Em um sábado de manhã, a menina estava na casa de sua avó, quando chegou de longe o tio rico. Chegou em seu carro vermelho, último lançamento. Estava acostumado a trocar de carro todo ano. Chegou com pressa, como das outras vezes. Costumava ficar três dias, no máximo, longe das suas empresas. Dizia sempre: “o que engorda o gado é o olho do dono”.
Pediram à menina que fosse com ele à casa de Helena, que também era rica, para lhe ensinar o caminho. A menina prestativa entrou no carro e foi como estava. Eu particularmente gosto muito desse nome, cujo significado, de origem grega, é reluzente, resplandecente. Toda Helena é mesmo cheia de luz e graça. Esta era uma mulher estonteantemente bela, de olhos escuros e luminosos, que costumava se vestir com roupas de fino gosto. Seu requinte constava por toda a casa, até na escolha do cardápio semanal, designado às suas cozinheiras.
Chegando à casa de Helena, após os cumprimentos afetuosos, apareceu na sala de visitas uma sobrinha dela, que logo chamou a menina para tomar banho na piscina cercada por um belo jardim. Era manhã de primavera e o jardim de Helena despontava em flores: calêndulas, rosas, cinerárias, margaridas, orquídeas suspensas no muro lateral e, em destaque, três tipos de cactus, planta que representa a força do povo sertanejo, por sua capacidade de conservar água. Nativas da caatinga, são as únicas plantas que florescem o ano todo no sertão, e naquele início de primavera floresciam no jardim de Helena. Havia também um viveiro com pássaros que cantavam o canto rouco dos silenciados, dos que almejam voar, sair da gaiola para descobrir o mundo. Cantavam sem que ninguém ouvisse o seu canto por liberdade.
A menina disse que não estava com biquíni. Então, a sobrinha de Helena, tão cordial e educada, prontamente levou-a a um quarto e abriu uma gaveta repleta de biquínis. Mandou que ela escolhesse um. A menina admirada com tanta generosidade, escolheu, vestiu e foi para a piscina. Foi lá que a sobrinha, em um breve diálogo, descobriu que a menina não era filha do tio rico:
- Pensei que você fosse filha dele!
- Eu percebi, disse a menina, mas não sou. Sou sobrinha dele.
- E você não disse nada?!
- Era pra dizer? Se perguntasse, lhe diria, eu sei que faria diferença.
A menina resignou-se e continuou a curtir a piscina e apreciar o lindo jardim de Helena, sem se importar com o olhar de desdém lançado por sua condição de menina pobre.
Salomão nos ensina nos Provérbios que “as riquezas multiplicam os amigos, mas ao pobre, o seu próprio amigo o deixa”. Miguel de Cervantes, citando Ovídio no Dom Quixote, escreve algo parecido, que com alterações minhas ficaria assim: Enquanto fores rico, contarás com muitos amigos. Mas, se ficares pobre, se prepare para os tempos nublados, pois estarás só! A menina sentiu, ainda que por poucos instantes, o gostinho de fel da triste, hipócrita e medíocre bajulação e pensou: “se algum dia eu tiver uma casa como esta, vou escolher bem os frequentadores, pois alguns tipos fariam mal até as plantas do jardim.”