de ato do presidente da Câmara, que mandou fechar, até o dia primeiro de fevereiro, o prédio onde se alojam os gabinetes dos vereadores. Houve até quem afirmasse que a portaria era absurda porque gabinete de vereador é repartição pública e, com tal status e respeitabilidade, não pode ser fechado. A verdade, entretanto, é que vereador é funcionário público apenas no sentido geral da expressão. Qualquer pessoa, aliás, pode ser funcionário público se exerce função de governo, como, por exemplo, quando dá socorro a acidentados, participa dos trabalhos de extinção de incêndio e socorre vítimas de enxurradas. Funcionário público, no sentido estrito, é o servidor nomeado conforme as regras do estatuto do funcionalismo. Em certos casos, alguns admitidos conforme legislação especial, inclusive a CLT.
O deputado, o senador são membros de um dos três poderes da República, que trabalham com independência, harmonia e a valiosa ajuda do mensalão, elevado a instituição nacional pela maioria do povo brasileiro nas últimas eleições. O vereador é membro de um ramo do poder público municipal, que se divide em legislativo e executivo. Embora servidor público no sentido amplo, às vezes demagógico, não pode ser apontado como funcionário público, porque não é.
O gabinete, o vereador abre ou fecha, recebe o povo ou não conforme a sua soberana vontade. Não é repartição pública, embora mantido com dinheiros do erário. Lá entra quem o titular deseja receber.
O presidente da Câmara, verdade deve ser dita, não fechou gabinetes. Os gabinetes já estavam fechados, à exceção de um apenas. Fechou o prédio, onde se escondem os gabinetes, que estava às moscas, provocando despesas inúteis e correndo o risco de arrombamento e roubo.
Procedeu corretamente.

UM CANTADOR ESQUECIDO


J
oão Afonso, notável repentista, cego, pobre e sem instrução está esquecido. Ninguém, entretanto retratou melhor o nosso cotidiano. A seguir, repente de sua autoria sobre fatos ocorridos nesta cidade em 22 de setembro de 1918 envolvendo a “Terpsícore”, de Maragogipe, e uma banda local:

“A musga maragogipana
veio à Feira passear.
encontrou a 25
e foram juntas tocar.
É quando surge um sujeito
tratando de anarquizar,
dizendo musga de fora
não faz fé aqui na Feira.
Por melhor que se apresente,
só tem que andar na carreira.
Estava dado o princípio,
Começou a baboseira.
Não sendo filho da Feira,
Mas de lugares distantes,
não quer ver o povo unido,
as musgas alegres, constantes,
transformou a festa em rolo,
no meio dos puchavantes.
Dentro em pouco trocam tiro,
Surge cidadão baleado:
João André e Antonio Gomes
foro os dois prejudicado,
Sinhói de Surunga caiu:
-‘Meu Deus estou liquidado.
Como vou morrer agora,
sem ninguém me defendê?
Vim acompanhar tocata,
sempensar em falecê,
fico nestas condições,
Nem a mulher posso vê’.
O povo, que viram isso,
ficou todo alvoroçado.
Morrer um patrício nosso,
morrer assim naufragado?
Venha depressa um doutor!
Grita o povo com cuidado.
- Onde lhe pegou a bala?
- Doi muito não sei onde é...
- Na barriga é impossível:
Se fosse pocavao fé.
Vamos tirar o calçado,
para vê se foi no pé.
Sinhô todo emporcalhado,
tanto o sangue que corria,
e o povo todo vexado,
pensando que ele morria,
mas alguém examinou:
o dito sangue fedia!
Chega um senhor mais sabido:
- A minha instrução é pouca,
Mas, do jeito que estou vendo,

A bala entrou pela boca.
Ele engoliu foicachaça,
Deixou duas pipa oca.
Mas, ainda mesmo assim,
vamos sempre regressá.
Está perto um automóvel,
Toque esse tipo prá lá!
Vá pra casa, vá dormi.
Não convém ir pro hospitá.”

NOVOS FADOS

Alcançamos o fim de mais um ano, que deixa, no limbo do passado, dores, dificuldades, vitórias, esperanças, desastres e conquistas. Sofremos revés com o recenseamento do IBGE. Quando todos esperavam contagem de mais de seiscentos mil habitantes, saiu-se o órgão federal com anovidade em que ninguém acredita: não alcançamos a cifra havida até por modesta por todos os que aqui labutam, o que lembra o prestigio do IBGE de outros tempose samba defendido por Carmem Miranda, quando a música popular costumava fazer a crônica do cotidiano: “Em mil, novecentos e quarenta /Lá no morro começou o recenseamento / E o agente recenseador / Esmiunçou a minha vida, que foi um horror!”
Mas, pelo menos, e louvado seja Deus, tivemos conhecimento do número aproximado de casas desabitadas ou inaccessíveis existentes nesta cidade, o que é um refrigério, trabalho meritório, que deve ser acrescentado às grandes e louvadas proezas e ao extraordinário prestígio do governo federal, com possíveis e negativos reflexos sobre o orçamento do Município e suas condições de futuro e promissor crescimento, o quepor absurdo levou o povo a acreditar no que diz outro samba, o de Geraldo Pereira, dirigido a Getúlio Vargas, que ameaçava criar o Ministério da Economia: “Seu presidente, / Graças a deus não vou comer mais gato, / Carne de vaca no açougue é mato, / Com meu amor já posso viver. / Eu vou buscar a minha nega pra morar comigo / Porque já vi que não há perigo / Ela de fome já não vai morrer”.
Mas, o ano que chega ao fim foi, sobretudo, o ano da política e de intenso noticiário em torno dos movimentos partidários. Não apenas por causa das eleições, cujos resultados não surpreenderam, sabidos que eram desde o início da campanha e a incrível tendência popular para o paternalismo na figura de semideus, que tudo resolve, encarnadono presidente Lula, que tem sabido explorar o populismo de forma a ultrapassar qualquer expectativa. Sobrepujou, apenas em quatro anos, com a ajuda das “bolsas”, a popularidade de Getúlio, que teve o “curto período de quinze” para sedimentar a sua posição de salvador e pai dos pobres.
O noticiário político, levado por fatos, vaticínios, ventos e boatos, dominou o ano. Os pleitos eleitorais, dizia velho amigo, é como o circo antigamente. Chegava a trupe, com suas estrelas e palhaços, e dominava tudo: notícias, atenções, homenagens, aplausos. Logo depois aparecia outro circo, e o fenômeno se repetia, em moto-contínuo que só acabou com a decadência circense.
Dominou, sobretudo, o noticiário e o comentário político, o rompimento entre o ex-prefeito José Ronaldo de Carvalho e o prefeito Tarcízio Pimenta. Começou como agouro, que para o vulgo é predição de coisas ruins, mas, na origem, significa progressão, andamento de qualquer empresa, e deu nascimento à figura do áugure,o que faz augúrios. Augustus, por exemplo, é o sujeitoconsagrado pelos áugures. Mas, em forma de augúrios, vaticínios, predições, presságios ou simples boatos, a notícia dominante foi a do iminente rompimento, em que ficou evidenciado interessante fenômeno da mídia. O comentarista lança a hipótese: Ronaldo vai romper com Tarcízio. É questão, apenas, de tempo. Rola, entretanto, o tempo e nada acontece. Mas, oautor da notícia, frustrado, aferra-se ao que disse e tenta, de todos os modos,provar a sua hipótese e não larga mais o assunto que só desaparece quando surge outra previsão de quilate semelhante. Resultado: o anunciado rompimento só esmaeceu com os sucessos decorrentes da eleição da nova mesa da Câmara, motivando outros vaticinados rompimentos, que somente os ventos e tempestades do ano novo poderão confirmar.

ASSESSORES E MUDANÇAS

As transformações por que vem passando o mundo, rápidas, complicadas e radicais, encerrando enormes complexidades,vão colocando em dificuldade a sobrevivência de instituições, leis, tradições e costumes que há pouco tempo eram considerados imutáveis e necessários à paz e à harmonia social. As mudanças impostas, principalmente, pela tecnologia, formam tal conjunto de novas maneiras de conduta, de ver e de conduzir as coisas deste mundo, que nada está isento do radicalismo e da velocidade das nuanças queos novos tempos oferecem.
A finalidade da política partidária, do sistema democrático, que alguém já disse ser o melhor, porque não há outro aceitável, sofre, como todas as manifestações da vida social, o choque da modernidade que nada poupa e tudo parece querer devorar em permanente autofagia, na pressa do proveito a qualquer custo.Decorrem, daí, distorções que não contribuem para moralizar e consolidar sistema confiável de governo.
Ora, que o assessor é necessário, lá isto é. Diante da evolução da ciência, dos meios de produção e da tecnologia, os vereadores de município do porte do nosso, por exemplo, como os legisladores de qualquer nível, para um correto desempenho de suas tarefas necessitariam de um exército de assessores formado de técnicos em redação, informática, construções, pontes, estradas, urbanismo, legislação em geral, educação, contabilidade pública, direito constitucional, saúde e defesa do meio ambiente, no mínimo, porque as necessidades sociais são cada vez maiores e mais urgentes. A lei, para a admissão de simples escriturário, por concurso, faz exigências que vão desde a comprovada higidez de saúde física e mental à incrível capacidade de ler e escrever mais ou menos corretamente. Para as tarefas de legislador não se exige tanto. Daí vem a necessidade do assessor, o funcionário que em grande parte dos casos seria o verdadeiro condutor das labutas legislativas, projetos, pareceres e pronunciamentos.
É impossível, entretanto, por diversos e relevantes motivos,manter, à disposição de cada representante do povo, conjunto de assessores competentes e tecnicamente capazes de trabalho responsável, o que não impede as câmaras municipais de manter numerosa assessoria, não só a do ramo do poder, mas a de cada representante popular, individualmente, seguindo, aliás, respeitável exemplo que vem do Congresso Nacional.
A nossa Câmara, recentemente, julgando que é pequeno o número de assessores com que contam os seus vereadores, aumentou esse número de sete para nove, premiando os da planície, mas elevando, justamente, para onze, o montante de assessores dos que pervagam as alturas da mesa. Não houve voto contrario, nem protesto de nenhuma natureza.
“Farinha pouca, meu pirão primeiro”, diz a secular sabedoria do povo. É que na impossibilidade de contar com assessoria tecnicamente competente, a vereança vale-se da figura do assessor para abrigar passados, presentes e futuros cabos eleitorais e, em certos casos, para faturar algum,metendo no bolso parte dos salários pagos a esses auxiliares, fenômeno de que não há notícia nesta terra dadivosa mas em outras paragens, até em sítios do alto, de que ninguém desconfia tal a fabricada fama de provecta seriedade e imbatível honestidade.
Um fato surge e anda sozinho à vista de todos. O povopaga boa parte das campanhas eleitorais, durante anos seguidos, com os salários dos assessores e de outros. Quando políticos aparecempara defender o financiamento público de campanhas eleitorais, deveriam, por isso, receber pena de apedrejamento igual à que foi condenada a adúltera iraniana.

O TOQUE DE ACOLHER LIVROS

Muita gente ajuizada alertou: isso é maluquice, é inconstitucional, obra de autopromoção inconsequente e inviável, coisa de câmara de roça. Até alguns vereadores, demonstrandobom senso, repudiaram o projeto de lei que começou como “toque a recolher” e terminou como “toque de acolher”, destinado a afastar menores de sítios julgados perigosos, combater a criminalidade, salvar os menores em erro e restabelecer a tranquilidade social,fadado, segundo seus defensores, a figurar na ara da pátria.
O projeto, verdadeiro osso sem tutano, encontrou dificuldades em sua tramitação. Sofreu marchas e contramarchas, pedidos de vista, emendas e o castigo de inúmeros discursos e pareceres de defensores e críticos. No entanto o projeto, destinado ao monturo legislativo municipal, resultou aprovado. Remetido aoexecutivo, conforme manda a lei, para a devida sanção e publicação, o prefeito, seguindo velho, mas sempre presente ditado segundo o qual “quem pariu Mateus que balance”, recusou-lhe aprovação deixando que o prazo legal se escoasse, com o que a obtusa peça foi devolvida à Câmara, que fica, agora, na obrigação de promulga-la, transformando-a em regra obrigatória para todos os moradores deste Município nem sempre feliz e tocado de sensatez.
Acontece que o presidente do ramo legislativo do governo municipal, Antônio Carlos Ataíde, segundo frequentado “blog” editado nesta cidade, estaria resistindo. Ele, que está a pique de deixar o mandato de presidente ao fim de administração elogiada até por quem não perdoa santidade, nãoquer envolvimentocom o assunto, que vê como barriga de casa de adobes, e quer deixar a tarefa para o seu primeiro vice, por sinal autor do projeto, vereador que não deverá encontrar dificuldades para tão grande, meritória e patriótica tarefa a merecer banda,hino, noticiário internacional e nota no wikileaks ao lado dos documentos secretos do ministro Celso Amorim.
O “toque de acolher”, já não restam dúvidas, inexoravelmente entrará em vigor. É uma fatalidade legal. Teremos que abandonar o Estatuto de Criança e do Adolescente, que tem merecido elogiosdo mundo inteiro, aplicado com alguns bons resultados, e adotar a lei local. A dificuldade está em saber quem vai fazer o toque,onde recolher os menores apreendidos e que destino dar a eles e elas. Os órgãos de segurança, que atuam no Município, andam sobrecarregados, semdar conta de suas tarefas normais. Todas as esperanças recaem sobre a Guarda Municipal, que passa a impressão de estar mais interessada em sua organização e na defesa de seus direitos do que em qualquer outra coisa. A Guarda, a certa altura de sua reestruturação, no atual governo, pelas entrevistas de alguns líderes passou a impressão de que a qualquer momento poderia botar tropa na rua, desencadear golpe militar, marchar contra a Prefeitura, depor o prefeito, assumir o governo e passar mais de vinte anos no poder, oque obrigaria muita gente a se esconder em São José das Itapororocas para reaparecer, tempos depois, dizendo que buscou refúgio na França e foi professor da Sorbonne.Não é solução para o grave problema.
Mas, enquanto as questões levantadas pelo toque são debatidas, surpreendeu notícia divulgada pelo programa radiofônico de Joilton Freitas,“Rotativo News”, de que vereador apresentou ou pretende apresentar (não temos certeza), projeto de lei criando a obrigação, para as poucas livrarias existentes nesta cidade, de ter, no mínimo, em suas prateleiras, cinco por cento de autores nordestinos, submetendo os infratores a duras penas. Ressalvada a notória seriedade da fonte, não podemos enxergar a notaa não ser como brincadeira de mau gosto. Os limites da república independente de Feira de Santana, como os de Princesa, na Paraiba, são muito restritos. O hospício épequeno. Não há lugar para outro toque, o de acolher livros.

A GUERRA QUE NÃO HOUVE

Não deixou de causar estranheza a quem foge da superfluidade, o insólito hasteamento da Bandeira Nacional, no último domingo, no Complexo do Alemão, no alto da Estação do Periférico, depois que forças do governo invadiram terrenos dominados por traficantes de drogas. A cena, propositadamente patética, fez lembrar tropas da União Soviética, em 1945, a desfraldar a bandeira da foice e martelo no topo do Reichstag, simbolizando a tomada da capital alemã e determinando o fim da guerra na Europa.
Agora, passadas as emoções do momento e amenizada a intensa publicidade que se fez em torno dos acontecimentos, a imprensa começa a analisar os fatos e a buscar as suas implicações a partir do ato simbólico de conquista que marcou a tomada do Morro do Alemão.
Ressalta-se que em nenhum lugar do mundo, mesmo naqueles em que o tráfico de drogas é mais forte e mais intenso do que no Rio de Janeiro, traficantes estabeleceram território com a exclusão quase total do poder público, o que não ocorreu na Colômbia durante o período de terror do traficante Pablo Escobar, e não ocorre, atualmente, no México, onde o tráfico se vale de violência extrema mas sem posse de área delimitada e impenetrável como quartel-general e refúgio de delinquentes.
A propaganda deu às operações de invasão do Complexo do Alemão proporções semelhantes às do assalto que o Cel. Moreira César pretendeu fazer contra o Arraial de Canudos, de fatídicos e lamentáveis resultados. Nada foi escondido. Tudo foi fartamente divulgado: o efetivo das tropas, o apoio dos Fuzileiros Navais, de forças do Exército e ajuda da Força Aérea com os seus helicópteros, máquinas indispensáveis à guerra moderna, completados com recursos de eficientes meios de comunicação, equipamentos de visão noturna, blindados de combate, “caveirões” da polícia, hospitais de campanha, minucioso planejamento e logística impecável.
O grande combate que se esperou contra forte e desesperada resistência de traficantes e de todos os demais criminosos acoitados no morro, com intensa fuzilaria, fogo de metralhadores, granadas, perda de vidas humanas e prejuízos materiais não ocorreu. Foi outra batalha de Itararé, “a maior batalha que não houve”, no dizer de Aparício Torelly, autor de “Máximas e Mínimas”, que escreveu: “de onde menos se espera, é daí que não sai nada”. O Brasil, aliás, é palco de sangrentas lutas que não houve, como a famosa “Revolução dos Alfaiates”.
Pipocar de tiros, é verdade, não deixou de existir no morro. Esparsos e ralos, provavelmente destinados a distrair as forças legais enquanto os chefões arrumavam trouxas e fugiam, deixando parte do armamento e do estoque de drogas que não puderam carregar. A incursão armada e a ocupação do Alemão, com algumas prisões, entretanto, foram extremamente necessárias. Os bandidos estavam a aterrorizar o Rio de Janeiro e tentavam intimidar a polícia, ameaçando espalhar-se por outros Estados. A ocupação deve continuar e se estender a todos os domínios do tráfico. O povo precisa de paz e segurança para trabalhar e cuidar de seus interesses.
Não podemos admitir, entretanto, que o episódio seja politicamente explorado e que as autoridades insistam na beligerância dos traficantes, que na verdade não são combatentes mas, acima de tudo, comerciantes do crime, que retiram lucros da compra e venda, às vezes modificando e agregando valores às suas mercadorias, movimentando grandes somas em dinheiro. O golpe mortal ao tráfico de drogas só ocorrerá quando forem atacadas suas fontes financeiras. Território, para abrigar criminoso endinheirado, qualquer um serve.

