Pouco antes de entrarem em cena, se dirigem, um a um, à sala de maquiagem. Reforçam a tinta capilar, remodelam a sobrancelha, aparam pentelhinhos do nariz. Todos pedem à moça que capriche na base e nos cremes, pois as luzes da TV, sabe como é, né? Toca a campainha, eles ocupam seus lugares, o diretor grita “Ação” e seja o que Deus quiser.
– Eu peço a palavra a Vossa Excelência para proclamar, com a vênia e a compreensão dos demais membros dessa Corte, que o progenitor de Vossa Excelência era um renomado ladravaz do alheio. Enquanto a cônjuge do mesmo, por equivalência legal, equiparação moral e justo paradigma progenitora de Vossa Excelência, faz jus, no amparo da lei, ao epíteto de mulher de vida desregrada.
– Por que Vossa Excelência não proclama, com todas as devidas palavras do embargo, o que está a blasfemar com as pouquíssimas que conhece? Que o meu pai era ladrão e que minha mãe era rameira e que, por conseguinte constitucional, eu sou um filho da puta?
– Seria de bom tom que Vossa Excelência moderasse o vocabulário, pois não temos que ouvir aqui suas blasfêmias, vilanias, vilipêndios contumazes. Ate quando vamos ter que aturar sua presença nefasta e o seu linguajar de prostíbulo? É um desprazer cotidiano e contumaz sermos obrigados a conviver, nesse plenário, com a presença amarga de Vossa Excelência. Outrossim...
– Outrossim, como diria Graciliano Ramos, é a puta que o pariu!
– Data vênia, ainda não lhe concedi a palavra!
– Então, peça vista e arquive a palavra no escaninho dos anais...
Câmaras se deslocam para alguém, de voz suave e delicada, até então em silêncio:
– Senhores, eu peço que mantenham o nível!
– Perdão, presidente... Outrossim, como diria antes de ser interrompido, a presença infame e infamante de Vossa Excelência, que tanto deprecia e macula o ar desse ambiente...
– O que macula o ar desse ambiente são os gases e o hálito de Vossa Excelência!
Câmaras se deslocam novamente. A voz delicada agora um pouco mais rascante:
– Puta que o pariu, senhores! Podem manter o nível???
Depois de servir água e café para todos, o copeiro levanta a mão e fala alto:
– Um momento da atenção de vocês, por favor!
Param todos, petrificados com a ousadia do rapaz. Os câmeras gelam. O diretor não sabe o que fazer. Antes do esperado grito de “Corta”, o copeiro prossegue, dono da cena:
– Vocês acham que é para isso que eu pego dois ônibus e um trem todas as manhãs?! Para chegar aqui e ficar ouvindo esse bate-boca desagradável?!
Deixa a bandeja de água e café, juntamente com a toalhinha branca, bem diante do laptop da presidente. E dá as costas, resmungando:
– Ora, vão procurar um tanque de roupas! Uma lâmpada para trocar!! Uma Constituição para ler!!!
Silêncio no tribunal. |