Dia de folga
Todo dia 24 de dezembro o genro trazia duas grandes bisnagas de pão de sal e uma garrafa de vinho adocicado. Na sacola de papel pardo vinha também uma peça de bacalhau, danado de ossudo, e umas castanhas que a mãe botava logo para cozinhar.
Eu ia até a venda de Mateus comprar óleo, manteiga, ovos, canela e açúcar, e à noite os pães já tinham virado rabanadas. O bacalhau passava a noite dentro de uma bacia com água. Pela manhã era separado dos ossos e da pele. A mãe caprichava no ensopado com leite de coco, tomate, batata e coentro à vontade.
Aí sentávamos à mesa – costume que não era do dia-a-dia. Os adultos bebiam vinho, os meninos bebiam K-suco, o bacalhau engolido com arroz fresco e farinha de mesa parecia a terceira coisa melhor do mundo; a segunda era a rabanada com café quentinho logo depois e a primeira era que naquele dia a mãe não tinha que sair para o trabalho, era dia de folga, mesmo que não fosse dia de domingo.
A boneca
A menina queria porque queria a boneca que tinha cabelos de milho e revirava os olhinhos.
Diante da vitrine da loja, às vésperas do Natal, o pai contava os trocados. Um olho nos olhos ansiosos da filha, outro nos olhos sedutores da boneca.
Feita a conta, o pai perguntou à vendedora se poderia parcelar. A moça respondeu que não.
O pai perguntou se a menina ficava triste. A filha respondeu que sim. Ele quis saber se poderia adiar a compra para o final do mês. A vendedora disse que no fim do mês talvez a boneca já tivesse sido vendida.
O pai coçou os olhos de angústia, secou uma lágrima triste. A menina deu um abraço bem apertado no pai, sorriu com os olhos de amor e disse:
– Não importa. Essa boneca nem é tão bonita assim.