A MALA-PRETA DA CÂMARA
Mala já foi “espécie de saco de couro cerrado com cadeado, em que se leva o fato a cavalo”. Fato, no caso, indumentária ou trastes domésticos. Podia significar, também, rebanho de bodes ou vara de porcos, sentido que lhe deu Camões certa vez. A mala tem sido objeto de suma utilidade na história humana e seu uso aplica-se a diversas atividades. Estendeu-se ao comércio, aos correios e à diplomacia.
Malas, hoje, existem de toda sorte, formato e preço. São imprescindíveis em mundo que se movimenta freneticamente. Ainda existem malas de fabricantes de caixões de defunto, de madeira leve recoberta de material amarelo com fechadura ou tranca de ferro para cadeado. As mais baratas levam corpo de papelão. Algumas podem ter cantoneiras para reforçar quinas e exibir tiras de couro com fivelas para maior segurança do conteúdo. Não confundir com baú, malas grandes em que se depositavam os guardados e as inutilidades da casa como panos velhos, objetos caídos em desuso, cartas, papeis, fotografias e escorpiões. Dos baús restam poucos exemplares, alguns de alto preço, verdadeiras obras de arte.
De onde vem mala-preta? Mala compreende-se. Mas, por que a pretidão? Preto, na antiguidade, era o escrevo negro (servus niger). Em Alcobaça dava nome ao carneiro guia. No Portugal antigo pretos tinham em seus brasões de armas um braço negro com bastão de ouro na mão. De pretos eram chamados temperos como a pimenta e o cravo. O mesmo nome era dado a alguns adubos. Na lenda, Preto, filho de Abante, rei dos Argivos, brigou com seu irmão, Acrísio, desde que estavam juntos no ventre materno. Adultos, continuaram brigando até que se reconciliaram quando Jobetes, rei da Lícia, sogro de Acrísio, deu-lhes iguais domínios. Preto foi nome de moeda portuguesa no tempo de El-Rei D. Duarte. Já havia os Reais Brancos quando o rei mandou cunhar os Reais Pretos. Dez Pretos, porque sua liga metálica era mais fraca em estanho, valiam um Real Branco. Será que a expressão mala-preta deriva da antiga moeda portuguesa? Dizem que é criação do futebol brasileiro, responsável, também, pela mala-branca. A preta seria para fazer corpo mole e, a branca, para tentar vencer.
Quando vereador disse, de público, que nos entendimentos para eleger a nova mesa da Câmara Municipal estava funcionando a mala-preta, ninguém se abalou. O povo, na sua sabedoria, acredita que tudo na política resolve-se por meio do instituto da corrupção, que passou a fazer parte irremovível da vida nacional, mas não acreditou na mala legislativa que só causou barulho na Câmara porque lançou suspeitas sobre toda a edilidade. Ninguém acreditou porque mala-preta significa custos, mas, no episódio, não existe a possibilidade de benefícios. É a tal história da vela e do defunto. O assunto deve estar morto e sepultado em poucos dias.
Para contrabalançar a chatice do noticiário político, espicaçou a curiosidade, no seio da população, o anúncio de engenhoca cuja adoção teria sido sugerida à Prefeitura. A máquina, em lugarejo do Rio Grande do Sul, teria feito sucesso miraculoso. A aparelhagem anunciada, sem detalhamento, agiria de forma semelhante ao escudo anti-missil pretendido pela OTAN e funcionaria do seguinte modo: tiro no Tomba, Viveiros ou qualquer outra parte da cidade seria detectado, em quinze segundo, com identificação do tipo, calibre, país e data de fabricação da arma. Não identificaria, entretanto, o autor do disparo. Teríamos, assim, a imediata e inócua, mas sumamente interessante estatística dos disparos de arma de fogo feitos em Feira de Santana, diariamente, com a determinação do local e outras especificações técnicas. Os criminosos, aqueles que andam a matar, diariamente, permaneceriam incógnitos, impunes, fagueiros, em lugar incerto e não sabido.
A maravilhosa geringonça custaria, aos cofres públicos, dois milhões de Reais. Os custos da manutenção não foram revelados. Seriam, provavelmente, maiores do que os da Colônia Lopes Rodrigues.
Não seria melhor comprar um helicóptero? Vamos pegar leve!

ELEIÇÕES, MALDADES E LENDAS
O mal, no decorrer dos tempos, tem sido representado de muitas formas. Houve época em que Gog e Magogeram “príncipes ferozes e bárbaras nações que em várias partes do mundo ajudam o anti-Cristo a perseguir os cristãos”. Eram culpados de todas as desgraças do mundo. A lenda ganhou força na Inglaterra onde os dois, sobreviventes da prole do imperador Diocleciano, teriam desembarcado em companhia de grande número de demônios. Os demônios foram mortos pelo povo. Gog e Magogsobreviveram. Tinham porte gigantesco. Acorrentados, levados a Londres, mereceram estátuas em museus e galerias. Uma delas,de mais de quatro metros de altura, foi esculpida por Robert Saunders. O famoso escritor italiano Giovani Papini deu, aum de seus livros, o título de “Gog”.
Os dois realizadores da maldade, entretanto,são figuras bíblicas. Magog estáem Ezequiel, apontado como filho de Jafet. Ele e Gog surgem, ainda, em Daniel e no Apocalipse, ambos ameaçando, com exército numeroso como as areias do mar, as nações da Terra, liderados pelo próprio Satanás.
O mal, não há remédio, é próprio do homem, como o riso,conforme disse Rabelais no poema com que abre o “Gargantua”. Defeito de fábrica. A criação não adotou o recall, invenção da moderna indústria automobilística, de modo que a existência do malpode ser apontada, conforme as conveniências, em todas as atividadeshumanas, entre as quais uma das mais importantes, a da política partidária, berço e continente de fortes paixões, variegados interesses e quejandos.
Volta-se, agora, provavelmente por falta de outros motivos, a apontar duas desgraças, dois terríveis males, o Gog e o Magogque estão a ameaçar e a corroer todo o equilíbrio e o progressode Feira de Santana: o chamado voto dado a candidatos de fora e o vidro que separa, na Câmara Municipal, o plenário das galerias.
Os fatos da vida às vezes demonstram extrema superfluidade. Não se cuida do funcionamento da Câmara, da sua utilidade, da repercussão social dos pronunciamentos, do posicionamento dos representantes do povo diante dos problemas populares, do conceito de que a casa legislativa do governo municipal goza perante a população e do futuro do órgão por não poucos considerado oneroso demais para o mambembe serviço que presta aos munícipes.
Alega-se que o vidro separa e distancia o povo dos vereadores. É afirmação demagógica, sem sentido e sem razão. O povo desta terra desde o raiar do sol está se esbofando, diariamente, pelo pão de cada dia, cuidando da vida em coletivos de segunda classe, nas fábricas, nos negócios, nos ofícios, atrás do balcão. Não lhe resta tempo para frequentar as galerias da Câmara. Presença constante, ali, é a de interessante tipo humanoque exibe espécie de farda e procede como dono e guardião da casa. Oferece semelhanças com personagem de conhecida série da Tv por assinatura, que aparece com farda surrada e se apresenta como único general negro da Guerra de Secessão.
O que interessa ao povo é se o vereador cumpre seus deveres, sabe o que está fazendo e não gasta o dinheiropúblico a fazer denuncias falsas e a aprovar, em forma de lei, toda maluquice que possa aparecer nas redondezas e abas do Município.
Outro motivo de choradeira, não se sabe até que ponto sincera ou de carpideira profissional, é o dos votos dados a candidatos de fora,que teriam arruinado candidaturas da terra. Feira de Santana deveria, então, funcionar como enorme e suculento curral eleitoral. É bom lembrar que já houve tentativa. Cogitou-se, certa época,até da instalação de cercas e cancela para perpétuo uso doméstico e repetida eleição do chefe, filhos, noras, genros e sogras. Felizmente não deu certo.

A MARCA DA MICARETA
O noticiário político costuma dominar os meios de comunicação antes e depois de eleições. É natural. O jogo político e o resultado das urnas sempre despertam curiosidade generalizada, particularmente entre os apostadores, que costumam transformar os pleitos eleitorais em verdadeiras loterias, com o que não poucos dão curso à incoercível tendência para a jogatina, de cuja exploração bandidos, governos e as mais santas atividades deste mundo não se podem eximir, todos culpados de loterias, roletas, caça-níqueis, bingos, leilões ou inocentes quermesses.
O interesse é de curta duração. Leva, normalmente, o tempo da efervescência partidária. Desta vez, entretanto, o noticiário em torno de movimentos políticos passa dos limites, prolongando-se com enorme intensidade de modo a quase dar sumiço a outros fatos relevantes, do interesse público, como os homicídios, que ameaçam alcançar, diariamente, diante de fatos recentemente ocorridos nesta cidade, a casa da dezena, fazendo surgir a necessidade de mais rabecões, legistas e necrotérios, providências que evidentemente, por descuido, não constam dos planos de realizações do governo do Estado. O “caveirão” é outra medida urgente que a comunidade e a imprensa têm que reivindicar dos representantes.
O prolongamento do noticiário político não trata mais de eleições e dos seus resultados. Cuida, quase exclusivamente, de fugas, deserções, adesões e rendições, em notas que reunidas poderiam superar tudo o que se escreveu sobre Benedict Arnold, o trânsfuga da Revolução Americana, Joaquim Silvério dos Reis, o inconfidente mineiro, e o sempre espancado Judas Iscariotes, segundo alguns mais vítima do que culpado. Teria agido a serviço.
É assustador o número das pessoas mencionadas como prontas a buscar de abrigo seguro em governos. Mais assustador ainda é a qualidade, o nome, o passado de políticos apontados como puladores, fato que poderia sugerir emenda constitucional, acabando com partidos e estabelecendo, para as organizações partidárias, a denominação de galho, substantivo que assumiria novo, nobre e respeitável sentido dentro da democracia brasileira.
As notícias de deserções felizmente não se confirmaram, salvo as que ocorreram antes das eleições. Essa pletora de preocupantes notícias, se devidamente confirmada, faria desaparecer o que é fundamental ao correto funcionamento da democracia, a existência de oposição, mas quase apagou, da mídia, anuncio que não deixa de ser importante, do interesse geral, o de concurso para a escolha de marca eterna, indelével, inexorável, intransferível e inapagável para a nossa Micareta (não confundir com impagável, muito menos com Indelével, indivíduo que viveu nesta cidade e provocava assuadas toda vez que aparecia nas ruas).
Fato indiscutível é que a Micareta está fadada e ter marca famosa como Coca-Cola, Gillette, Formicida Tatu, Smith&Wesson e Balas Dum-Dum, com o que ficará selado, definitivamente, o seu destino de produto industrializado, empacotado e pronto para o consumo das multidões ululantes.
Destaque-se, entretanto, o pioneirismo de Feira de Santana. Inventou a Micareta em 1937. Agora cria marca, brasão de armas e bandeira para a grande festa, de modo que pessoas do mundo inteiro, diante do notável invento, haverão de procurar, imediatamente, transporte para esta cidade.
Tudo fica mais interessante se levarmos em conta que nunca tiveram marca as mais famosas festas carnavalescas do mundo como as de Nova Orleans, Rio de Janeiro, Recife, Veneza, Salvador e Colônia.
A Micareta não precisa de marca. Só precisa de Micareta.

Pensar no futuro

O momento não é de experiências nem de aventuras. O Brasil, sob certos aspectos, registrou grandes avanços nas conquistas sociais. Imprensa e órgãos ligados ao governo federal chegam a falar de ascensão de classes que só agora dispõem de algum crédito e acesso a determinados bens de consumo. É fato indiscutível que apesar das dificuldades a situação financeira do brasileiro melhorou, abrindo-lhe novas perspectivas, o que é atribuído, na atual campanha sucessória, ao novo milagreiro do nordeste, o Santo Lula. Ninguém lembra que o país, no decorrer de sua história, tem sido abalado por crises de toda ordem mas sobreviveu e venceu dificuldades pelo trabalho de seu povo, incluídos, nesse esforço, que em algumas ocasiões pode ser considerado heróico, todos os trabalhadores, do borracheiro de beira de estrada ao empresário de alto coturno.
Ninguém fala do papel que o povo tem no progresso e nas conquistas brasileiras, superando dificuldades, enfrentando estradas abandonadas pelo poder público, portos envelhecidos, impostos escorchantes, altas taxas de juros e política cambial que muitos apontam como ruinosa. Apesar de tudo o governo bate recordes de arrecadação, mas não cuida de conter despesas governamentais como forma de prever o futuro do Real e garantir que a inflação não volte a consumir os salários. Todo o avanço é atribuído ao presidente da República, que ultimamente vai até tomando o aspecto de taumaturgo, daqueles que em certa época viviam a abalar os sertões nordestinos, esparramado sobre os seus oitenta por cento de aceitação popular.
A campanha política, no rádio e na televisão, desvia-se, por um motivo ou outro, do que o povo precisa ouvir, para se fixarem assuntos supostamente de ordem religiosa, para agradar esse ou aquele grupo, em discussões que a nada conduzem porque é impossível deter a evolução do mundo. É preciso lembrar que a Terra já foi plana, que Galileu teve que se humilhar e suportar condenação porque disse que os astros se moviam e se existiu instituição intocável, neste país, foi a do casamento, que não resistiu e tombou, apesar da ferrenha e às vezes amedrontadora campanha movida contra o divórcio, hoje banalizado e facilitado por legislação cuja validade ninguém discute, que apeou o casamento do pedestal de instituição sagrada para lhe dar a verdadeira, banal e muitas vezes incômoda condição de simples contrato civil, facilmente rescindível, até sem motivo, a qualquer tempo.
O que deve preocupar, agora, o povo brasileiro, é a quem vamos entregar os destinos da pátria nos próximos anos, o que significa entregar o destino de cada um de nós. Há muita coisa em jogo. É certo que Lula foi eleito. Mas já era sobejamente conhecido. Começou nas lutas sindicalistas de São Paulo, participou da fundação de partido político, elegeu-se deputado federal e foi candidato à presidência duas vezes antes de ser eleito. Sua ascensão à chefia do país não deixou de ser risco que deu certo, em boa parte, mas não justifica, agora, que o presidente nos imponha perigoso salto no escuro.
Apesar de todo o carisma que o presidente tem demonstrado no decorrer de sua vida pública, sustentado pelas bolsas que vem distribuindo, não podemos aceitar que tire candidata do bolso do colete, quando nem colete usa, e a imponha ao povo brasileiro com base, exclusivamente, na popularidade que angariou nos seus quase oito anos de poder.
Nem durante a Velha República há notícia de candidatura imposta de forma tão deslavada, como a que o presidente apresenta, cujas virtudes seriam as do governo quase defunto. Não é argumento a que se possa dar validade e crédito.
Devemos pensar em nosso futuro.

PLÍNIO, O VELHO, E OUTROS SUJEITOS

“A vida há de te ensinar!”. O vaticínio (há outros semelhantes), comum entre nossa gente, dirigido a pessoas incorrigíveis ou merecedoras de punição, revela que sempre resta a esperança de que a experiência endireite tortos ou imponha sofrimentos ao culpado, o que nem sempre ocorre. A crença de que a humanidade aprende com os percalços da vida cresceu quando Plínio, o Velho, descobriu, na sua famosa “História Natural”, que o homem é o único bicho incapaz de aprender qualquer coisa, sem ensinamento, a não ser chorar.
Certamente que fatos, circunstâncias, conjunturas, sucessos e situações sempre trazem no bojo avisos, lições e alertas na grande universidade da existência, nem sempre observadas e aprendidas porque na vida existem, além dos fatores imponderáveis, aqueles que dependem do destino, outros, frutos da própria natureza do homem como a avareza, a cupidez, a vaidade, o orgulho, a auto-suficiência, que levam à falsa avaliação do próprio poder, talento e importância perante a comunidade.
Se todos os fatos da vida encerram lições, a política partidária, que não sai do cotidiano, mas ingressou, desde cedo, na vida do povo brasileiro, inextir-pavelmente, é extenso manancial, precioso repositório de ensinamentos e lições que deveriam ser aprendidas, seguidas e observadas por todos os que militam no difícil e pantanoso ramo, em que a arte de pular se oferece como das mais complicadas e de duvidosos resultados.
Mestre do pulo, que alcançou culminâncias, foi Joseph Fouché. Quase padre, mandou a batina às favas vendo, na Revolução Francesa, sua grande oportunidade. Largou afazeres - era professor de seminário – deixou crescer os cabelos e ingressou no movimento revolucionário. Não perdeu o barco. Tornou-se amigo de Robespierre. Começou a perseguir a nobreza e conseguiu lugar na Convenção Nacional. Aderiu aos moderados, mas votou pela execução de Luis XVI. Tornou-se radical. Temendo pela própria cabeça tentou afastar-se dos acontecimentos exercendo cargo de segundo escalão, no qual mandou matar dezenas de pessoas. Apontado como herói que livrou o povo do Terror, foi chamado a Paris para dar contas de suas atividades. Temendo a guilhotina, passou a tramar contra Robespierre que foi guilhotinado. Transformou-se em servidor do Diretório. Foi nomeado Ministro da Polícia. Napoleão o manteve no cargo. Recebeu o título de duque. Conspirou contra Napoleão. Restaurada a monarquia, Luis XVIII condenou Fouché à morte. Conseguiu fugir. Reapareceu no governo dos cem dias de Napoleão e aderiu, novamente, à monar-quiano seio da qual desfrutou de grande prestígio.
Nem todos os puladores, entretanto, têm a sorte e a habilidade de Fouché. Fatos recentes mostram o que está à vista de todos: “quem pulou se campou” como está a dizer o povo nas ruas.
Os tempos e os muros são outros. Os fatos, diante de exame mais amplo, mostram quanto a política atual se distancia daquela dos tempos de Fouché. Depois da queda da União Soviética, corroída nas suas próprias bases, surgiu novo modelo de partido, que tem paradigma no Partido Comunista Chinês, em que se permite certa abertura mas se exerce controle absoluto sobre o que é essencial na economia e sobre a opinião pública através da mídia. No cerne do poder político não há lugar para oportunistas e puladores, desejados para ajudar, mas impedidos de chegar ao comando por falta de pedigree.
Não houve recuo mas adoção de nova estratégia, a da abertura para qualquer adesão que signifique apoio e avanço econômico. O poder, entretanto, não pode ser dividido a não ser entre os genuínos membros do partido. O projeto está em curso, no Brasil, sob o manto da defesa dos pobres, e em outras repúblicas sul-americanas, pacientemente executado em etapas sucessivas. Encontra, entretanto, umsério entrave: neste país temos a mania da liberdade.

