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FEIRENSES EXCÊNTRICOS E EXTRAVAGANTES

Da série - Verdades e Mentiras sobre Feira de Santana
Publicado em: 18/04/2014 - 00:04:21
Fonte: Emanoel Freitas


    Toda cidade tem seus personagens ontológicos, mas certamente Feira de Santana é campeã nesta matéria, pois, além dos loucos, aloprados e tresloucados que povoaram as nossa ruas quando das abertura das portas do Hospital Colônia Lopes Rodrigues (que aconteciam periodicamente), sempre fomos pródigos também em nossos próprios malucos, além é claro dos nossos conterrâneos excêntricos e extravagantes, que sempre foram muitos. Sem dúvida, todos de certa forma, inesquecíveis pelas mais diversas razões, quase todas incomuns e peculiares.
    Havia em Feira um senhor distinto e extremamente popular que gostava de se vestir sempre em um terno de linho branco, muito bem engomado (naquela época se usava goma para que a roupa ficasse inicialmente sem os vincos naturais do uso), com um detalhe que o diferenciava dos demais, e que com certeza o caracterizava na comunidade. Usava sempre um cravo na lapela. Invariavelmente. Era sempre saudado por todos, um cidadão verdadeiramente muito popular. Seu nome era Manoel Mathias. Todos na cidade o conheciam e havia por ele certa consideração e reverência.
    Ainda menino de doze (12) anos trabalhei em uma sapataria na Rua Direita (Conselheiro Franco), e é claro boa parte do tempo passávamos na porta da loja a espera dos fregueses que não eram tantos quanto hoje. Outra característica da época é que só havia em Feira o Cemitério da Piedade, que como todos sabem fica em uma praça atrás da Igreja da Matriz, o que fazia da Rua Direita trajeto obrigatório de todos os enterros da cidade. Ressalte-se que não existia os comuns (hoje) carros mortuários, ou seja, os féretros eram carregadas pelos parentes e amigos dos falecidos e os enterros eram muito respeitados, enquanto passavam os cortejos, o comum era que todos parassem os afazeres para apreciar aquela última homenagem dos entes queridos aos seus mortos.
    Nesta ocasião notei que em todos os enterros que passavam na frente da loja que eu trabalhava, havia sempre a presença do Sr. Manoel Mathias, invariavelmente com seu terno de linho branco muito bem engomado e seu cravo na lapela, por vezes entre os parentes do falecido ou até ajudando a carregar a urna, o que passou a me intrigar profundamente.
    Seria aquele simpático senhor, que até então eu nem mesmo sabia o nome, parente ou amigo de tantas pessoas? Mais intrigante ainda é que os enterros eram os mais variados, já que só havia um cemitério na cidade, para lá iam pessoas de todas as raças, condição econômica e social e lá sempre estava aquele simpático cidadão, muitas vezes até segurando uma das alças da urna, como é comum aos amigos íntimos e pessoas da família. A cada cortejo fúnebre a minha curiosidade aumentava e chega um momento que se torna imperativo saciar a curiosidade.
    Como perguntar, uma vez que eu não sabia o nome do cidadão? Apenas o terno de linho branco, não era exatamente um característica incomum na época, capaz de destacar uma pessoa, mas o cravo na lapela, que para mim tratava-se apenas de uma flor, por outro lado, era bastante original. Perguntei a algumas pessoas mais velhas sem atentar para o cravo e não obtive nenhuma resposta. As pessoas naturalmente não percebiam seu Manoel, de tão comum que ele havia se tornado na cidade, até que um dia mencionei: "aquele que usa um flor na lapela" e fui imediatamente corrigido por Twita, um barbeiro (nome mais comum para os cabeleireiros masculinos naqueles tempos) muito conhecido no centro da cidade, "uma flor não, um cravo, um homem só pode usar na lapela um cravo, mocinho", no que eu assenti, "sim e quem é aquele Sr. que usa um cravo na lapela(?)", e ele me respondeu "é Sr. Manoel Mathias, um bom cidadão que mora aqui próximo em um chácara, ali descendo pelo beco da loja Pires". Fiquei satisfeito com informação e passei a prestar mais atenção nas atitudes daquele senhor de roupa e cabelos brancos, que sempre passava na Rua Direita (Hoje Conselheiro Franco), e que praticamente a todos os transeuntes e comerciantes saudava com uma gentileza que lhe parecia peculiar.
