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AINDA É CEDO AMOR

Do livro inédito “Contos da vida absurda” (Editora Casarão do Verbo), a ser lançado este mês (setembro 2014), na 7º Feira do Livro de Feira de Santana
Publicado em: 04/09/2014 - 21:09:05
Fonte: Luís Pimentel


     O bar era estreito, porém comprido. O balcão, de onde os garçons partiam com as bandejas abastecidas, ficava à direita de quem entra. À esquerda, logo na entrada, ficava a baia com o palquinho onde eu me apresentava.
     O palco parecia um caixote, mas cabia a cadeira onde eu me sentava e o tripé com o microfone. Atrás de mim, encostados na parede, ficavam o amplificador e a caixa de som.
     Quem passava em frente ao balcão e ao artista (eu) e seguia em frente, ia dar no salão de sinuca, com uma dúzia de mesas enfileiradas, dois ou três jogadores em volta de cada mesa. No fim de tudo estavam os banheiros, dos homens e das mulheres; me impressionava a quantidade de mulheres de taco na mão.
     Foi do banheiro que o sujeito saiu – não vi a hora que entrou – e veio decidido em minha direção. Eu ainda afinava o pinho, me preparando para começar a apresentação, e perguntou se eu sabia tocar e cantar O mundo moinho. Aquela que começa falando “ainda é cedo, amor”, ele disse.
     Eu respondi que sabia mais ou menos, e o sujeito torceu o nariz.
     Mais pra mais ou mais pra menos?
     Eu disse que O mundo é um moinho é uma canção difícil, e que excetuando o próprio Cartola, talvez poucos músicos sabiam executá-la direito ao violão. O sujeito resmungou que mais ou menos até ele, que era amador, também tocava e cantava. E que aquela não era a resposta que esperava de um profissional.
     Se é que tu é mesmo profissional.
     Então leva a música do jeito que sabe mesmo, para eu ver como é que é esse teu mais ou menos.
     Eu não queria me aborrecer tão cedo, antes mesmo de começar a trabalhar e antes de o bar se encher de chatos e de bêbados, mas disse que ia tentar.
     Mais tarde.
     Mais tarde, a que horas?, ele quis saber. Respondi que mais tarde é quando começa a apresentação, pois no momento ainda estava afinando o instrumento.
     O sujeito pegou o maço de cigarros no bolso de trás da calça, sempre olhando para mim, e se preparava para acender um, quando o garçom se aproximou e avisou que era proibido fumar ali. Então continuou me olhando, agora mais aborrecido ainda, e disse que detestava ouvir e ver músico fazendo dindom, dindom, acertando cordas ao invés de tocar, que isto deveria ser feito em casa.
     Concordo, eu disse.
     Falei para ele que não gostava nem um pouco de fazer dindom, dindom diante do público, que costumava afinar o meu violão antes de sair de casa, mas que naquela noite, infelizmente, acontecera um acidente de percurso.
     Senti que a situação ia começar a ficar desagradável. Todo mundo no bar sentiu, até quem estava lá nos fundos, porque foi nessa hora que ela apareceu com o taco de sinuca na mão, dizendo deixa o rapaz quieto e vamos voltar para o jogo.
     Estou esperando ele tocar O mundo é um moinho, aquela que começa “ainda é cedo, amor, mal começaste a conhecer a vida”, o sujeito respondeu.
     Ele vai tocar mais tarde, ela reagiu. Você não ouviu quando ele explicou? E olhou para mim, enquanto jogava os longos cabelos para trás, gesto que em nada combinava com a postura de quem tem um taco de sinuca na mão, e perguntou com suavidade pela primeira vez revelada:
     Ele está lhe incomodando?
     Mais ou menos.
     Fica assim quando bebe.
     É normal.
     Eu digo para ele que quem não sabe beber só deveria beber mijo. Sorriu. Tinha dentes de quem não fumava e lábios molhados de cerveja.
     Vamos, ordenou.
     E o sujeito a acompanhou, como um cordeirinho. Ao atravessarem a porta que separa o salão, ela me olhou e sorriu novamente.
     Naquela noite eu toquei como em poucas noites. Leve e inspirado. Toquei e cantei O mundo é um moinho, fazendo o possível para não envergonhar o velho mestre Cartola. Olhei para os fundos do bar, enquanto cantava. O sujeito que queria tanto ouvir a canção estava escorado numa cadeira, a cabeça encostada na parede, roncando de boca aberta. A minha salvadora, ainda de taco na mão, sorria e me acompanhava:
     “Já anuncias a hora de partida, sem saber mesmo o rumo que irás tomar”.
     Voltei outras noites a trabalhar naquele bar, repeti outras vezes O mundo é um moinho, que virou peça do meu repertorio, sempre de olho nas mesas de sinuca. Nunca mais aquele chato. Nunca mais aquele sorriso.



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