Eleições

O processo democrático brasileiro viu-se frustrado com a Revolução de 1930, que impediu a posse do presidente eleito, Júlio Prestes de Albuquerque, e como perecimento da candidatura de Armando Sales de Oliveira, à presidência, com o golpe de 37, que estabeleceu, no país, a Nova Ordem fascista, funesta ameaça que pairava sobre o mundo civilizado a pretexto de combater o comunismo.
Na campanha de Júlio Prestes surgiu, neste país, o jingle de propaganda política em disco e no rádio com samba interpretado por Chico Alves, em que o candidato era chamado de “caboclo” e de “seu Julinho”: “Eu ouço falar/ Que para o nosso bem/ Jesus vai nos ajudar/ E seu Julinho é que vem”. Antes havia apenas música de chacota ou tentativa de ridicularizar o candidato, como a marcha entoada, nesta cidade, em passeata, com a banda da “25 de Março”, contra Artur Bernardes: “Ai, Seu Mé/ Ai, MéMé/ Lá no palácio das águias, olé/ Não hás de por o pé”.
O Brasil, a partir de 1945, com grande euforia da imprensa e das mulheres, que votaram pela primeira vez, foi invadido por eleições. Durante o Estado Novo falar de eleição podia resultar em cadeia. Em 2 de dezembro de 45 elegemos presidente da República, Eurico Gaspar Dutra, deputados federais e senadores. Em 19 de janeiro de 1947 voltamos às urnas para eleger governadores, novos deputados federais e senadores, para atender à Constituição de 1946, deputados estaduais, além de prefeitos e vereadores.
Neste Município lançaram candidatos à Prefeitura a UDN, união de quase todas as correntes que lutaram contra a ditadura, inclusive esquerdistas moderados, que formariam ala denominada de Esquerda Democrática, transformada, depois, em Partido Socialista Brasileiro, e o PTB, que aglutinava antigos partidários da ditadura getulista.
O candidato da UDN foi Carlos Arthur Rubinos Bahia, vastamente conhecido e festejado, herdeiro político de uma das mais importantes figuras da história local, Bernardino da Silva Bahia. O PTB lançou a candidatura de Aguinaldo Soares Boaventura. Santa-marense, homem de grande força física, trabalhador e inteligente. Gozava da fama de intelectual. Começou a vida vendendo café que torrava e moía em pilão. Estabeleceu-se, por fim, com o “Café Aromático”, na Rua Mal Deodoro, usando vasto e moderno equipamento industrial em que moía grandes quantidades de café, arroz e milho. Seus produtos ficaram famosos.
Aguinaldo fez, do “Café Aromático”, o seu comitê. Combinou, com os amigos, que eram muitos, que ficariam, durante a campanha, a entrar e sair do “Café”, passando a impressão de enorme e diário movimento eleitoral. O PSD, que já tinha a presidência da República, maioria no Congresso, havia vencido as eleições anteriores, dominava a zona rural e mandava nas autoridades, acovardou-se. Não lançou candidato. Agui-naldo, quase às vésperas do encerramento do prazo para o pedido de homologação de candidaturas, fez largo e demorado passeio de automóvel pelas principais praças e ruas da cidade, acompanhado de um dos mais importantes líderes da UDN. Correu a notícia. No dia seguinte o PSD o apoiou. Venceu a eleição.
Aguinaldo Soares Boaventura foi, assim, o primeiro prefeito eleito sob a égide da Constituição de 1946. Protagonizou vasta gama de episódios que narrados, hoje, hão de parecer criação folclórica. Impediu, com tabique, o acesso à Câmara Municipal, que funcionava no andar superior da Prefeitura. Repeliu a polícia, vereadores e populares, liderados pelo delegado João Pereira Aguiar (Janico), que em dia de pleito costumava usar destacamento para pressionar eleitores nas seções eleitorais. Os que se reuniram, raivosamente, à frente da Prefeitura, querendo invadir o prédio para derrubar o tapume, fugiram quando o prefeito mandou Missuissa metralhar todo mundo e o guarda apareceu, na porta da Prefeitura, empunhando cavaquinho enrolado em jornal velho. Os vereadores, desesperados, recorreram a Otávio Mangabeira. O governador prometeu providências, mas consta que lamentou não poder fazer o mesmo com a Assembléia Legislativa.

A VIOLÊNCIA NA POLÍTICA

O golpe, que instituiu a república e baniu o império, já periclitante, não deixou de ser ato de violência, que tem sido não desprezível parte da história republicana brasileira. A renúncia de Deodoro, eleito indiretamente, e o governo de Floriano, que sustentou, a ferro e fogo, em episódios de extrema coragem e audácia, o novo regime e a própria unidade nacional, como naquele em que o presidente ameaçou de cadeia os membros do Supremo Tribunal Federal na ocasião do julgamento de Habeas-Corpus impetrado por Ruy Barbosa em favor de presos políticos, desdobraram-se, em todo o território nacional, na luta pelo poder, em episódios de prepotência e sangue, alguns a provocar escândalo e protestos com enorme repercussão na imprensa. Não poucos os que pela gravidade dos acontecimentos e a grita do povo ingressaram, definitivamente na história do país.
Acontecia que na época, como ainda hoje, em certos aspectos, a fonte do poder estava no governo do Estado. Na República Velha a luta pelo domínio significava empregos e força, facilidades para ganhos financeiros, que se resolviam, a nível municipal, no controle do destacamento policial, na nomeação de delegados de polícia e até de promotores e juízes de direito. O chefe político reinava, soberano, em seus domínios, perseguindo e humilhando, banindo e matando, quando necessário, os que se atrevessem a lhe fazer sombra e oposição, o que não foi, necessariamente, herança do regime monárquico, sistema unitário, de rarefeito número de eleitores e demoradas decisões porque tudo de resolvia na Corte, e nem ocorreu em todos os municípios, manifestando-se mais forte naqueles, produtores de riqueza, em que os interesses econômicos comandavam os políticos e estavam acima das mais corriqueiras regras de conduta. O exercício da violência, às vezes exagerado, demonstração de poder, servia, sobretudo, para manter o eleitorado sob controle. Na Bahia, espalhados nos sertões, ainda há lembranças de autoridades expulsas, sob foguetório e tiroteio, no lombo de burros. Não era incomum a remoção de juízes e promotores a pedido de chefes políticos, festejada, ruidosamente, pelo povo e jagunços agitados e felizes com o acontecimento.
Em Feira de Santana, que nasceu pobre e pobre viveu a maior parte de sua história (só ultimamente muitos ficaram ricos, a maioria de olho no oficial de justiça portador de mandado de busca a apreensão), há esparsos casos de prepotência e violência política, como o da invasão da Intendência, pela polícia, e o da professora, concursada e empossada teve negado, pelo diretor da Escola Normal, o direito ao exercício do cargo por ordem de chefia política. Há outros. Certa professora, veemente participante de lutas políticas, durante anos lutou contra certo chefe local com todas as armas possíveis. Certa noite, vésperas de eleição, aos berros, esbaforida – como era de seu hábito – invadiu a casa do adversário, gritando, quase em lágrimas, a pedir perdão. Quem a havia perseguido e prejudicado fora seu próprio chefe, dizia ela, “aquele miserável” por quem vinha lutando e criando casos durante tanto tempo.
Se Feira não tem a lamentar, na sua história política, fatos como o do linchamento de dois sergipanos, que estavam presos, em 1897, em Araraquara, sob os olhares coniventes da força policial, fato que comoveu o país inteiro e provocou protestos, terminando com a absolvição dos envolvidos em julgamento arranjado e vergonhoso, não há como ser complacente com a violência política que de vez em quando volta a ameaçar a paz social. É claro, os tempos são outros, mas não deixam de causar inquietação os excessos verbais a que se estão entregando vereadores em seus pronunciamentos na Câmara, havendo até boatos de que alguns estão portando armas de fogo nas sessões.
O exercício da vida pública não pode ser como na fábula de Fedro: pego tudo para mim porque sou mais forte e valho mais. Não há lugar para tal espécie de conduta.

O Cadafalso

Quando o nazismo ameaçava assoberbar o mundo com intensa propaganda em torno de grandes progressos e avanços,exibindo, com extraordinário ufanismo, a “Juventude Hitlerista”, entativa de reviver antigos gregos no seu culto à juventude e à higidez física, no Brasil o “Estado Novo” se esforçava para imitar o totalitarismo alemão na sua busca de apoio e empolgação dos jovens, inventando “A Semana da Pátria”.
Durante a “Semana” estudantes de escolas públicas, antes da aula, tinham que cantar hinos e marchas patrióticas, como”O Cisne Branco”, marchando, quando chovia, dentro da própria sala de classe, à vista do retrato do ditador brasileiro, obrigatório em todas as dependências onde houvesse serviço público. Tudo muito trágico e ridículo, porque a maioria dos meninos entoava hinos e marchas do jeito que sabia, quase sempre equivocado.
O dia mais importante, que encerrava a “Semana”, era o “Sete de Setembro”. Durante vários dias preparava-se a parada da Independência. As professoras, temerosas de punições e processos, ameaçavam os alunos de penas graves, com a anotação de dezenas de faltas, reprovações e expulsões, todas capazes de liquidar a vida estudantil de qualquer um. Da presença, obrigatória, só escapava quem apresentasse atestado médico de doença terminal.
No dia da parada, às sete horas, à porta da escola estavam todos reunidos, em formação militar, fardamento lavado e passado e galopins, espécie de tênis primitivo,exigido pelas escolas para o que se chamava de aulas de educação física. Dirigiam-se à Praça João Pedreira, sempre vigiados pelas professoras, a exigir marcha e ordem, preocupadas, botando os bofes pela boca, com possíveis punições pelo crime de lesa pátria. Lá pelas oito horas centenas de crianças estavam a aguardar o início das solenidades e do desfile. Carregando, no bucho, apenas o café da manhã, ficavam, durante horas, a esperar, sob oimplacável sol destes pagos, sem água e sem direito a sanitário, em rígida formação, o início das solenidades, que se desdobravam lentamente. Apareciam asprincipais figuras da cidade e as lideranças do ensino, o prefeito, o delegado de polícia, diretores de escolas, bandas de música, o presidente do Tiro de Guerra, durante muito tempo o Coronel Honorário, Álvaro Simões Ferreira, fardado, exibindo capa semelhante à do Marechal Foch, personagem famoso da Primeira Grande Guerra, o gerente do Banco do Brasil, o chefe da Agência dos Corrêios e Telégrafos, maestros e diretores das filarmônicas, professores de destaque e grande massa popular, reunidos no limite entre a Praça João Pedreira e a Avenida do Senhor dos Passos. Alí instalava-se atribuna de madeira do salão principal do Ginásio Santanópolis, havia discursos laudatórios, entoava-se o Hino Nacional e só então tinha início o desfile, já perto do meiodia. Àquela altura dos terríveis acontecimentos a sede atormentava a meninada, a grande vítima dos arroubos patrióticos. Começava a interminávelparada. Marchavam, algumas escolas, enfeitadas, ao som de cornetas, caixas de guerra e tambores. À frente, o Tiro de Guerra, orgulhoso, seguido dos principais colégios. A meninada ignara, desorganizada e já trôpega fechava o desfile. Houve, certa época, acirrada disputa entre a Escola Normal e o Ginásio Santanópolis para a conquista dos louros de quem se apresentava melhor. Passarama usar “balizas” de pernas de fora e bicicletas, poucas, mas já representavam enorme progresso e motivo de ufanismo.O povo batia palmas entusiasmado.
A imprensa está a noticiar que se organiza, nesta cidade, desfile que deverá ocorrer no dia 18, do que se denominou de “Escola na Avenida”, com a participação do Exército, Guarda Municipal, SMT, Corpo de Bombeiros, escolas e diversas entidades privadas, inclusive a Academia Feirense de Letras. O desfile recebe, este ano, a designação de “Escola em Movimento”, o que significa perigo. Que marchem os militares. São adultos, estão treinados. Marchem os intelectuais da Academia. Têm letras para gastar. Sejam poupadas, entretanto, desses tormentos, as crianças das escolas. Os Hitlers e os Getúlios felizmente desapareceram. Quem desejar cadafalso naquele sentido primitivo de palanque, para aparecer, que nele suba sozinho.

O BANDO ANUNCIADOR

Horário radiofônico de grande prestígio está levando ao ar quadro em que pretende, evocando fatos dos nossos costumes e de nossa história, cuidar da preservação da memória feirense.
Um desses dias tratou do “Bando Anunciador”, evento destinado a chamar as atenções populares para as festas em homenagem à Padroeira do Município. O “Bando”, antigamente, era realizado em tarde de domingo. Ninguém anunciaria o que quer que fosse de madrugada, com as ruas vazias. À frente do “Bando”, bandeiras, membros da comissão, que distribuíam impressos com o programa da festa, que despertavam grande interesse entre os partidários das bandas, porque continham a escala de apresentação das filarmônicas, no coreto da praça da Matriz, e a ordem de sua colocação na grande procissão do encerramento da festa, que sempre ocorria na terça-feira que se seguia ao domingo da missa solene. Importante, também, a relação dos pregadores que iriam atuar na novena e na missa.
O atual “Bando-Anunciador”, criação de pessoas ligadas à UEFS, ou da própria, foi dito, vai para as ruas às sete horas porque o horário primitivo, o das quatro da madrugada, foi julgado perigoso.
Incrível como a nossa memória é curta, não alcançando o que ocorreu há mais de quarenta anos, dando lugar a invencionices como a da fundação da cidade por Domingos Barbosa de Araújo, com ares de versão oficial, e a do chamado “casarão”, que teria sido a morada do fundador.
Provocou o engano, talvez, o fato de que no mês que antecedia a festa, até o início da novena, antigamente, toda madrugada de domingo era marcada pela presença, nas ruas centrais da cidade, de ruidoso grupo de foliões fantasiados, dançando e cantando ao som de terno de barbeiros (zabumbeiros) oriundos dos distritos de Santa Bárbara, Tanquinho, Bonfim de Feira e até de outros Municípios.
Os barulhentos grupos matutinos saiam da Praça da Matriz depois de foguetório. Eram formados de rapaziada, que permanecia na farra, desde a noite do sábado, esperando a hora, e aparecia, sem máscaras, mas envergando roupas femininas que tomava por empréstimo nos diversos e acolhedores becos do centro da cidade, e de todo tipo de gente. Havia participantes que se disfarçavam de tal forma, com máscara, macacões folgados e luvas, que ninguém neste mundo seria capaz de lhes adivinhar sexo e idade. Mas, dançavam e cantavam durante horas seguidas. Em certas ocasiões até quando o sol já ia alto.
Dizia-se, na época, que senhoras da sociedade participavam dos bandos matutinos somente para visitar, com a identidade preservada, as instalações do badalado “Cassino Irajá”, motivo de desejo e de intensa curiosidade de muita gente sobre o que ali havia de interessante e de atraente, o que teria levado grandes grupos de mocinhas a se acotovelar na torre da Igreja de N.S.dos Remédios, durante as Trezenas de Santo Antônio, na tentativa de vislumbrar, pelo menos, alguns aspectos do interior do piso superior do “Cassino”, ou, quem sabe, surpreender alguém protagonizando cena proibida para menores.
A vedação dos festejos populares dedicados à padroeira, façanha da Igreja com a conivência da Prefeitura, nem carpideiras gratuitas teve. Em outras localidades poderia resultar em graves protestos, conflitos e atos de violência. A proibição, que tinha seus motivos, todos contornáveis, certamente contribuiu, também, para a confusão entre “Bando Anunciador” e os outros, matutinos, que durante muitos anos deram força e entusiasmo às festas de Sant’Ana, por muito tempo as mais empolgantes e concorridas do interior do Estado.