    Contam alguns mais velhos, que quando demorava de ter conhecimento de algum óbito e naturalmente algum cortejo fúnebre, o Sr. Manoel Mathias ia na delegacia procurar saber se havia alguma notícia de falecimento, outros afirmam que ele passava por lá de forma bem mais constante, de modo a não perder nenhum enterro. É claro que poucas são as verdades a cerca destes fatos, e o certo é que ele sempre estava presente nos cortejos, fosse de quem fosse.
    Não me lembro de nenhum enterro sem a presença de Manoel Mathias enquanto trabalhei na loja de calçados na Rua Direita, de longe já identificava sua presença. Após deixar a loja de calçado passei a encontrá-lo andando pelo centro da cidade com sua comum gentileza, até que um dia alguns anos depois destes fatos, tomei conhecimento de que ele havia falecido, senti uma vontade inexplicável de ir ao enterro daquele simpático cidadão que havia prestigiado, ao seu modo, tanta gente, durante toda a sua vida.
    Não consegui chegar nem perto do enterro, o Centro da cidade estava lotado de pessoas de todas as classes sociais, econômica, cor, sexo, era sem dúvida uma das maiores aglomerações humanas que já havia visto em minha cidade. Ao que parece todas as famílias de Feira de Santana haviam mandado pelo menos um representante para aquele cortejo, que levava o indivíduo que não media esforços para prestar uma última homenagem aos que faleciam na cidade, e estava recebendo, talvez, a maior homenagem que um defunto havia recebido por estas plagas, se não era maior do que a dos grandes políticos da época empatava com eles, e podia ser comparado com o enterro de um radialista muito popular, que faleceu em um acidente à-toa, e que por isso mesmo, criou uma grande comoção popular, uma vez que o rapaz fazia um programa de auditório, na época, na Rádio Cultura, e gozava de grande prestígio com o público jovem.
    Mesmo não conseguindo acompanhar de perto o enterro daquele simpático cidadão que tanto provocava minha curiosidade, de certa forma me senti satisfeito com aquela homenagem que povo de Feira de Santana prestou a ele, em retribuição a tantas gentilezas que havia feito durante sua existência entre nós, sempre com um gesto afável e uma palavra de conforto para o sofrimento alheio, não importava de quem fosse.
    Cidades de porte médio como Feira de Santana, costumam guardar nas memórias de seus povos, acontecimentos inusitados que destacam pela exuberância do momento, como grandes festejos de vitórias políticas, que agradam grande parte da população, vitórias esportivas, muitas vezes raras, enterros de personalidade, que costumam criar  comoções, como em nossa cidade pelo falecimento de Arnold Silva, João Marinho Falcão, igualados ou superados apenas pelos dois cortejos relatados nesta matéria, e até mesmo a realização de alguma coisa nova para a região.
    Uma outra lembrança viva em minha memória, foi a chegada do transmissor de ondas curtas da Rádio Sociedade de Feira de Santana. Incrível! Um fato que poderia hoje ser corriqueiro, lotou o centro da cidade. A Praça da Bandeira e a Praça João Pedreira, não havia como ninguém  locomover-se. Estava absolutamente lotada. Todos queriam ver e estavam ali para receber o tal transmissor, que foi adquirido pelos frades capuchinhos da ordem de Santo Antônio, após adquirirem a Rádio Sociedade, e que foi exibido em um caminhão sem cobertura para deleite da cidade que esperou com ansiedade a possibilidade de ser ouvida no mundo inteiro.
    É bem verdade que a história do transmissor de ondas curtas da Rádio Sociedade também tem muitas histórias e estórias no seu envolto, mas aí, como diziam comummente antigamente: "São outros 500".

 

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