O carcereiro seguia na frente, penca de chaves na mão. Tinha bunda grande e arrastava de leve a perna direita. Chave de fenda e um alicate no bolso de trás. Para quê, não sei.
– O delegado está cheio de pena. Disse que você é um cara legal. Mas o teu chefe, o tal do doutor Alberto Júnior, é importante e influente, amigo do secretário, sei lá o quê mais.
Uma gaiola no corredor. Um coleiro preso. Pensei em algum comentário sobre pássaros e presos, delegacias e gaiolas, mas fiquei quieto. Já aprontara o bastante.
– Que confusão que você arrumou, hein?!
Não respondi nada. Não estava mais com paciência para conversa.
Abriu a grade do xadrez e me fez entrar. Até educado, o cara.
– Boa sorte.
– Valeu.
Deu dois passos para frente e engatou uma ré, virando-se para falar comigo novamente:
– Verdade que você é poeta?
– Não.
– Ah, bom. É que ouvi dizer.
– Sou escriturário.
– Melhor assim. Poesia não leva a nada.
– É verdade.
– Escriturário tem mais futuro.
– Sim. Com certeza.
A cela não era tão imunda quanto eu tinha imaginado, e por sorte estava vazia. Dois colchonetes, caneca para beber água e até uma privada mais ou menos limpa no canto. Mais tarde entregaram uma sopa rala, que despejei no vaso. Fiquei sentado no chão, assistindo à chegada da noite, apertando os joelhos e ouvindo o canto dos grilos. Seria bom poder ver agora o céu que eu via na casa da roça, deitado na esteira estendida sobre a terra, ouvindo a avó e tias contarem histórias de assombração.
Tirei um cochilo e sonhei com meu pai, pela primeira vez.
Um velho sentado diante de mim, o olhar perdido, distante. Tremia de um olho e não me encarava:
– Então você é o meu pai?
Silêncio.
– Disseram que você era assim, assado e não sei como, que tinha cabelos e barba pretinhos, bem pretinhos, que tinha uma cova no queixo e vastos bigodes.
Não disse nada. Desapareceu por entre as grades. O pai me abandonou novamente, em pleno sono, e novamente quando eu mais precisava.
Despertei com o barulho do cadeado. O carcereiro abriu a porta, empurrou o novo preso e não teve coragem de olhar para mim. Sabia a lambança que estava fazendo. Apesar da pouca luz, reconheci aquele que veio para o serviço sujo: Jangada, leão de chácara do patrão, matador profissional.
O inferno não são os outros e os inimigos podem morar em nossas veias. Nesse momento, não me senti nas mãos de ninguém. Um saco plástico voando da janela de um carro, bolha de sabão que o menino soprou para os céus, um bicho sozinho, de pata ferida e asa empenada, mais sozinho do que os meus jabotis.
Trecho do meu primeiro romance, “Danação”, pela Editora 7Letras, lançado em abril, no Rio de Janeiro.