A COLCHA DA POLÍTICA

Colcha de retalhos já foi coisa de gente pobre, obra de costureiras, que aproveitavam restos de panos usados em confecções e laboriosamente os iam reunindo em peças para cobrir cama ou mesa. As costureiras quase desapareceram do cenário urbano, vencidas pelas “roupas feitas”, que passaram a encher lojas cada vez mais sedutoras, contando com o fascínio da moda, das marcas famosas e dos crediários a perder de vista. Colchas de retalhos, quando chegavam a ocupar lazeres de casas prósperas, eram vistas e admiradas como verdadeiras obras de arte, formato como são, hoje, desejadas e oferecidas, à venda, com desenhos variados e atraentes, por comércio badalado no mundo feminino.
Nos tempos em que apenas serviam para disfarçar pobreza e enganar friagens invernais, a colcha de retalhos, na analogia do povo, passou a dar nome a toda mistura, sem rumo e sem método, de ideias, pessoas e coisas. Na confecção das primitivas colchas não se obedecia a modelo, nem tecidos eram selecionados. Os retalhos iam sendo costurados, uns nos outros, à medida em que apareciam, sem ordem e sem plano pré-estabelecido, respeitando-se, apenas, no que concernia à forma, as dimensões que se desejava dar à peça, elaborada com todas as cores, matizes e estampas disponíveis, com o que a obra tomava, não raro, aspectos de aparato de festa de São João.
Neste Município, com a aproximação do pleito, o panorama político assume feição de desordenada colcha de retalhos sem nenhum respeito à Geometria, com declarações inacreditáveis, inesperadas defecções, adesões e apoios em outros tempos intoleráveis e desgastantes, provocando surpresas e embasbacando o homem comum, que de repente se vê diante de um ser ou não ser muito além de seu fraco entendimento.
Tudo, entretanto, é o que dizem os interessados, se faz em favor do povo e do Município visando à conquista de obras e benefícios públicos, todos eles, por enquanto, consubstanciados em doces e alentadoras promessas.
Não queremos afirmar que o fenômeno é desconhecido e está a criar nova ética na arte da política. Pelo contrário, sempre houve mudanças de rumos, limitadas, é verdade, mas, em regra, de forma total, completa, indiscutível e iniludível, a não deixar dúvidas sobre a posição que cada um assumia, diferente de hoje, quando testemunhamos verdadeiros cismas, talvez comparáveis ao que ocorreu com as tribos de Israel, quando alguns não resistiram aos bezerros de ouro de Joroboão. Resultado: terminaram escravizados no Egito.
A verdade é que ninguém pode apoiar facções conflitantes sob pena de passar a certeza de que está tapeando ou tentando tapear pelo menos uma delas. Embora Maquiavel tenha ensinado que o sujeito que engana sempre encontrará alguém que se deixe enganar, podemos parafrasear provérbio de Marcial e repetir o que todo mundo sabe: partidário de todos, partidário de ninguém.
De toda a balbúrdia e confusão que se está armando na política local, com possíveis reflexos nos rumos do Estado da Bahia, diante do desmantelamento dos partidos e do dilúvio que os vem matando, a atual arca de Noé não pode oferecer lotação ilimitada. As restrições, ferozes, aparecerão em tempo oportuno.
Constatada a bagunça, que caminho terão que seguir os moradores desta terra mui amada em virtude dos seus mais de trezentos mil eleitores? Certamente o de cuidar dos interesses da terra e do seu povo, que sobreviverão a toda confusão armada na política, tratando de reforçar a presença, a força e a voz de Feira na Câmara Federal, mas, sobretudo, no Senado da República, elegendo, para a Câmara Alta, representante que possa garantir, passadas as eleições, que Feira não seja esquecida e abandonada pelos que têm as chaves dos desejados cofres federais.

MEDIDA SALVADORA

A história humana pode ser resumida no estudo das invenções e novidades que têm abalado o mundo e provocado transformações.
Inventos e descobertas não apenas garantem o progresso constante, mas o predomínio da raça humana sobre os demais bichos da natureza, exceto, talvez, a linhagem do mosquito aedes.
A invenção da lança, que nos deu facilidades para matar os semelhantes e caçar animais de grande porte e o uso do fogo, presente de Prometeu, que depois de criar o homem, do limo da terra, deu-lhe vida, inteligência e capacidade de lesar o próximo com fagulha que roubou do Sol, tiveram larga repercussão no desenvolvimento humano, que cresceu com a pólvora, facilitando vastas matanças superadas, apenas, pela bomba atômica e pelos micróbios causadores de doenças, de cuja invenção ninguém cogita, atribuindo-a, sem grandes argumentos, às artes do demônio.
Descoberta que abala o mundo, aperfeiçoada pelos antigos gregos, superando o cinema, a televisão, o computador e as máquinas caça-níqueis é a de que o ser humano é dois em um, dividido em corpo mortal e alma imortal, o que deu lugar ao aparecimento de centenas de pessoas e organizações destinadas a orientar e dirigir a alma no caminho de alojamentos confortáveis, ventilados e seguros, mediante o pagamento, em vida, de módicas prestações mensais, diferentes do velho e providencial Caronte, que fazia o transporte, para o outro mundo, sem promessas, cobrando, apenas, três moedas.
A mais sensacional invenção dos últimos tempos, entretanto, é a do telefone celular. Tudo teria começado com o italiano Graham Bell, mas há quem diga que o verdadeiro inventor do telefone foi um padre de Santa Catarina.
O celular transformou-se, rapidamente, em objeto de desejo de todos os viventes. De tamanho reduzido, brilhantes, atraentes na forma, accessíveis de preço, os celulares fazem quase tudo, faltando-lhe, apenas, fritas batatas para o tira-gosto.
Há pessoas que andam com dois ou três celulares, que exibem em balcões e mesas de botequins, como prova de seus grandes negócios e enormes responsabilidades.
Como toda novidade que abala as estruturas tradicionais, o celular tem enfrentado restrições e combates. No início disseram que seu uso causava tumores cerebrais, impotência e doenças cardíacas. Ultimamente surgiu feroz combate às torres transmissoras dos sinais dos celulares, capazes, segundo alguns, de matar sem grande burocracia, o que nos leva a mais um paradoxo: todo mundo quer celular, mas ninguém quer as torres.
Trilhando outro íngreme caminho, o do combate ao crime, do qual não se deve afastar a presença de quem manda e como conseqüência proíbe, a Câmara Municipal acaba de aprovar pitoresco projeto de lei, que veda o uso de telefones celulares não perto, na frente, ao lado, no sanitário ou nos fundos, mas no interior de agências de banco. A medida encerra duvidoso intuito, o de extinguir o crime denominado de “saidinha bancária”, que no cômputo dos delitos contra o patrimônio, nesta cidade, ainda que entrem na conta as simulações, não chega a um por cento.
À nova providência salvadora ninguém pode negar certo conteúdo poético e vida breve mas é inconstitucional na medida em que restringe o direito de livre comunicação, entre as pessoas, garantido na Constituição da República.

TIPOS POPULARES

Todas as épocas e todas as comunidades têm seus tipos populares. Alguns desfrutam de fama e notoriedade. A maioria, entretanto, desparece no turbilhão da vida muito mais rapidamente, hoje, do que em outros tempos.
O Rio de Janeiro, nos anos trinta, conheceu o dr. Jacarandá, negro, imponente de porte, advogado no foro criminal, portador de vozeirão e barba em ponta, que andava de monóculo no olho esquerdo, sobraçando velha pasta, envergando sobrecasaca fora de moda, ostentando, no indicador da mão direita, enorme rubi de pechisbeque. Sua linguagem era extraordinariamente pitoresca, mas citava de cor artigos do Código Penal e frases em Latim, despertando curiosidade e sorrisos irônicos dos bacharéis formados. Um deles ameaçou o dr. Jacarandá de processo pelo uso indevido do título de doutor. Jacarandá, entretanto, defendeu-se dizendo que o “doutor” não passava de apelido da infância.
Narra Pedro Paula Filho que a banca do dr. Jacarandá, que jamais passou dos bancos da escola primária, era muito concorrida e suas petições sempre encaradas de boa vontade pelos juízes, espacialmente as de Habeas-Corpus. Sua figura singular nos leva a lembrar outro conhecido advogado popular, que militou na Bahia, durante muitos anos, ganhando o respeito e admiração do povo, sem o espalhafato e sem o título que caracterizavam o dr. Jacarandá, sempre vítima da molecagem das ruas, que constantemente lhe pregavam peças, obrigando-o a recorrer ao “colega”, delegado de polícia mais próximo, solicitando proteção.
Apesar de tudo o dr. Jacarandá teria conseguido muitas vitórias no Tribunal do Júri, ninguém sabe como, e pretendeu ingressar na política quando se lançou candidato ao governo do Distrito Federal com plataforma eleitoral que tinha por base a defesa “dos direitos das senhoras prostitutas”.
Em Feira tivemos, também, um “doutor” notável, o dr. Praxedes. Negro, nasceu na escravidão. Menino ainda manifestou, ostensivamente, suas preferências pela banda da Sociedade Filarmônica 25 de Março, para contrariedade e irritação de seus senhores, apaixonados partidários da Sociedade Filarmônica Vitória, que pretendiam vendê-lo desde que fosse para longe da cidade, num tempo em que havia grande rivalidade entre as bandas de música, o que levou inflamados partidários da “25” a se cotizarem para alforriar o dr. Praxedes, que passando a gozar de liberdade, participava de todas as apresentações da “25 de Março”, marchando à frente da banda sempre vestindo surrado fraque e chapéu alto, tornando-se presença obrigatória e simpática onde a “25” de apresentasse.
No passar do tempo as bandas de musica de Feira tiveram outros Praxedes, pessoas perrnanentemente prontas para ajudar, carregado pastas com as partituras, engrossando o número de adeptos nos “vivas” às cores de sua preferência e nos desaforos às bandas adversárias, conduzindo e soltando fogos de artifício e participando das desavenças, que às vezes resultavam em vias de fato. Desapareceram da memória consumidas pelos novos tempos.

O PASSADO GUERREIRO

A história das comunidades é sempre cheia de hiatos, omissões, suposições, fantasias e lendas na maioria das vezes criadas pela imaginação, interesse ou crença de alguns, ou são decorrentes da incapacidade de muitos para o trabalho da pesquisa e do raciocínio que os leva a aceitar o que está estabelecido como verdadeiro sem indagação e sem dúvidas, as únicas virtudes que em verdade colocam o gênero humano pouco acima da debilidade mental.
A trajetória do Brasil está cheia de dúvidas, a começar de fatos importantes, como o do descobrimento, se foi por acaso ou simples ato de posse; o Grito de Independência, verdade ou lenda, que ganhou corpo com um quadro do pintor Pedro Américo, e se o Mal. Deodoro, monarquista e amigo do Imperador, no 15 de novembro agiu por convicção ou se procedeu, de saúde gravemente abalada, por imposição de irredutíveis companheiros de armas.
Feira de Santana, como qualquer outra comunidade, também possui seus mitos, uns antigos e outros quase recém-criados. O primeiro, talvez o mais persistente, é o de Domingos Barbosa de Araújo e Ana Brandão, que ganhou força porque envolve algo de enternecedor e cheio de religiosidade, a história da Vila que teria nascido à sombra de uma igreja, quando nem igreja havia, então, mas simples e pobre capela de fazenda sertaneja do século XVIII.
A lenda do nascimento de Feira tentou ganhar força, recentemente, com outra, a do casarão dos Olhos d’Água, felizmente desmascarada a tempo.
Enquanto as lendas ganham corpo e força, por conta de que acreditar é fácil e cômodo, fatos e pessoas importantes na vida do Município são esquecidos e sepultados como os graves acontecimentos da revolta que tomou o nome de Sabinada, cujo aniversário, até 1.900, pelo menos, foi aqui comemorado com festa, discurso, bandeira e hino, conforme “O Progresso” de 8 de novembro daquele ano.
Segundo o jornal, a regência do Pe. Feijó teria suscitado forte oposição e a Sabinada foi urdida entre altos escalões do Império. Estourou em Salvador, sob a liderança do Dr. Francisco Sabino Álvares da Rocha Vieira, em 1837 e chegou a assumir o governo da Província. À falta de objetivos definidos, característica, em geral, dos movimentos revolucionários brasileiros, enquanto tentava resolver se proclamava, ou não, a independência da Bahia, e por qual sistema de governo optava, república ou monarquia, o poder central reagiu e derrotou os insurgentes.
Na Vila de Feira, tropas de Higino Pires Gomes, que aderiram à Sabinada, foram combatidas e vencidas em batalha travada contra forças legais em Terra Dura, freguesia de São José das Itapororocas.
Combates outros havidos em Feira foram registrados por historiadores como Arnold Silva e José Álvares do Amaral.
Narra, “O Progresso”, que as forças imperiais, depois de praticar toda sorte de violências, retiraram-se desta Vila em 24 de janeiro de 1838, conduzindo os últimos prisioneiros, entre os quais o Alferes Barauna, que teria comandado tropas insurretas em Terra Dura, lamentando o povo a longa procissão dos presos, que eram levados à corveta. Tratava-se da Corveta Presiganga, ancorada na Bahia de Todos os Santos, a bordo da qual revolucionários foram submetidos a tormentos. Foi barbaramente espancado o conhecido compositor e letrista Domingos da Rocha Mussurunga.
Todos os dias, afirmava-se, abriam-se os porões da Presiganga e cadáveres de prisioneiros mortos de fome, sede e espancamentos eram atirados ao mar.
Em toda a Província o número de prisioneiros teria passado dos três mil. Morreram mais de mil combatentes. As armas usadas eram as carabinas de pedra, baionetas, outras armas brancas e peças obsoletas de artilharia, às vezes tomadas à unha.
O comandante em chefe das forças legais na Bahia, Mal. João Crisóstomo Calado, em relatório ao Ministério da Guerra narra a selvageria dos recontros em que “as armas se disparavam, mutuamente, sobre os peitos de vencedores e vencidos”.
Feira tem o seu passado guerreiro, que não deve ser esquecido.

AGUACEIROS E REMENDOS

O progresso, tantas vezes descompassado, sempre oferece perigos e cobra seu preço quando açodado, sem bases evolutivas suficientes, e se desenvolve sob influências alheias à sua própria dinâmica.
Feira de Santana é exemplo. Cidade pobre, sem oferecer grandes perspectivas de desenvolvimento, situada à beira de sertão ainda pouco promissor, de estradas precárias, onde reinava o atraso no comércio e nos serviços públicos, em poucos anos, a partir da década de sessenta, teve que se adaptar ao ritmo frenético que a assaltou, sem alicerces sólidos, mas a transformou na grande força motora da economia sertaneja, com o aumento incomum da população e o invulgar crescimento das atividades laborais. Em pouco tempo trocamos as tendas de artistas (sapateiros, alfaiates, seleiros, ourives, marceneiros, etc.) por grandes e por vezes luxuosas casas comerciais. Surgiu a indústria e apareceram os empórios. A população, crescente, fascinada pelas novidades do progresso trazidas pelo desenvolvimento dos meios de comunicação, tangida pelas necessidades ditadas pelo bem estar do povo, passou a pressionar o governo municipal, e com tal forma, que prefeitos, alguns deles, tiveram que aderir à onda civilizatória e à frenética transformação que tomou conta de Feira de Santana, e adaptar metas de governo às novas exigências da comunidade, queimando etapas e vencendo dificuldades como a decorrente de arrecadação incapaz de fazer face, inteiramente, às providências e obras que o povo e os novos tempos reclamavam.
O exemplo está na pavimentação. No começo poucas ruas eram pavimentadas, algumas, a pedras irregulares, como a Marechal Deodoro, a Gal. Pedra (o Beco do Bom e Barato) e a Sales Barbosa. A paralelepípedos, apenas a rua principal, a Conselheiro Franco.
O asfalto, até meados dos anos sessenta, não passava de sonho. Sabia-se, entretanto, que asfalto não se dá bem com água, além de ter curto prazo de validade. Feira não é, exatamente, o deserto do Sahara, mas sempre foi território sujeito a estiagens e secas que costumam devastar os sertões. Quando o prefeito João Marinho Falcão inaugurou o SAMA, o primeiro serviço de água da cidade, causou impacto além de quase extinguir a classe dos aguadeiros (indivíduos que vendiam água, a domicílio, transportada em barris, no lombo de jumentos, ou em tanques de metal, em carroças). A cidade sempre padeceu de falta de água, precariamente fornecida à população por tanques, aguadas e cisternas.
Em 1909 o prefeito, Cel. Ábdon Abreu, criou caso com o dono de “O Propulsor”, Demétrio Ignácio de Araújo Pires, conhecido por Demétrio Fuão. O prefeito requisitou força policial e mandou apreender cartazes de propaganda política que Demétrio mandara afixar na cidade. Foi o bastante para “O Propulsor“ desancar o prefeito, acusando-o de roubalheira nas obras de limpeza do Tanque da Nação. Demétrio impetrou ordem de Habeas-Corpus preventivo ao Juiz de Direito da Comarca, Dr. Jacinto Ferreira, em favor de Ciríaco de tal, encarregado de colar os cartazes. A ordem foi negada. Estabeleceu-se, então, intensa polêmica envolvendo “O Propulsor” e “O Município”, jornal do prefeito, em que nem o juiz foi poupado. A luta, grave, que chegou a envolver fatos da vida pessoal e familiar do prefeito e de Demétrio, alcançou exageros inimagináveis na imprensa de hoje.
O Tanque da Nação, um dos mais importantes fornecedores de água da cidade, que o prefeito tentava limpar, durante muito tempo serviu para disseminar esquistossomose, febre amarela e dengue entre a população local. Desapareceu, em parte, aterrado. O buraco, que restou, aproveitou-o a Prefeitura para a construção do Centro de Abastecimento.
A verdade é que água, nesta cidade, nunca foi fácil e, muito menos, higienicamente confiável. Agora, que São Pedro resolveu nos dar prolongada e intensa quadra friorenta e chuvosa, o asfalto, que cobre nossas ruas, está gravemente esburacado ou dissolvido, com prazo de validade vencido, em parte, ou porque não foi posto para suportar muita água, como, aliás, paredes, telhados, portas e janelas de muitas das nossas edificações.
O remédio, agora, é remendar o que for remendável e refazer o que não aceitar remendo.

