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AGAPITO DA PAZ DIVINA E O FIM DO MUNDO EM FEIRA

Da série: Verdades e Mentiras sobre Feira de Santana
Publicado em: 07/01/2015 - 03:01:44
Fonte: Emanoel Freitas


    A religiosidade do povo nordestino e sertanejo, antigamente, destacava-se em muito do que acontecia nos grandes centros, mantendo características bem próprias. As sextas-feiras santas, por exemplo, eram de uma taciturnidade incomparável com qualquer outro dia do ano. Fazíamos jejum, e nas refeições, admitidas, era definitivamente proibido comer carne, inclusive durante toda semana santa, na sexta era pecado mortal. Nas rádios, só tocavam músicas clássicas, de preferência de compositores de músicas sacras ou de algum modo ligados a religiosidade. Afirmavam que a prática sexual era pecado mortal. Xingar? Ai de quem ousasse deixar escapar um palavrão em uma sexta-feira santa, estava condenado definitivamente ao fogo do inferno, por toda eternidade. Os jovens de hoje, quando relatamos estes fatos, se divertem, riem e acham que é puro folclore, mas não é não, era assim mesmo, sem nenhum exagero.
    Era um ambiente extremamente favorável ao desenvolvimento de certos comportamentos patológicos, que muitas vezes cresciam e chegavam a se tornar problemas realmente sérios para as autoridades. Em determinado momento da história os relatos do surgimento de beatos, nordeste adentro eram terríveis. Toda região tinha o seu beato de estimação, ou até, os "seus beatos". Claro que Feira não era diferente, e aqui aparecia um personagem, que hoje em minha lembrança parece engraçadíssimo, na época, no entanto, quando eu era bem menino, não contava, sequer, com dez anos, a minha forma de vê-lo era bem diferente. Circulava pelas nossas ruas, do centro da cidade, um cidadão que se denominava de "Agapito da Paz Divina". Vestia uma espécie de bata branca (imitando uma batina clerical), cultivava uma barba, que quando conheci também já era branca, usava um crucifixo grande pendurado no pescoço, preso por um barbante tosco e que me parecia bem sujo, pela cor, e costumava carregar cartazes presos por mastros rústicos com dizeres como "O fim está próximo"; Se preparem para o Juízo Final"; "Jesus está voltando"; "a 2.000 não chegará", e muitas outras frases que não recordo bem.
    Agapito não fazia mal a ninguém, fazia pregações segurando algum de seus cartazes, sempre induzindo toda população a evitarem a prática dos pecados, e orientando as pessoas a um comportamento dentro dos ditames bíblicos que entendia corretos, e nunca deixava de falar do final dos tempos, prevenindo a todos que teriam que assegurar a salvação da alma, e que o juízo final estava próximo. Pela tenra idade, eu não entendia bem, ou para dizer a verdade, não entendia quase nada, e costumava perguntar ao meu pai do que se tratava, uma vez que a figura do beato realmente se destacava das pessoas "normais", meu velho sempre saia pela tangente com uma evasiva do tipo: "É um maluco, fica falando besteiras e incomodando as pessoas".
    Nunca entendi porque aquele cidadão que me parecia um papai noel fora de época, e em trajes estranhos, assemelhados a um padre "do bem"(era o que a vestimenta branca me inspirava), poderia incomodar alguém. Ele apenas falava coisas, que embora fora do alcance dos meus conhecimentos de então, não me pareciam agressivas ou dignas de qualquer reprimenda. Cansei de ouvir pessoas que escutavam o discurso de Agapito, afirmarem: "Agapito tem razão, a Bíblia fala: De mil passará, mas a dois mil não chegará", de modo que fugia, ainda mais, do meu entendimento quando a polícia chegava e colocava o pobre do Agapito no jipe e o levava. Mas tarde descobri que ele era levado para delegacia, e muitas vezes ficava preso na cadeia pública.
    Eu não sabia o que acontecia na delegacia, percebia apenas que Agapito sumia por um tempo, e depois aparecia outra vez, o máximo que mudava, as vezes, era a frase do cartaz que ele carregava. O discurso da fé e o fim do mundo continuavam no centro de suas falações.
    Prendiam Agapito de forma tão sistemática, que causou em mim um sentimento de solidariedade e de compaixão, pois no meu entendimento ele não estava fazendo nada que justificasse a prisão. Sempre perturbava meu pai com perguntas quando via Agapito ser preso, e o máximo de elogioso que ouvi foi que ele era um "beato amalucado". Bom, realmente eu não sabia o que era um beato e muito menos amalucado, de qualquer forma, era um "beato amalucado", mas que não fazia mal a ninguém, e na minha visão à época, a prisão era lugar para pessoas ruins, e não para "beatos amalucados", que a todo tempo falavam em Deus, na salvação da alma e no fim dos tempos, fatos que também fugiam ao meu entendimento.
    Tinha que descobrir o significado do "beato amalucado", de modo que precisava de uma oportunidade propicia para indagar a alguém sobre o significado daquela expressão. Meu pai havia comprado uns dicionários em uma promoção que houve aqui em Feira, do MEC, com vários exemplares de capas e cores diferentes, cada um relativo a sua especialidade, ou seja, de português, de francês, inglês, e até mesmo um de latim, nunca entendi porque comprou, mas ele havia adquirido e comentado que no seu tempo de escola ele dava latim, acho que pensou que eu estudaria também. O livro nunca foi aberto, que eu saiba, até a minha necessidade de descobrir o que era "beato amalucado". Consegui até entender o que era beato, mais o amalucado, não encontrei a menor pista durante muito tempo.
    Nunca pude me aproximar dos grupos que ficavam ouvindo as pregações do beato, eu ainda era muito menino, não tinha permissão para chegar perto dos grupos que ficavam hipnotizados pelo falatório daquele ancião, e também havia um ponta de medo, eu realmente não conseguia entender claramente do que se tratava.
    Certa feita, no largo à frente da Igreja dos Remédios, nesta época haviam quatro árvores frondosas, protegidas por uma espécie de canteiro feito de alvenaria, que também servia de banco para as pessoas, Agapito estava sobre uma destas proteções realizando mais uma de suas pregações, desta vez, diferente, pois além da assistência espontânea que parava para ouvi-lo, havia uns quatro ou cinco indivíduos, também com vestimentas idênticas as do beato, com hábitos brancos e cruzes de madeira penduradas no pescoço. Portavam cartazes com dizeres variados, em uma demonstração inequívoca do crescimento das pregações de Agapito, o que, de forma inexplicável, me proporcionou uma certa satisfação, em ver reconhecido o esforço do velho pregador.
    Não demorou muito a pregação, que crescia com o aumento da assistência dos transeuntes, quando chegaram dois jipes da polícia e levaram, não apenas Agapito, mas também os seguidores que se vestiam como ele. Eu que assistia tudo da esquina do Beco da Coelba com a Rua Direita, fui tomado por uma revolta naquele momento, que cheguei a sentir vontade de ser um grande amigo de Pedro Grosso, para pedir a ele que defendesse Agapito, mas isso certamente seria impossível. Bom, a verdade é que isso é outra história.



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