A LEI DA FICHA LIMPA

As notícias, surgidas daqui e dali, sobre políticos que o Judiciário livrou das restrições da Lei Complementar de n.º 135/10, a chamada lei da ficha limpa, que altera a Lei Complementar de n.º 64/90, que estabelece casos de inelegibilidade e outras coisas, encerram, como são levadas ao público, certa dose de velada censura ao Judiciário a um povo que aparentemente, pelo menos, deseja afastar de cargos públicos elegíveis indivíduos acusados da prática de condutas legalmente puníveis.
A Lei nasceu de projeto de iniciativa popular, com milhares de assinaturas de eleitores, e foi aprovada, a toque de caixa, no Congresso Nacional, premido pela proximidade das eleições, demonstração, um tanto ou quanto preocupante, dos excessos a que pode chegar o povo, mormente movido pela revolta, e da incrível flexibilidade do Legislativo ao se curvar às medidas demagógicas, flexibilidade que se estende ao presidente da República, que poderia exercer a sua prerrogativa de veto aos dispositivos inconstitucionais da nova Lei, mas não o fez, dando a entender que diante da conquista da simpatia e do voto, a Constituição pode ir para o lixo.
O problema, levantado na lei da ficha limpa está, principalmente, na inelegibilidade daqueles que têm “representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão (...) proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso de poder econômico ou político”... que entra em conflito com festejado e universalmente aceito dispositivo constitucional que assegura que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
O Judiciário, aos poucos, antes de pronunciamento final e definitivo do Supremo Tribunal Federal, antecipa-se na defesa de preceito constitucional que deveria ser respeitado principalmente pelo povo, a principal vítima dos atos de arbitrariedade de país que se desenvolve à margem da lei.
A primeira decisão do Judiciário sobre o assunto, que abriu caminho para outras, foi a do caso de senador, condenado por ter usado propaganda institucional em proveito próprio, quando prefeito em seu estado, mas recorreu da decisão de colegiado e está a aguardar novo julgamento.
Se condenação sub-judice pudesse vingar contra preceito constitucional, poucos seriam os chefes de executivo, neste país, a se livrar da inelegibilidade, embora a prova do dolo, a não deixar dúvida, em casos do abuso do poder político, sempre se mostre tormentosa e difícil e não devemos esquecer que a política partidária é dada a exageros, simulações e fraudes, que podem levar julgamentos a erros e injustiças que somente o próprio Judiciário pode consertar.
O entusiasmo popular em torno da lei da ficha limpa, entretanto, deve ser perdoado. A revolta é tão grande contra o pouco caso que se faz da lei, em geral, e do patrimônio alheio, público ou privado, que o povo só pensa em punição, ainda que inconstitucional, ilegal ou arbitrária, esquecido de que os direitos, as garantias individuais do cidadão devem ser defendidas e preservadas, acima de tudo, sejam quais forem os avanços da criminalidade, que atingindo toda a sociedade brasileira, faz as suas incursões, tantas vezes vitoriosas, nos meandros da política partidária, mas deve ser combatida com providências legítimas, que não ponham em risco os direitos dos cidadãos e o primado da Constituição Federal.
O Judiciário, mais uma vez, felizmente, cumpre o seu papel saneador em defesa do pacto federativo.

HISTÓRIAS DA PREFEITURA

Em 1905 vasta área das avenidas do Senhor dos Passos e de Getúlio Vargas, nesta cidade, era ocupada pela chácara do médico Gabriel Gomes Pereira, local onde hoje estão localizados o prédio da Prefeitura e a Igreja do Senhor dos Passos.
Na época, o Asilo de N. S. do Lourdes, uma das grandes obras do padre Ovídio de São Boaventura, funcionava em sobrado alugado, na rua Conselheiro Franco, visinho ao qual, e para servir, principalmente, ao Asilo, construiu-se a Capela de São Vicente, parada obrigatória da tradicional Procissão dos Fogaréus. A Capela desapareceu quando foi construído o prédio do centro empresarial “Mandacarú”, que também deu sumiço ao sobrado, onde funcionou a famosa “Pensão Universal” da poetisa e musicista Georgina de Mello Erismann.
O Asilo, que realizou obra social de vulto, ainda não devidamente estudado e avaliado, obra de um homem que viveu e trabalhou muito além de seu tempo, o padre Ovídio, sustentava-se de esmolas e de parcas subvenções do poder público. Natural, portanto, que a comunidade se preocupasse com a sua sobrevivência. Cuidou-se, então, de lhe dar casa própria.
Daí, que a Câmara Municipal votou a Lei de n.º 112, de 22 de setembro de 1905, que autorizava a Intendência a desapropriar a chácara do Dr. Gabriel para ser aforada ao Asilo N.S. de Lourdes, contra o que reagiu o proprietário, que ingressou em juízo com Interdito Proibitório contra o Município de Feira de Santana, em petitório do advogado Agnelo Ribeiro de Macedo.
Nas suas alegações o dr. Gabriel e esposa alegaram ser senhores e possuidores, por tempo superior a vinte e cinco anos, de “terreno murado e cercado, nos fundos da casa de sua residência na rua denominada Senhor dos Passos, nesta cidade, e estão ameaçados de grave ofensa por parte da ré (a Intendência) a qual, em virtude da Lei n.º 212 de 22 de setembro de 1905, pretende desapropriar o terreno da roça dos autores pelo alinhamento do lado do norte do sobrado do dr. Jacinto Ferreira da Silva até encontrar o leito em construção da Estrada de Ferro do prolongamento, para o fim se ser o terreno aforado ao Asilo N. S. de Lourdes para a edificação do novo prédio do mesmo Asilo”.
O dr. Jacinto Ferreira foi juiz de direito desta Comarca, pai de Maneca Ferreira, que dá nome ao circuito da Micareta, e avô do jornalista Oydema Ferreira.
O juiz, na época, o dr. Souza Dias vítima de cáusticos epigramas do jornalista Cristovão Barreto, deu por improcedente a pendência, o que provocou largos comentários da imprensa local. Defendeu os interesses do Município o advogado Miguel Ribeiro de Oliveira.
A casa do dr. Gabriel situava-se exatamente onde hoje estão as “Lojas Americanas”. Já foi sede do “Cine Timbira”. Antes funcionou como internato do Ginásio Santanópolis.
A construção do prédio do Asilo deslocou-se para as proximidades do início da Avenida do Senhor dos Passos. No terreno, que pertenceu ao dr. Gabriel, construiu-se a Prefeitura e abriu-se a avenida que posteriormente tomou a denominação de Getúlio Vargas, com a demolição da primitiva capela do Senhor dos Passos, à frente da qual havia cruzeiro erguido sobre o pedestal azulejado que ficava situada no centro do início da atual avenida.

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SÃO JOÃO, HÁBITOS E COSTUMES

Os costumes mudam, transformam-se, como hábitos e usos, no decorrer do tempo e ao influxo dos acontecimentos que atingem a sociedade. Embora se diga que hábito prende-se à atividade individual de cada um, sem juízo de valor, como o hábito, que abrange uma comunidade, o costume, ao contrário de hábito o uso, tem que ter um certo conteúdo moral, decorrente da religião, da política ou da tradição.
Há, no costume, processo de imitação coletiva, forma específica de ordem existencial de grupo, sob a influência, principalmente, de dois fatores essenciais: as formas estabelecidas e a opinião pública, que ora se manifesta como forças conservadoras, ora como inovações ou tentativas inovadoras ditadas pelas transformações sociais.
As festas de junho, nordestinas, que abarcam todo o interior da Bahia, podem ser apontadas como costumes, que já gozam de enorme prestígio entre o nosso povo, destacando-se os tributados a São João, que assumiram cunho nitidamente popular com suas fogueiras e foguetórios, mas sem perder a influência religiosa.
As fogueiras, os fogos de artifício, as quadrilhas caracterizaram a festa durante séculos, tiveram tal importância que criariam, em certa época, ciclos de músicas juninas, como acontecia no carnaval, cantando as lendas que o povo desenvolveu em torno do santo casamenteiro, Santo Antônio, de São Pedro, que tem a guarda das chaves do céu e de São João, que dorme, durante a noite de sua festa, por determinação de Nossa Senhora, porque, se acordado ficasse, diante da beleza das comemorações, poderia fraquejar, perder o juízo e entrar na folia. Hoje, provavelmente, cairia no forró.
O São João já foi festa doméstica. Cada família tinha fogueira, mesa de canjica, milho assado, amendoim e bolos de puba, de aipim e de milho. Licores de todo gênero, mas, principalmente, de genipapo, fogos conforme as posses e os entusiasmos de cada um. Pessoas se reuniam para comer, beber, pular fogueira e namorar. Não foram poucos os casamentos que surgiram de festas de São João.
As fogueiras, nesta cidade, tomavam as ruas, cheias de denso fumaceiro da queima de madeira e dos fogos. De tal sorte se desenvolveram que a Prefeitura certa ocasião determinou que se protegesse o calçamento usando camada de areia no local das fogueiras, determinação a que ninguém obedeceu.
O automóvel expulsou as fogueiras para sítios, fazendas e chácaras. As chácaras já foram moda e já deram status nesta cidade. Praticamente desapareceram depois de provocar a quebra de muita gente. Sumiram, também, as manifestações domésticas. Ninguém vai abrir as portas da casa, para festas, sem a certeza de sofrer dissabores, assaltos e, provavelmente, morte violenta.
Os céus, cheios de balões, inspiradores de inúmeros poetas e sonhadores, como os fogos de artifício, foram incluídos no rol das coisas perigosas e eliminados. Os foguetórios ainda existem, mas somente no futebol e na política.
O São João conserva modelo antigo, em parte, em fazendas e sítios afastados. Não apenas mudou. Foi extinto no meio urbano, resistindo, apenas, como festas oficiais, forrobolizadas, em raros locais, sob o influxo dos novos tempos e das bandas, em que o uso do licor, como das demais bebidas alcoólicas, quase assume as virtudes da santidade.

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A LIBERDADE DO ELEITOR

A cidade, de que tanto nos orgulhamos, entre passeatas da paz e marchas para Jesus, vai se transformando em vasto matadouro a mostrar, para os que têm olhos de ver, a guerra urbana que toma nossas ruas e atinge, indiscriminadamente, inocentes e culpados.
A vasta “mortalha em Pirajá”, que “o espectro da morte pálido coszia”, no exagerado condoreirismo de um dos inventores do “2 de julho”, nosso poeta maior, o insuperável Castro Alves, mostra-se apequenada diante da cruenta, implacável a desalmada batalha que assola as terras feirenses, com todas as mostras de que está recrudescendo e vai, a cada dia, dando mais trabalho aos coveiros, que não encontram folga, e já pensam em greve por melhores salários e condições de trabalho mais amenas.
Como acabará tudo isso? Agora, pelo menos, quando a polícia civil volta ao trabalho, as vítimas de assaltos, arrombamentos, furtos e os parentes dos assassinados pelo menos poderão encontrar a satisfação de prestar queixa. É um refrigério.
Comandante é o que não falta. Quem acompanha o noticiário do repórter policial Aldo de Matos, fica assombrado com o incrível número de comandantes que hoje atuam neste Município, quase todo dia rigorosamente mencionados e enumerados. Há comandante demais e policiamento de menos.
Enquanto o povo vive ao Deus dará, a política ruge, roufenha e rouca em assomos inaceitáveis, incongruentes e, às vezes, inconcebíveis, em cenário magoado, aterrorizado, desiludido e às vezes surpreendido e embasbacado diante do absurdo de acontecimentos, como o que foi destaque no noticiário, o episódio da cantora que deveria ter sido contratada em manifestação de cunho quase religioso e ficou a cantar sozinha. Não era caso para merecer tantas atenções, nem deveria envolver pessoas respeitáveis.
O fato mais notório, entretanto, é o do nascimento da estranha divisão entre candidatos da terra e candidatos sem terra.
Sempre houve surda campanha contra candidatos de fora, que aparecem, com mala preta, às vésperas de eleições em busca de votos para o legislativo do Estado ou da União.
Natural que políticos locais se insurgissem no combate aos que tentavam invadir o que não poucos consideravam currais para uso próprio e de membros da família.
Agora, entretanto, o combate tende a assumir proporções de regras coercitivas, contando com a veemente defesa de pessoas aparentemente alheias à luta eleitoral, o que acrescenta perigos ao problema.
Perigos porque se tenta cercear a liberdade do eleitor, que supostamente deve votar como bem quiser e entender, em candidatos de dentro ou de fora.
O deputado estadual representa o povo do seu estado. Não é representante de determinado município como a demagogia usual determina. O deputado federal representa toda a nação brasileira. O senador, quando pode, é que legalmente representa apenas o seu estado.
As suas atribuições vêm dos fundadores do sistema federativo republicano e existem para dar tratamento igualitário aos estados membros, que no Senado têm representação numericamente igual.
A política brasileira, com suas eternas distorções e disparates, deu, a cada estado, três senadores, exagero desnecessário que deve ser corrigido. Bastariam dois para todas as besteiras que aparecem, todo dia, na Câmara Alta sem contar os escândalos.
A campanha, que agora se amplia, contra candidatos de fora, aparece como coisa sem sentido e sem nexo e nem podemos dizer que representa retrocesso, porque nunca houve tamanho empenho e tal destempero em torno do assunto.
O eleitor é livre para votar. O resto é boato e grana firme e confiável.

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TEMPOS DO BANDEIRA

O progresso, como a natureza, não dá saltos. “É a acumulação de aquisições materiais e conhecimentos objetivos no quadro de uma cultura” geralmente de caráter lógico e irreversível.
Cada fase necessariamente baseia-se em experiências anteriores em processo onde a unilateralidade é exceção passageira. Não há real progresso pela metade. O trator supõe a estaca de cavoucar e a invenção do arado.
Progresso e melhoramento das condições de vida andam juntos. São gêmeos siameses. No campo social não há conhecimento assimétrico verdadeiro mas esforços unilaterais, ditados por vários fatores a que mania da imitação, o consumismo e a capilaridade social não são estranhas, mas podem ser origem de graves problemas ao longo do tempo.
O apregoado progresso da medicina cubana, que segundo a propaganda da esquerda, mestra em manipular informações, naquele país a cura do câncer e do vitiligo eram coisas banais, levou muitos às terras do Fidel, esquecidos de que sem progresso no campo da ciência e da técnica a propalada conquista seria impossível.
A sociedade brasileira em geral e, particularmente, a de Feira de Santana, apresenta essa estranha característica, a de crescimento unilateral, falho, por um lado, e falso por outro, porque todo crescimento incompleto é defeituoso, fazendo lembrar conhecido escritor americano que dizia que todos os clientes de seu pai, alfaiate, eram identificados, na rua, porque tinham, sempre, perna de calça ou manga de paletó mais curta que a outra.
Há quem julgue que comprar automóvel em sessenta prestações mensais e sucessivas, enchê-lo de aparelhagem de som e sair pelo mundo a poluir tudo, perseguido por investigadores de banco e Oficiais de Justiça, com mandado de busca e apreensão, é progresso e melhoramento.
Não há dúvida de que em certos setores o desenvolvimento e o progresso são enormes. O crescimento da cidade, na construção civil, com prédios de grande porte e o surgimento de ruas, becos, vielas, condomínios habitacionais, favelas e barracos, é fantástico. O volume do trânsito de veículos, obrigando a Prefeitura a construir viadutos e infindáveis obras de pavimentação, reflete o crescimento da população que faz enorme pressão sobre o governo municipal no campo de dois serviços essenciais, o do transporte e o da saúde, enormes pedras em qualquer sapato.
Se há setores cintilantes, avançados, outros, também essenciais, permanecem no atraso, como o da segurança pública, que teve aumento apenas vegetativo.
Longe vão os tempos do investigador Bandeira, o mesmo que dá nome ao Complexo Policial.
Sempre de paletó, alpargata paraibana, sem gravata, carregando cipó caboclo, Bandeira percorria, diariamente, a pé, toda a cidade, na época muito menor, dia e noite, à cata de malandros, parando ali e acolá, nos botequins, para um dedo de prosa e de conhaque. Poucos roubos ou furtos passavam impunes, porque Bandeira conhecia o modus operandi de quase todos os ladrões e vigaristas de serviço na área.
Tudo mudou e cresceu, radicalmente, menos a polícia, que não pode prescindir, nos vertiginosos e perigosos dias de hoje, da inteligência e da ajuda dos modernos instrumentos técnicos e científicos da investigação criminal.
A polícia cresce em número. Permanece, entretanto, nos tempos do investigador Bandeira nos salários e nos métodos de trabalho.

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DENTRO D’ÁGUA


O Brasil é ilha de estabilidade. Não há crise que o atropele, segundo parte da grande imprensa nacional, o que mostra o poder do governo federal. Até organismos internacionais como o famoso FMI, antes amaldiçoado e acusado de tantos males brasileiros, saiu a público para dizer que a crise do Euro, que está a sacudir as estruturas do Velho Mundo e a ameaçar todo o Planeta, passará ao largo da Pátria Amada, que permanecerá inabalável em seus sólidos alicerces econômicos, haja o que houver, enquanto o presidente da República anda pelo mundo, como judeu errante, na tola tentativa de conquistar muito mais fama e prestígio pessoal do que na de dar solidez à posição brasileira no conceito internacional.
Vaidoso, achando que tendo engabelado brasileiros pode enganar a comunidade mundial, o nosso presidente, figura de comédia, sobrevive internacionalmente às custas da extrema discrição e cuidados da diplomacia de países mais desenvolvidos, mas não deixou de receber qualificativo, o de ingênuo, dada à sua atuação diplomática no caso do Irã. Quando um país civilizado chama de ingênua a interferência de outro governo em qualquer assunto, a palavra encerra muito mais significados do que parece exprimir à primeira vista.
Inúmeros são os casos de supostas tentativas, do governo brasileiro, de mostrar liderança e independência com a aproximação a governos totalitários, como o da Venezuela e o de Cuba, que culminaram com o envolvimento em perigosos, antigos e até agora insolúveis conflitos ideológicos e religiosos entre árabes e judeus, em acordo a que ninguém deu importância, mas serviu para mostrar, ao mundo, o perigo que significa, para todos os povos, a disseminação das armas nucleares.
O Brasil, para setores da imprensa, é a nova maravilha mundial, com economia sólida e felicidade geral do povo, que segundo os jornais já gastou, este ano, no exterior, quase cinco bilhões de dólares. Este é o país retratado para os incautos, com gente comprando tudo e viajando, principalmente para a Argentina, para ver espetáculos de tango que os argentinos há muito tempo deixaram de prestigiar.
Internamente, entretanto, a história é diferente.
Aqui, na Bahia, por exemplo, onde vivemos, estamos entregues à própria sorte. Antigamente, entre o povo, quando a situação mostrava-se dramática, o sujeito dizia que estava dentro d’água.
É como estamos na Bahia: dentro d’água. Não queremos falar da criminalidade, que nunca alcançou o grau de virulência e de impunidade constatado nos dias atuais, contra o que o governo promete carros para resolver todos os problemas.
O povo da Bahia está sem Polícia Judiciária e sem Justiça. Até o Judiciário do Trabalho e a Justiça Federal entraram em greve. Voltamos, nos últimos dias, aos tempos primitivos. Governo, se é verdade que composto de três poderes, está reduzido, no Estado, ao governo do “agora tem”.
Uma das graves conseqüências que podem advir desse hiato do poder público é o da formação de bolsões de descrença no sistema democrático de governo e de volta à justiça privada, que já se pratica, vastamente, em Feira e outros antes pacatos rincões bahianos.
Como de vez em quando diz o Dilton Coutinho, estamos liquidados. Só, que desta vez, completamente.
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PROPAGANDA, A ALMA DO NEGÓCIO

Vésperas de eleições costumam produzir milagres. Defuntos levantam do túmulo, como em filmes de terror, há insólitos aparecimentos e incursões às formas mais baratas de tentativa de populismo rasteiro.
Deputado Federal do PV quer a aprovação, pela Câmara, de projeto de lei que obrigue emissoras de rádio e televisão a levar ao povo, gratuitamente, mensagens demonstrando os males do uso das drogas lícitas e ilícitas, com o que, espera o parlamentar, o povo brasileiro, apavorado, abandonará o uso e abuso das drogas e a polícia entrará ou em merecido regime de férias coletivas, ou em greve por tempo indeterminado, arraigado hábito das classes trabalhadoras, que todo dia está a abalar a tranqüilidade da pátria, mas sempre com polpudos ganhos para pelegos e operários em geral, para maior grandeza da pátria.
O projeto, se aprovado, exigirá das emissoras, que têm, quase todas, suas dificuldades não pequenas, o sacrifício de veicular tais mensagens, elaboradas não se sabe por quem, com duração entre trinta segundos e um minuto, diante das quais desaparecerão, para sempre, hábitos danosos como o do aperitivo quente antes de qualquer coisa, como almoço, jantar ou banho. A cachaça desaparecerá, os botequins poderão se transformar até em igrejas ou santuários, como o recém criado, em Anguera, cujo chefe lembrou, outro dia, em programa de rádio, que a Virgem Maria, quando recebeu a notícia de sua gravidez, estava entre treze e catorze anos de idade.
Convencidos dos perigos do álcool, os que buscam aliviar o estresse do trabalho diário com cervejinha gelada ao cair da tarde migrarão, imediatamente, para a água mineral e os paus d’água inveterados abandonarão o vício, convencidos do amplo leque de virtudes que recai sobre o abstêmio.
O jornalista de Salvador, que deu destaque à atuação do deputado do PV, ironicamente diz que o fundo musical das mensagens anti-drogas poderá ser de produção de Gilberto Gil.
Se as mensagens esclarecedoras e educativas forem adotadas, não constituirão novidades em nosso amado torrão natal. Em outros tempos eram comuns, no rádio, orientações, avisos e conselhos, do governo, como os célebres “beba mais leite” e o “Aviso aos navegantes. Não há avisos aos navegantes”, que caíram no ridículo, embora formalmente perfeitos, frutos, quem sabe, do trabalho de burocratas sem conhecimento da arte e da ciência da propaganda.
O tempo em que comerciantes e políticos elaboravam suas peças publicitárias é passado. Hoje ainda que elaboradas por técnicos e agências renomadas, há publicidades contraproducentes, idiotas e ridículas, sem influências sobre o comportamento do povo em geral ou de determinadas classes sociais.
Produzir e divulgar mensagens para convencer crianças e adolescentes dos vários estratos da sociedade brasileira a evitar ou abandonar o uso de drogas proibidas é trabalho extremamente delicado que não pode ser entregue a amadores. Campanhas já houve com tal desiderato. Sumiram. E não faltou quem afirmasse que não inibiam. Antes despertavam a curiosidade das novas gerações em torno das drogas.

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O COMBATE AO TRÁFICO

O noticiário local deu relevância a diligência policial concluída, no início da semana, com a apreensão de crack e cocaína que a crônica especializada afirma ter sido a maior dos últimos tempos na Bahia, sem faltar, em alguns setores, rasgados elogios a delegados de polícia, que nesta terra encontram poucas oportunidades para encômios e manifestações de semelhante teor, tal o número de inquéritos de crimes insolúveis que abarrotam as empoeiradas prateleiras e gavetas das delegacias.
Na verdade, delegados e demais policiais, que trabalham nesta cidade, devido às circunstâncias, não têm condições de resolver, satisfatoriamente o crescente número de crimes que são cometidos, a cada minuto.
A situação tornou-se tão grave, que a palavra crime tornou-se, no noticiário, sinônimo de homicídio. Baniram todas as demais tipificações das leis penais. Ninguém fala em roubos, furtos, agressões, ameaças e tráfico de drogas e nas mais diversas formas de tentativa, como crime, cujas inúmeras modalidades ficam fora das estatísticas da imprensa. Crime é apenas o homicídio consumado e pronto.
Ora, os trinta e poucos quilos de crack e os quatro quilos de cocaína apreendidos em poder de três supostos traficantes, que foram recolhidos às enxovias do Complexo Bandeira, levam qualquer um a imaginar que não passam de gota d’água em oceano, fazendo prever que brevemente, com alguma sorte, a polícia local poderá estar a apreender toneladas daqueles tão requisitados produtos.
As policias locais muito pouco podem fazer no combate à disseminação dos tóxicos. Ficam por ai a apreender gramas de cocaína e crack e a meter na cadeia geralmente traficantes esfarrapados, muitos deles mulheres em busca de trocados com que reforçar a esquálida despensa.
Raramente fazem apreensão de vulto, como o que aconteceu no início da semana, em cidade, que na condição de entroncamento rodoviário, presumivelmente é passagem, nos milhares de veículos que por aqui transitam, mensalmente, de muita droga proibida para abastecer, convenientemente, alguns importantes centros urbanos, inclusive esta cidade, onde o consumo do crack se faz publicamente, em qualquer lugar, e a respeito da cocaína ninguém pergunta mais se é da boa. Vai logo metendo na veia ou socando nas ventas.
Cocaína, conforme é sabido, não é produzida no Brasil. No máximo temos, aqui, laboratórios de refino da pasta do produto, como o que recentemente foi descoberto e desmantelado em Feira.
Para chegar a esta cidade a cocaína percorre longas distâncias, a partir da fronteira com alguns dos respeitáveis vizinhos produtores.
O trabalho da polícia nas cidades e povoados é inócuo. Morto ou preso um traficante, surge logo substituto. Ninguém sabe quantas pessoas financiam e transportam as drogas para esta cidade, sem falar dos pequenos traficantes domésticos, que estão morrendo como moscas, naturalmente porque transgrediram as regras de sociedades criminosas, que podem ser rudimentares mas existem, nesta cidade, porque o movimento financeiro é enorme e não sobreviveria sem organização, sem chefia e sem regras.
O efetivo combate às drogas, como ao contrabando de armas, tem que ser feito no âmbito federal, com o controle das fronteiras, portos, aeroportos e a busca dos que financiam a entrada das drogas e armas no território nacional.
O consumo cresce, liquidando principalmente jovens brasileiros, enquanto a polícia vive a correr atrás de traficantes, lutando contra todo tipo de carência. O sistema, longe de combater, fortalece o tráfico.

Sáb, 15-Mai-2010 4:30

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O ORADOR DA FAMÍLIA

Não há dúvida de que Feira de Santana precisa crescer. Não falamos do simples aumento da população, que segundo alguns passa dos seiscentos mil, da incontável multiplicação de ruas, vielas, condomínios residenciais e bairros e do inegável crescimento da produção intelectual em quantidade e qualidade. Precisa crescer livrando-se do complexo de roça, que insiste em permanecer grudado a alguns setores da sociedade, justamente aqueles que normalmente falam e são ouvidos.
Feira sempre se mostrou avessa às atividades do espírito. Povo formado, essencialmente, de comerciantes, gente ligada à pecuária e artistas, como eram denominados os operários, a figura do intelectual sempre era vista com certas desconfianças.
O poeta sofria mais, havido por maluco, irresponsável e preguiçoso. O intelectual, quando conquistava respeitabilidade em virtude de profissão ou qualquer outro fator, passava a ser olhado como semi-deus, de longe, com reverência. Seus méritos, por maiores que fossem, eram ampliados, na boca do povo, que lhe ia acrescentando saberes e infalibilidades quase infinitas.
Sempre houve grêmios literários e grupos teatrais, que ninguém levava a sério, e oradores. Um dos mais constantes foi o Cel. Álvaro Simões Ferreira, presente a todas as solenidades.
Conta-se que em campanha eleitoral aqui estiveram, certa vez, J. J. Seabra, eminente figura da política baiana, e Simões Filho, fundador de “A Tarde”. Participarem de comício em que falou o Cel. Álvaro Simões, figura imponente, sempre de colete, colarinho duro, correntão de relógio e gravata plastrom, que proferiu, como sempre, espantosa coleção de asneiras.
De volta a Salvador, sentados no deque do vapor da Cachoeira, Seabra perguntou ao chefe de “A Tarde”: Então, dr. Simões, o Simões lá de Feira é seu parente? Simões Filho sem pestanejar respondeu: É, dr. Seabra, é meu parente. É o orador da família.
Manifestação cultural capaz de arrancar de casa as famílias, à noite, o conferencista constituía atração festejada. Apresentava-se, geralmente, no salão nobre da Prefeitura. Um deles, Argileu Silva, gordo, negro, suarento, dono de impressionante vozeirão, certa feita, diante de seleto auditório, falava da poesia, da forma como em outros tempos as mulheres tratavam o poeta. Mas hoje – começou a se lamentar – quando foi interrompido por Leôncio Santos, coletor federal e pessoa das mais respeitáveis desta terra, que gritou: Hoje é faca no poeta! A conferência não teve por onde continuar.
O conferencista distribuía cartão de visitas com os dizeres: “Argileu Silva – Bacharéis”. O portador alegava que tinha várias formaturas. O cartão dá idéia da intelectualidade da época.
Nos últimos tempos, apesar da evolução, aperfeiçoamento e sofisticação verificados em todos os setores da vida local, restam fatos ainda a mostrar que os avanços nem sempre são consistentes, principalmente no meio político, funcionando como gota de querosene em panela de feijoada. Estragam tudo.
Idéias malucas, que surgem alhures, contrarias ao bom senso a à legislação, sem viabilidade, impossibilitadas de aplicação prática aqui são adotadas e defendidas como salvadoras, inclusive por quem as pretende transformar em lei.
Em certos assuntos a sociedade e os políticos devem lutar pela efetiva e correta aplicação das leis existentes.
A criação de outras, para satisfazer vaidades ou falsas avaliações de fatos, que afligem a sociedade, é desejar ser não orador, mas o legislador da família.

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OS QUE MORDEM E OS QUE ASSOPRAM

Aquiles foi um grande sujeito. Grego, entrou para a Mitologia, imortalizado por Homero, e se estabeleceu, definitivamente, na cultura mundial. Nasceu em Larissa, filho de Peleu e da ninfa Tétis, uma das filhas de Júpiter, que ou eram imortais, ou podiam viver, sempre jovens e belas, por dez mil anos sem freqüentar academias, usar produtos de beleza e sem fazer os tratamentos miraculosos que alguns curandeiros andam a anunciar pelo rádio.
Ninguém me vá dizer, portanto, que o conheceu na Rua Nova, no Sobradinho ou no Tomba.
Fato é que a mãe de Aquiles, zelosa da vida do rebento, devido a sua aproximação com a divindade soube dos perigos que o cercavam e tratou de protegê-lo mergulhando-o no Estige, o rio do Inferno com o que o blindou contra qualquer tipo de ferimento. Vulnerável ficou, apenas, o calcanhar do menino, por onde a mãe o segurou.
Tétis, desconfiada das artimanhas do destino, tratou de afastar o filho de todo tipo de encrenca. Chega a disfarça-lo de mulher, misturando-o a bando de donzelas, uma das quais transformada em parturiente pelo inquieto Aquiles.
Contam que já era velha, de nove anos, a famosa guerra de Tróia, com sucessivas derrotas dos gregos, quando começou a correr o boato de que somente seria possível a vitória grega se Aquiles entrasse na luta, o que aconteceu por artimanha do famoso Ulisses (não o Ulisses Graça, que ainda joga basquete), o que levou Aquiles a largar as vestes femininas e envergar armadura forjada, a pedido da cautelosa Tétis, pelo próprio Vulcano, o deus do fogo.
Aquiles, então, entra na luta. Muda a sorte da batalha. Mata Heitor, herói troiano cujo cadáver arrasta, usando carro de combate, diante das muralhas da cidade sitiada, mas o entrega, aos inimigos, para as honras fúnebres. Um belo gesto. Morre, entretanto, atingido, no calcanhar - seu ponto vulnerável por flecha lançada por outro herói, Paris, quando se dirigia a encontro amoroso.
O governo de Feira, como Aquiles, vem blindado, faz algum tempo, diante do que ruge, raivosamente, oposição irritada, sem encontrar brechas para ataques convincentes e sem achar vícios e mensalões, nem tão distantes da história desta terra.
Tem, entretanto, o seu calcanhar de Aquiles, o Sistema de Transporte Coletivo, motivo de dor de cabeça de quase todos os governos municipais.
Diante da blindagem a oposição, sem encontrar caminhos para o ataque, mas sem abandonar velhos procedimentos, inclusive o de levantar suspeitas infundadas, tenta agir com suposta inteligência. Dividiu-se ardilosamente. Alguns se dão de amigos, colaboradores. Elogiam. São os que assopram, enquanto outros atacam, principalmente o ponto fraco, o transporte. São os que mordem.
Não há, entretanto, como enganar. o DNA está à mostra em toda parte. O grupo é o mesmo, as intenções, idênticas. Podem tapear ingênuos. A estratégia de combate, entretanto, é velha, desconhecida, apenas, dos incautos.

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MICARETA - OU MUDA OU MORRE

Passada a Micareta, que muitos tentam mudar de gênero, restam, apenas, boatos, os eternos palpites, remoques e a velha rafeira, a política partidária, que nas suas manifestações mais baixas não perde azo para ataques e críticas geralmente inconseqüentes.
Desta vez, entretanto, tem surgido discussões sobre assuntos relevantes, que procuram resolver, diante da grande festa, problemas ligados às dificuldades que atingem a cidade.
Ninguém esta dando muita importância a assuntos como o do retardamento da saída de blocos, ciente, o povo, de que festa carnavalesca não é, exatamente, peça de teatro em que diretores tudo controlam e tudo orientam.
O pós-Micareta deste ano trouxe a baila assuntos de verdadeiro relevo como, por exemplo, o do local da festa.
Esta ficando claro que a Micareta não pode mais obstruir o trânsito, provocar prejuízos e transtornos a população como vem causando.
A Prefeitura tem que lhe destinar local onde esses transtornos sejam reduzidos ao mínimo possível, mesmo que para a festa seja forçada a construir avenida, que durante o ano esteja entregue ao uso comum do povo e fique obstruída apenas nos dias da Micareta ou de outras celebrações.
A dificuldade esta em escolher local. Hoje esta sendo dificultosa tarefa a de separar zona residencial, de zona industrial, luxo a que estamos obrigados por via dos novos e trepidantes tempos, mas que nos alerta para fato de certo modo alarmante, o de não termos espaço para mais nada, o que poderia levar a Câmara Municipal, pródiga em títulos e medalhas, a criar nova comenda, a de inimigo de Feira, para ser outorgada a quem defender desmembramentos de terras do município.
Feira não pode mais perder pedaços de seu território.
A construção de avenida para a Micareta, entretanto, ainda que saindo dos limites da sede para se estender a distrito e essencial para a sobrevivência da festa.
Outro assunto sério, que surgiu de controvérsias e discussões, foi o da manutenção da Micareta oficial. Alguns exemplos foram apontados de municípios que entregaram a festa a empresas privadas, com o que se livraram de peso que não estão obrigadas a carregar.
A nossa Micareta durante muito tempo era realizada por comissões. Contava com a ajuda do comércio, da Prefeitura e do Governo do Estado. A Prefeitura apenas lhe destinava verba, cuidava da iluminação e 1impeza do local da festa.
Relativamente pouco tempo faz que o governo municipal resolveu assumir a organização da Micareta, o que não tem mais razão de existir. A Prefeitura, hoje, tem encargos e obrigações suficientes para lhe tomar todo o tempo e todas as atenções, especialmente com a saúde, educação e o transporte. Não tem mais como se preocupar e se desgastar com horários de blocos carnavalescos.
O tempo das comissões passou. Mas há empresas capazes de fazer a festa com o profissionalismo que que todos estão a exigir para nossa Micareta, que apesar da zoeira, das luzes e do brilho, está agonizante.

Ter, 27-Abr-2010 22:59 | VOLTAR AO TOPO DA PÁGINA!

A PULSEIRA DO AMOR

Lemos, alhures, que legisladores e magistrados cogitam da adoção de medidas para proibir, como perigosas, as chamadas "pulseiras do amor", que ultimamente ingressaram, vitoriadas, nos hábitos brasileiros. Nada sabemos da origem das pulseiras da nova moda, se é mais uma notável invenção de brasileiro, ou se nasceu em terras distantes. As preocupações teriam decorrido da notícia, amplamente divulgada, do estupro e morte de jovem estudante, que estaria usando "pulseiras do amor", expressos, claros e indiscutíveis convites ao sexo, o que pode dar nascimento, nos legislativos e até mesmo no Judiciário, a nova abundância de medidas proibitivas, com que se pretenda obter notoriedade e fama. E que neste país poucos serão os que encaram a verdade, por variados motivos, preferindo fingir que combatem efeitos, sem a devida coragem para reconhecer e denunciar as causas.
Vivemos, assim, época de mentiras colossais, teatro e representações de fazer inveja aos criadores da tragédia grega, sem esquecer -Shakespeare, aquele que disse: "é com o teatro que vou agarrar a consciência do rei".
A frase, se aplicada ao mundo de hoje, levando-se em conta que o poder do rei, pelo menos em sentido figurado, !transplantou-se para o povo, não é simples afirmação de velha, famosa e pouco conhecida tragédia, mas algo que se vê, diariamente, na vida brasileira, com as medidas de força, enganosas, embugadas em mantos de salvação e espetaculosas, públicas e ruidosas manifestações do engodo. Fechar bares e proibir a venda de bebidas alcoólicas, na sexta-feira santa, sob o pueril pretexto de combater a criminalidade, já que não se poderia falar em motivos religiosos, ou porque o estado é leigo, a partir da República, ou porque tapeando facção religiosa, corria-se o risco de desagradar outras, e algo que suplanta qualquer manifestação de tola irrealidade dentro de mundo de cruezas e realismos que não podem ser combatidos com infantilidades demagógicas.
Bares foram fechados, a maioria, voluntariamente, em virtude do sentimento religioso do povo. Houve multas contra restaurantes - seis ou sete - onde cristãos bebiam o vinho da Páscoa, mas os criminosos, indivíduos que estão à margem da lei, não abandonaram suas atividades cotidianas. Mataram, agrediram, roubaram, furtaram e barbarizaram tranqüilamente. Não se tapa sol com peneira. Recentemente aqui esteve o governador do Estado para a entrega de quatrocentas casas do velho PAC (já existe um novo). Armou-se palanque com discursos e presenças ilustres, fez-se um dois de julho cercado de intensa publicidade, transformado em acontecimento retumbante, nunca visto nesta plagas, como se o povo não soubesse que Feira tem crescido com a construção, em diversos governos, de conjuntos habitacionais de milhares de casas populares, como a Cidade Nova, o Feira X e mais sete ou oito complexos de grande porte.
Tudo, hoje, tem que se resumir a tapeação e ao engodo?
A sociedade brasileira vem sofrendo, a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, intensas transformações impulsionadas por inúmeros fatos, sem controle e sem limites. O crescimento populacional é enorme e desregrado. Popularizou-se a educação, multiplicaram-se as escolas de todos os graus, mas desvalorizou-se a figura do professor, que passou a sofrer com os baixos salários, a falta de eficiente formação profissional e a impossibilidade material de atualização. A família brasileira, em boa parte pela pobreza reinante, desagregou-se a país, eterno imitador, encheu crianças e adolescentes de direitos, sem cuidar de fortalecer escolas e famílias, criando problemas que se refletem, como pragas, :sobre toda a sociedade. Em meio ao caos surgiu, como desgraça complementar,o traficante de drogas, não só a fabricar viciados, como a aliciar agentes do crime.
E verdade que há famílias, trabalhadores e jovens bem orientados e ainda imunes a desordem que se está estabelecendo e que não será contida por qualquer "bolsa família", medidas de exceção ou engodo semelhante.
A quebra do poder dos pais levou ao sumiço da força do professor, ao desrespeito a lei e ao desprezo pelos direitos do próximo, provocando o que se poderia chamar de crise de autoridade, que esta ameaçando a estabilidade da nação brasileira
O aparecimento das "pulseiras do amor", resultado do afrouxamento dos costumes, deve-se à quase irrefreável permissividade que se estabeleceu no seio da juventude, drama que ninguém vai consertar com borrabotismo inconseqüente.

DUAS GRANDES FESTAS

"Circo Paraense", um dos muitos que percorriam os sertões exibindo pobres, velhas e esburacadas barracas. Instalou-se na Praça Dr. Remédios Monteiro. Duas artistas, Marieta e Margarida, constituíam sua principal atração. Segundo o noticiário mobilizaram a rapaziada local, que se dividiu em dois partidos.
Nas noites de função, conta "O Progresso" daquele ano, as torcidas compareciam animadas, com aplausos, flores, confetes, discursos inflamados e versos ardentes, imitação do que ocorreu, no Recife, com Castro Alves e Tobias Barreto em torno de duas atrizes de teatro.
Chefiava o "Grupo Margarida" João Vital, "inteligente moço",como o definiu o noticiário. O "Grupo Marieta" era liderado por Godofredo Figueiredo, "nosso distinto conterrâneo".
Os dois demonstraram entusiasmos nunca vistos, dizia "O Progresso", para frustração das mocinhas casadoiras, preteridas por artistas de circo.
Em 4 de outubro os admiradores de Marieta Peri, na homenagem que lhe prepararam, atulharam o circo de rica ornamentação. O circo, transformado em bosque, encheu-se de bandeiras, dísticos, pirâmides, arco triunfal, galhardetes, escudos, faixas e representação do globo terrestre com a inscrição,"honra ao mérito". No trapézio, onde Marieta exercia as suas habilidades, destacava-se, entre bandeiras, grande estrela, que despejava chuva de confetes. O camarote, ocupado pelos partidários da trapezista, simulava gruta, iluminada por balões venezianos e exibia faixas com a inscrição em letras douradas: "Salve Marieta Peri". "Todo o trabalho de decoração dizia "O Progresso" foi desinteressadamente desempenhado pelo inteligente pintor, Sr. Marcelino Borges, um dos mais influentes organizadores do grupo Marieta".
Marieta, ao ingressar no picadeiro, foi entusiasticamente recebida. Falou,em primeiro lugar, o orador oficial, Dr. Miguel Ribeiro Filho, que seria, passado algum tempo, diretor da Escola Normal Rural de Feira. Outros inflamados oradores da noite foram Godofredo Figueiredo, o acadêmico de Medicina, Pedro Américo de Brito, João Magalhães Costa e José Erudilho. Lá para as tantas caiu, sobre a homenageada, grande quantidade de pétalas de rosas a que se seguiu a entrega de buquês de flores artisticamente arranjados. O repórter de "O Progresso" afirma que conseguiu contar nada menos do que trinta e cinco, número que registrou como exagerado. A homenageada sai de cena tomada de emoção. Ao voltar, novamente ovacionada, recebe mais trinta e um buquês. Discursa, então, o telegrafista e beletrista Assis Tavares, Godofredo Figueiredo oferta, a Marieta, um relógio de ouro. A trapezista é coroada sob aplausos frenéticos e nova chuva de pétalas de rosas. O Dr. Miguel Ribeiro recita soneto da lavra de Assis Tavares: "Tu és o gênio que se eleva, altivo, / Por entre aplausos desta multidão / Em cujos peitos, cada coração,/ é teu vassalo, adorador cativo". O soneto e distribuído em avulsos, Marieta o recebe, em letras douradas, sobre cetim azul, em bela moldura. Há revoada de pombos. A artista, com sua companheira, Margarida, depois da festa, é conduzida, em passeata, até sua residência, à luz de fogos de artifício, ao som da banda da "Sociedade Filarmônica Vitória".
No dia 5 de outubro o "Grupo Margarida" fez a sua festa. Colunas no estilo jônico dividiam camarotes, todos adornados de bandeiras e cortinas. O da comissão central exibia colchas de seda vermelha e escudos com relevos dourados. Havia, por toda parte, grandes faixas com os dizeres: "Salve Margarida. Viva Margarida." Outras diziam: "Gênio, arte, labor, glória, valor". O picadeiro representava esfera em cujo centro havia enorme ferradura e escultura de cara de cavalo. À frente do camarote da comissão, artístico monograma, trabalhado em pó de serra por Miguel Araújo. Margarida entra em cena em carro luxuosamente ornamentado, puxado por cavalo ruço, sob aplausos e pétalas de rosas e distribui panfletos com agradecimentos ao povo da terra. É coroada por Marieta. Discursa, então, José Olímpio, que oferece à homenageada rica veste vermelha, bordada a ouro e pedranas, que lhe é entregue por quatro meninas de vestido branco e manto azul. João Vital recita poema: "Salve! Mulher adorável / Tens a figura atraente / Dos serafins e do oriente". A poesia é profusamente distribuída em cetim branco com franjas douradas. Margarida recebe medalha de ouro. João Vital discursa, seguido dos oradores Hildegardo Erudilho, Lino Carneiro e Lino Santos. A menina Palmira Andrade recita poesia. Falam, ainda, Dr. Caetano Tourinho, José Erudilho, Erudilho Junior e Alfredo Carvalho. No final houve revoada de pombos e os adeptos de Margarida a levaram em casa puxando o carro:, Dispensaram o cavalo ruço.
O povo, que não perdoa, falou do orador, que pomposamente se dirigiu à homenageada dizendo: "Marie TABE-LA", e que as artistas não sabendo o que fazer com tantas flores deram-lhe uso racional e prático. Teriam sido surpreendidas na manhã seguinte, lavando os penicos com os buquês.
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FEIRA E A SEMANA SANTA

A Semana Santa, em Feira de Santana, sempre se revestiu de grande solenidade nas celebrações da Igreja. Evidente que sem a ostentação fúnebre, que Melo Moraes Filho viu, no Rio de Janeiro, então capital da República e cheio de recursos. Feira, ultimamente, anda tentando enriquecer, muitas vezes comendo bagre e arrotando bacalhau, iguaria de abastados, hoje, mas que já foi alimento da pobreza, praticamente perdoado, aos ricos, na Semana Santa, ou como tira-gosto em bebedeiras.
Melo Moraes Filho fala, longamente, da quinta-feira santa em que "a começar da véspera, o luto obscurecia o esplendor das igrejas". A matraca substituía os sinos. " o altar dos sacramentos, guardado por sentinelas com as armas em funeral ficava iluminado como uma montanha de fogo; e, dividindo os quartos da noite, os irmãos velavam a hóstia consagrada" tudo porque o Nosso Senhor estava doente. Deus estava agonizante.
Evidente que esta cidade, com os recursos de que dispunha, sempre celebrou, com solenidade, os atos da Semana Santa, contando com a respeitosa contrição de multidões de fiéis e mantendo as manifestações que desde o início foram implantadas, inclusive as procissões, conhecidas pelo enorme número de pessoas que atraiam.
Feira manteve, até hoje, na quinta-feira santa, a Procissão dos Fogaréus, que em outros tempos se revestia de seriedade que ninguém, hoje, pode imaginar. Havia poucos veículos nas ruas. Em certa época, principalmente a do Mons. Mário Pessoa, o cortejo, formado pela Irmandade da Santa Casa de Misericórdia, de balandrau, tendo à frente o Cel. Álvaro Simões Ferreira; que levava o crucifixo, o tocador da matraca, Cláudio Macaca Fêmea e Oscar Lombardino, que dava o tom do "ora pro nobis", saia da Matriz, fazia paradas na Igreja Senhor dos Passos, Igreja Nossa Senhora dos Remédios e Capela de São Vicente, retornando à Matriz, locais em todos, ajoelhados, ouviam o "Senhor Deus, pequei Senhor" entoado pelo padre. A cidade ficava em silêncio quebrado , somente, pela Voz do padre, ou pelo bombardino de Oscar e matraca de Cláudio. As mulheres, proibidas de participar, corriam de rua em rua , de esquina em esquina para ver passar , nas ruas mal iluminadas da época, aquela escura multidão de homens compungidos diante drama da Paixão. Era espetáculo tocante, perturbado, de vez em quando, por um ou outro que se havia excedido na bebida, fatos que aqui tiveram pouca repercussão mas foram causa, em Salvador, da extinção da Procissão dos Fogaréus, por que resultaram em graves e sangrentos conflitos.
No seio das famílias a Semana Santa começava no Domingo de Ramos. Dali em diante ninguém mais discutia ou falava alto. As disputas domésticas cessavam. As crianças ficavam proibidas de brincadeiras ruidosas. Bolas de futebol eram recolhidas. Ninguém reclamava. Tudo era
feito com moderação e respeitoso silêncio. É claro que havia as compensações, que estavam na mesa. O jejum há muito deixara de ser obrigação do cató1ico, que evitava apenas a carne, principalmente a bovina. Nesta terra de comedores de carne de boi, em que o peixe e outros frutos do mar eram luxo das segundas-feiras, na semana-santa as mesas enchiam-se de terrinas de vatapás e carurus, moquecas inolvidáveis, acaçás e outras iguarias, acompanhadas de vinhos, todas capazes de levar qualquer cristão, rapidamente, ao pecado da gula. Compensavam-se as restrições, que só terminavam no Sábado de Aleluia, em que diversos Judas eram queimados, com grandes festas, em várias partes da cidade, com estrondos de fogos de artifício e consumo de álcool. Havia poetas que se especializaram em redigir, em versos, testamentos de Judas, brincadeira que invadiu algumas casas, onde Judas domésticos também eram queimados com alegria. Comemorava-se no final das contas, a volta da licença para o pecado, que sob certos aspectos é imprescindível fator da vida.

Seg, 12-Abr-2010 2:32

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O GOSTO DAS PROIBIÇÕ
ES

Quando se diz que é grande o número de brasileiros que adoram proibições, na maioria das vezes para desobedece-las, há quem torça o nariz achando que há bruto exagero na afirmação. A tendência, entretanto, existe, no seio da sociedade, a despertar curiosidade a respeito da origem de tão singular tendência, que entra em contradição com o que pregam constituições, idéias republicanas e movimentos populares.
O assunto é desafio para os estudiosos da antropologia cultural nas suas diversas vertentes. Queremos acreditar que a escravidão e diversos outros fatores, aqueles que propagam o acredita e obedece, pena de danação eterna, contribuíram para criar, no seio de certos povos, tão profundas pelas e tão inextrincáveis laços, durante tantos séculos, doutrinando e aterrorizando, que o verdadeiro sentido da liberdade, como existe em certos países, jamais é inteiramente percebido por boa parte do povo brasileiro, sempre a procura de garroteamento, leis restritivas, cadeias para os outros e limitações de toda ordem.
Os seres humanos, mesmo nas democracias plenas, cheios de direitos e prerrogativas, na verdade vivem simples ilusão de liberdade, limitados, em seus movimentos, por incrível emaranhado de regras de conduta que vão da lei às simples normas de conduta, julgadas necessárias a convivência social, como decorrência do pacto que nos permitiu abandonar a justiça privada e transferir poderes a funcionários, que além de fazer justiça e regras, tratam de arrecadar parte dos ganhos resultantes do trabalho, geri-los e aplicá-los.
A engenhosidade humana, que não tem limites, encontrou esse meio para tentar gerar certa dose de tranqüilidade social, única via para o progresso e para a prosperidade, com proibições que atingem desde o escarafunchar o nariz com os dedos à ocisão do semelhante.
As leis e demais normas de conduta, que ditam os bons costumes, entretanto, estão em constante mutação impulsionadas, vertiginosamente pelas conquistas da civilização, que vêm criando dias tumultuosos, nos quais tudo fica velho, imprestável e superado com incrível velocidade. As regras de conduta social, que sempre encontraram limites no tempo e no espaço, vigentes, por exemplo, há vinte anos, não mais se aplicam e não mais são aceitas no presente, criando enormes perplexidades.
Vem daí, talvez, a mania proibitóri1ia que se manifesta, ultimamente, 'no seio da sociedade, sob a forma, de regras legais, Como talvez a maneira de resolver problemas difíceis e tormentos. Mas pode ocorrer também, da necessidade. de mostrar serviço. Temos visto combate a legisladores do passado e do presente sob a alegação de que não apresentam projetos, pelo menos em número suficiente, para justificar o mandato. É que meteram na cabeça do povo que, o bom vereador, por exemplo, é aquele que entope a câmara de projetos, seja lá do que for, principalmente se proíbem alguma coisa, criando, na mente de novatos, mais do que necessidade, irresistível mania legiferante tão perigosa quanta a inação, a negligência e a inércia. Pode ser, também, nova maneira de manifestação de "ortoridade", o saiba quem esta mandando.
Mais do que a mania proibitória, entretanto, preocupa a enorme aceitação popular de medidas restritivas de direitos, geralmente discriminatórias, como a da proibição da presença de menores, nas ruas, após às 23 horas, que revela extrema hipocrisia, ao sugerir que ao menor e ao adolescente, nas ruas, tudo é permitido antes do toque de recolher, e, depois dele, intramuros, podem exercer a prostituição, furtar, vender e usar drogas e matar.
A exploração da estranha tendência do povo para aplaudir medidas espetaculosas, demagógicas, sem nenhum sentido ou utilidade prática, no complexo e difícil mundo em que vivemos, não é a melhor receita para o legislador sensato.

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O IGNÓBIL NA POLÍTICA

O episódio envolvendo o deputado federal Fernando de Fabinho, que nesta terra deu panos para todas as mangas, ainda rende dividendos, pequenos, é verdade, como o manifesto do PT de Santa Bárbara, documento que Hugo Chaves, Fidel Castro e o próprio Stalin subscreveriam, dando sustento a atual e pobre messe do noticiário político, quase restrito as atividades da Câmara Municipal e suas invenções.
O manifesto, que ataca, duramente, a nova aquisição da equipe do governo, surgiu depois do acirramento dos ânimos, já exaltados, em Santa Bárbara, provocado pela divulgação de notícia segundo a qual Fernando de Fabinho voltaria a disputar a Prefeitura, daquele município, com o total apoio da grei do governador Wagner.
Sem provocar terremoto, entretanto, político da nova safra desta cidade, acostumado a largar o verbo, diariamente, sobre população nem sempre cauta, sem dar importância ao fato de que "verba volant", depois de defender a posição do deputado, que deixou a oposição para se aliar ao governo do Estado em conduta inesperada e surpreendente, fez acérrimas acusações a um deputado federal que teria ameaçado o trânsfuga com pedido de perda de mandato. No seu entender, abandonar partido de oposição para cair nas benesses governamentais é fato natural, humano e compreensível como o de quem se vale daquele que lhe dá apoio e abrigo, na abastança, para abandoná-lo, na dificuldade, em busca de novo protetor.
Se essa é a norma dos políticos da nova geração, estamos fritos. Melhor é abandonar os sonhos de democracia e liberdade, do poder exercido pelo povo e deixar o país descambar em direção a qualquer dos novos "ismos", que ameaçam se espalhar na América do Sul, em que se vão mascarando um antigo, que tanta desgraça promoveu no mundo, e entregar tudo a um tiranete qualquer, à semelhança dos que andam a criar simulacros de democracia.
Roeu os ouvidos de muitos, contudo, a afirmação do político, novato e candidato a líder, de que a intenção manifestada pelo deputado, a de ingressar em juízo para reaver, para seu partido, o mandato atualmente exercido por Fernando de Fabinho, era ignóbil. Queremos acreditar que o professor - o político em questão também e professor, e de letras, se não estamos enganados - não conhece o significado da palavra que proferiu, ou, o que é pior, não consegue controlar a língua.
A palavra não e desconhecida, nem tão antiga a provocar dislates e emprego despropositado. Está em todos os dicionários desde o Bluteau. No Houaiss, que todo mundo conhece, é o "que não é nobre, que inspira horror do ponto de vista moral, de caráter vil, baixo, que causa repugnância, que ofende o sentido estético, hediondo".
A perda do mandato, por infidelidade partidária, é tese amplamente conhecida e discutida na imprensa e no Judiciário deste país. Já foi declarada legítima, pelo STE, em resposta a consulta formulada por um partido político. Outros partidos tem contestado o direito de recuperação de mandatos nos casos da troca-troca de partidos que aconteceram, recentemente, no Congresso nacional, causando escândalo a exigir reforma na legislação eleitoral. Afirma-se que ao se manifestar pela perda do mandato, nos casos de infidelidade, o STE optou pelo que é politicamente correto, mas sem o necessário respaldo da legislação. Ao decidir, o STE, que o mandato é do partido e não do parlamentar, invadiu, no entender de muitos, a competência reservada, constitucionalmente, ao Congresso Nacional, o que e discutível, porque a Constituição Federal, no art. 55, não arrola, entre os motivos de perda de mandato, a infidelidade partidária. A perda do mandato encontraria respaldo apenas, na Lei dos Partidos Políticos, que autoriza as organizações partidárias a estabelecer punições para os parlamentares que desertem as orientações do partido e em certos casos entra em choque com a própria Constituição.
Há portanto, no país, grave e séria discussão sobre a conseqüência da infidelidade partidária dos parlamentares. Não é uma questão ignóbil.
Ignobilidade é outra coisa.

AVES MIGRATÓRIAS

Foi o poeta Raimundo Correia quem falou das pombas, que deixam os pombais, diariamente, mal "raia sanguínea e fresca a madrugada", em soneto célebre, segundo o qual as pombas sempre voltam, ao contrário dos sonhos, que ao coração não voltam nunca mais. Sair, mas nem sempre voltar, parece que sempre foi destino de homens e animais desde os primórdios do mundo. Até hoje, em lugares onde ainda existem animais selvagens, como nas savanas de África, manadas inteiras migram, periodicamente, em busca de alimento e água, hábito que deve ter atingido os primitivos humanos e se apresenta, algumas vezes, hoje, em pessoas que não esquentam lugar e cuja maior realização é a de correr mundo, ainda que enfrentem terremotos, furacões, climas congelantes e polícias políticas.
A migração, portanto, é fenômeno que acompanha a história da humanidade motivada por fomes, perseguição política e religiosa, como a dos judeus, nos tempos da Santa Inquisição, em Portugal, e de italianos, irlandeses e chineses, em busca dos Estados Unidos, à procura de trabalho e ganhos. Quem estuda o fenômeno, o da migração compulsória, por necessidade de sobrevivência, afirma que do contacto de correntes migratórias com pessoas, ambiente e. hábitos que lhes são estranhos, pode resultar, de ambas as partes, em absorção de hábitos novos e novas formas culturais.
Não sabemos até que ponto a migração pode influenciar, melhorar ou corromper a grei para aonde os políticos se trasladam. Fato é que a troca de partidos tornou-se tão comum e corriqueira, no Brasil, que repercussões de monta e mudanças de rumos dificilmente podem ocasionar, porque os partidos brasileiros se igualaram em suas poucas virtudes e seus muitos defeitos. E como diz o povo: "lá e cá más fadas há".
A partida do deputado federal, Fernando de Fabinho, do grupo do prefeito Tarcizio Pimenta, em veloz direção ao agregado do governador Wagner, ungida e sacramentada, é fato defunto. Ultrapassou a extrema unção; o deputado já se aboletou nos domínios governamentais, provocando apreensões e demonstrações de invendável rancor em setores do PT local, enchendo de ameaçadoras nuvens de tempestade o Município de Santa Bárbara, onde o Partido dos Trabalhadores comanda a Prefeitura.
Problema vai ser no dia em que assumir a secretaria que lhe estão profetizando.
Nos prenúncios, pródomos e antecedentes da despedida, entretanto, o acontecimento, que não deixou de ter alguma relevância, provocou, nesta terra, durante cerca de uma semana, mais fogos de artifício do que os festejos de ano-novo, em Copacabana, com variadas luzes, lágrimas, pipocos, estouros e densa fumaceira felizmente sem vítimas a lamentar. O assunto ultrapassou, na atenta mídia, em tempo e espaço, todos os homicídios, roubos, chacinas e festas de pó por acaso ocorridas, como se migração, na política brasileira, fosse caso raro, capaz de provocar terremotos e mudanças no eixo do planeta, feito, há quem ainda afirme, para ficar parado, mas que inquestionavelmente se mexe, samba, rebola como poderia dizer Galileu Galilei se ainda vivesse.
Difícil afirmar como a notícia repercutiu no real interesse do povo, mais interessado no pão do cada dia, no transporte coletivo e no seu time de futebol do que propriamente na política partidária e seus poleiros.
Outros, recentemente, fizeram a viagem, que acaba de empreender o deputado Fernando de Fabinho, sem despertar grande estardalhaço da imprensa, talvez porque sabidas aves migratórias.
A princípio os migrantes despertaram raivosos comentários contra o carlismo, que diziam morto e sepultado, tratando simples, comum, mas eficiente fenômeno de carisma pessoal, sólida liderança política e respeito as amizades como se fosse algo do montante de doutrina internacional, a exemplo do comunismo, que era preciso combater a todo custo.
No caso do deputado Fabinho as raivas tomaram rumo do ex-prefeito José Ronaldo, dando-o como liquidado, desfalecido e morto nos campos da política do Estado, porque as defecções lhe haviam drenado todos os votos e eliminado sua capacidade de liderança.
Ninguém tratou de avaliar a quantidade de votos que os dissidentes carregaram, em suas malas, para fortalecer o grupo do governo.
E ninguém se pronunciou sobre o povo. Afinal, nesta democracia, os votos a quem pertencem.?
Até que ponto as aves migratórias podem fazer alguma diferença?

A POLÍTICA DAS BOAS SOGRAS

Eterno motivo de discussões, falácias e demandas, o financiamento de campanhas políticas de vez em quando reaparece no noticiário e na palavra de políticos. Alguns quase chegam às lágrimas ao lamentar a falta do famoso financiamento público, providencial medida que ainda não desabou sobre o erário. Há, apenas, esperanças ameaçadoras.
Transparece, de tudo isso, verdade de estranha singularidade. A lei demonstra desafeição, verdadeira iracundia e extraordinário azedume a intromissão do dinheiro em eleições, quando todo mundo sabe que o velho dinheiro, invenção do diabo, é a chave que abre todas as portas, como disse Molière, em "Escola de Mulheres", e segundo Horácio, nas suas "Epístolas", esta a frente da virtude, sem deixar de lado a sabedoria de Sancho Pança para quem o melhor cimento para bom edifício é o dinheiro.
Não há como entender a idiossincrasia legal ao dinheiro na política brasileira, sabido por todos que custa fortunas, hoje, simples campanha a vereança, sem incluir, na conta, a compra de votos, atualmente mais reminiscência das velhas eleições a bico de pena do que realidade eleitoral. O voto secreto, eletrônico, teve papel saneador, reduzindo chefes de distritos ou de bairros e cabos eleitorais a meros propagandistas, na maioria das vezes simples marreteiros com atuação aparentada do estelionato.
É tarefa quase impossível coibir, totalmente, a influência do poder econômico em pleitos eleitorais. Ninguém vai impedir que boas sogras, com algum, soltem dinheirinho ou dinheirão na campanha do genro candidato. Uma tranqüilidade. Intranqüilidade poderia provocar, em certos casos, a sogra boa, mas aí é outra coisa. Tudo se torna mais complicado quando a sogra tem o nome de caixa dois, porque dinheiro não exibe marca, a não ser a do Tesouro Nacional, e não tem registro. Não fala e dificilmente da testemunho.
Mas, por falar em dinheiro, que se tomou o deus supremo da política partidária, surgiu notícia curiosa, abafada por outras, que dão conta de defecções, fugas e apostasias, muito mais interessantes. Vereador à Câmara local reapresentou projeto de lei com o qual pretende reduzir o período de recesso do ramo legislativo do governo municipal de noventa para quarenta e cinco dias. É caso raríssimo de alguém que deseja aumentar as horas de trabalho com a mesma remuneração, O que implica em redução do salário. O projeto, tudo indica, será devidamente rejeitado, até porque, manda a verdade, convém dizer que vereador não tem muito trabalho a não ser o de prestar assistência ao eleitorado, tarefa que não encontra limites no tempo e, muito menos, nos custos para os incautos.
Daí que certos vereadores ficam, na Câmara, a inventar tarefas e meios de aparecer na imprensa. Criaram, com estardalhaço, uma CPI dos combustíveis, na qual gastaram o dinheiro do legislativo e juntaram enorme, indigesta e inútil papelada que segundo foi noticiado enviaram para outro órgão público, que deve ter mais o que fazer do que procurar o que ninguém guardou.
Outro dia surgiu notícia de que vereador apresentou ou estaria preparando proposição destinada a obrigar o funcionalismo municipal, todo ele, a economizar água, que deve ser usada, nas repartições, com extrema parcimônia, no que atenderia a preocupação, ate certo ponto exagerada, dos ecologistas, que dizem que a água esta acabando no planeta, mas contraria orientação dos serviços de saúde que mandam lavar as mãos para combater o alastramento de certas doenças e vai contra o senso comum que aconselha a dar descarga nos aparelhos sanitários depois de usados.
Diante, entretanto, das enchentes, que avassalam diversas localidades, inclusive no Brasil, e da ameaça de derretimento dos gelos polares, com o perigo de outro dilúvio, não acreditamos que a Câmara aprove a medida, que seria mais do agrado de vírus, bactérias e bodum do que destinada a salvar o gênero humano do perecimento.
Em meio ao noticiário surgiram acerbas críticas ao Judiciário local, que teria soltado quase todos os presos da "festa do pó". A imprensa, no sentido geral, tem importante função, a de educar. Ao fazer afirmações tendenciosas atirando o povo contra o Judiciário sem nenhuma base nos fatos, parte da imprensa erra, deseduca e trai as razões de sua própria existência. Se o Judiciário mandou para rua indivíduos presos, ilegalmente, pela polícia, que comemorou e livrou-se, por alguns dias, da fama de inoperância, agiu corretamente. Não vamos pedir ou aplaudir prisões ilegais. É perigo que devemos evitar a todo custo.

COMÉDIA E REALIDADE

O padre Antônio Vieira, no Sermão da Sexagésima, afirmou que encontramos, na comedia, pontos da doutrina moral "muitos mais verdadeiros e mais sólidos do que hoje se ouvem nos púlpitos."
Tinha razão. É que a comédia foi criada, explorando a estranha ambivalência da humanidade, que lhe permite aceitar e defender, em certos casos, o que condena em outros, principalmente para burlar os diversos tipos de censura, que sempre atingiram a comunicação humana, a difusa, que se confunde com a moralidade pública, até aquelas que se instalam "manu militari".
Da comédia, que concretiza o "castigat ridendo mores", ninguém escapa. Ate os deuses, com Aristófanes, já foram satirizados. Tem atravessado os tempos incólume, ainda que considerada forma inferior de expressão teatral, mas sempre conquistando espaços. Na televisão brasileira encontrou seu ponto mais alto com Chico Anisio e Jô Soares. Degenerou, depois, porque provavelmente, não se esta fazendo completa distinção entre o que é risível e o que é ridículo.
Difícil falar em comédia sem lembrar Moliére, criador de obras-primas e retratos de tipos sociais destinados a se eternizar na literatura, como o do avarento.
O que aconteceu em Feira de Santana, faz poucos dias, quando cerca de cento e cinqüenta pessoas, homens, mulheres e crianças comemoravam data natalícia de traficante de drogas conhecido das autoridades policiais, ruidosa e festivamente, em casa de eventos das muitas que estão em atividade, é sintomático. Surpreendidos pela polícia, alertada por denúncia telefônica anônima, conforme diz o noticiário, os participantes do festejo apresentam tinturas de comédia, principalmente a quem viu a vasta reportagem icnográfica, exibida, na Internet, no site de Dilton Coutinho, onde aparecem deitados, descalços, semi-nus, à beira de piscina, já dominados pela polícia, enfileirados como se gozassem de gostoso banho de sol.
Na festa, além de comidas e bebidas, conforme noticiado, havia, cuidadosamente expostos, em razoável quantidade, para consumo geral, cocaína, maconha, crack e o sempre lembrado lança perfume. A investigação policial, hoje, na Bahia, em alguns setores, resume-se a dois instrumentos de valor duvidoso: a confissão e a delação anônima (fuxico), que se podem transformar em certeza e convencimento pessoal do delegado, pelo menos para o público ou para satisfazer cobranças, o que não deixa de ser perigoso para a população e para a correta administração da justiça.
A polícia, dos cento e cinqüenta que festejavam o aniversário do traficante, conseguiu prender, afirma a crônica policial, cerca de cento e vinte, conduzidos, em ônibus, para a cadeia, mas aumentando as agruras policiais pela falta de acomodações para tanta gente ilustre, já que existe superlotação no Complexo Policial e no Conjunto Penal.
Entrevistado por um repórter de rádio, o aniversariante, preso, saiu-se com a conhecida argumentação de defesa: havia, na festa, drogas proibidas. Mas, ele, não e traficante. É usuário, pobre viciado, padecente das circunstâncias, a merecer toda a atenção e todos os cuidados das autoridades. Resumiu a argumentação de todos os que foram detidos na momentosa festa, vítimas da sociedade, doentes a reclamar tratamento e reverências.
Consta que a polícia lavrou flagrante contra mais de cinqüenta dos presos, não se sabe, ainda, de que delitos, porque tráfico, tudo indica, não estava havendo, salvo algum eventual porte ilegal de arma de fogo. Violência não foi constatada. Havia, na celebração, grande número de pessoas descalças, alegremente folgando, à vontade, vestindo apenas shorts e gozando das liberdades que lhes são asseguradas pela legislação, certas de que no Brasil a posse de drogas proibidas não é punível. O nosso país se quer mostrar avançado e seus legisladores, macaqueando países pequenos e corretamente policiados, acham que viciados. em drogas devem ser encaminhados a tratamento em estabelecimentos especializados. Só que tais estabelecimentos não existem.
Conclui-se, de todo o acontecido, longe da comédia, que o fato, alarmante, gravíssimo, foi vastamente previsto e anunciado. Demonstra que traficantes e usuários de drogas estão fortalecidos, acima da lei, agindo sem medo e sem respeito a quem quer que seja. Reúnem-se, publicamente, festejam, expõe e usam drogas em festa, na presença de menores, desafiam, provocam, afrontam e fazem adeptos. No decorrer da semana surgiu outra sintomática notícia, a de que já houve festa similar, recentemente, gravada em vídeo que chegou as mãos da polícia, demonstração de que o tráfico de drogas, nesta cidade, tenta escalada do poder, quer domínio, mando, controle, liberdade para agir e comandar. Quem irá deter essa gente?

Sáb, 06-Mar-2010 23:43

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